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CAPÍTULO 4 OS JOVENS ATORES DE DIADEMA

4.3 ESPETÁCULOS REALIZADOS

4.3.5 O genro de muitas sogras

Como visto no tópico anterior, o início de 1999 foi marcado por uma debandada de atores do elenco dos Jovens Atores. Para completar as vagas em aberto, foi aberto um novo teste no qual não apareceram tantos candidatos. De todos os espetáculos dos Jovens Atores de Diadema, talvez esse seja o mais curioso. O processo criativo durou cerca de um mês, com ensaios intensos e uma dedicação ímpar do elenco. Como praticamente metade dos integrantes era da nova leva, havia uma vontade muito forte desses atores e atriz de fazer o trabalho e, acredito, a isso se deva o êxito do trabalho. Por que digo isso? Por meio dos questionários enviados aos ex-integrantes que atuaram apenas no elenco de O genro de muitas sogras, percebi que eles tinham uma admiração profunda pelo grupo e um desejo enorme de compor o grupo, desde os tempos em que eram só mais um dentro das numerosas plateias que o

grupo tinha na cidade.

Luiz Nunes (2010) comenta que a realização da I Mostra de Teatro de Diadema, em 1999, acelerou o processo de montagem, pois o grupo queria e estava sendo cobrado para participar da mostra, que tinha caráter competitivo. Nunes diz que em casa, revirando livros e textos de teatro para decidir o que montar com o grupo, caiu-lhe, literalmente sobre a cabeça, um livro de Arthur de Azevedo. Folheando o livro, Nunes decidiu que seria aquele o texto a ser montado. O genro de muitas sogras por que ela reunia as condições ideais para o grupo naquele momento: não teria problemas com direitos autorais, era um texto relativamente simples para adaptar e o mais importante de tudo, tinha papeis para todos. Feita a proposta ao grupo, deu-se início aos ensaios. No processo, um dos atores sai do elenco e justamente o que fazia o papel da personagem Augusto de Almeida, o protagonista do texto. Rosa Lucimara convida então Jaime de Souza, seu amigo, professor de português e que já estava digitando a adaptação da peça para desempenhar o papel. Jaime aceita o desfio, apesar da pouca experiência em teatro.

Mais uma vez, os Jovens Atores assumiu a produção do espetáculo, costurando todo o figurino estilizado de época (vide figuras 30 a 33), e Rogério Maldonado, ator do elenco e maquiador profissional, fez a caracterização completa das personagens. O grupo conseguiu vários objetos e móveis que aparentavam ser de época e uma nova banda, a exemplo do que já havia acontecido em As Troianas, integrou o espetáculo.

Jaime comenta que foi um processo intenso; tinham cerca de vinte dias para decorar todo o texto, fazer as marcações de cena e, ainda por cima, fazer surgir a personagem de dentro de si. Um desafio com data para estrear no teatro. Sua personagem é a que tinha maior quantidade de texto, por essa razão, foi liberado do trabalho de produção. De resto, foram ensaios e mais ensaios para deixar o espetáculo de pé. A garra e a vontade de fazer mais uma vez era o imperativo para a superação dos Jovens Atores. Estrearam O genro de muitas sogras na I Mostra de Teatro de Diadema arrebatando o prêmio de melhor espetáculo, o que lhes garantiu ingresso num circuito de apresentações pela Grande ABCD.

O grupo participou, pela segunda vez, do festival de caráter competitivo Mapa Cultural Paulista, realizado no município de Taboão da Serra, na Grande São Paulo. Dessa vez o grupo ganhou sete dos dez prêmios individuais. No Festival de Bragança Paulista, O genro de muitas sogras levou mais seis prêmios no Festival da

Universidade São Francisco, em Bragança Paulista. Para completar o ano promissor, o grupo ganhou uma temporada no importante teatro paulistano Sérgio Cardoso. A prefeitura de Diadema disponibilizou ônibus para levar interessados da cidade em ir assistir ao grupo em São Paulo. Tanto prestígio rendeu, ainda, a capa da programação cultural de Diadema de setembro de 1999, com o seguinte título: “Diadema tem mais uma razão para se orgulhar: Jovens Atores. Grupo Jovens Atores, com a Montagem da peça O genro de muitas sogras, de Arthur de Azevedo, recebeu 7 prêmios dos 10 oferecidos no Mapa Cultural Paulista”.

A direção precisa de Luiz Nunes, a interpretação dos atores e os elementos de cena como a banda de chorinho que interagia com o elenco ao longo da peça, conferiram a leveza e a graça que o grupo tanto queria, depois de passar um ano envolvido no universo da tragédia. Homens faziam papeis de mulher e vice-versa. A graça, o jogo e a triangulação com a plateia estava afiada. O tempo cômico, bem como a construção de personagem, conferiam ao elenco um domínio da cena bastante grande, o que revelava uma direção precisa e coerente.

Um aspecto que ficou bastante destacado foi o trabalho coletivo do grupo para angariar todos os recursos necessários para a montagem. Para Jaime, foi seu primeiro grande papel, pelo qual levou prêmios por onde passou. Jaime ainda comenta que conseguir desempenhar o papel foi uma tarefa muito difícil, devido a sua pouca experiência. Mas reconhece que a condução e a direção dos atores efetuada por Nunes facilitou muito o percurso.

Diadema estava orgulhosa de seu grupo teatral mais expressivo. Havia uma expectativa enorme que o Departamento de Cultura transformasse os Jovens Atores na companhia teatral da cidade, seguindo o modelo a Cia de Danças de Diadema, que nasceu no mesmo ano que o grupo teatral. Por outro lado, Nunes diz, na entrevista realizada, que deixar o grupo assumir toda a produção dessa peça era uma forma de encaminhar o elenco para uma autonomia em relação às políticas culturais empreendidas na cidade e de onde surgira os Jovens Atores. Mas essas condições nunca ficaram muito claras para os integrantes.

Marta de Bethânia Juliano, a então Diretora de Cultura, escreveu um amplo projeto para o campo cultural da cidade. Nele era contemplada uma posição privilegiada para o grupo, por meio da abertura da Casa do Teatro. No projeto era previsto que os Jovens Atores seriam os primeiros artistas a ocuparem-na com vistas a

uma profissionalização, que também servisse de modelo para outros coletivos.

Na prática, nada disso aconteceu. A Casa do Teatro nunca saiu do papel e o Departamento de Cultura suspendeu todos os apoios cedidos aos Jovens Atores até então. Foi um choque muito grande para o grupo, sobretudo depois de um ano promissor. Nenhum grupo local jamais havia experimentado tal projeção dentro ou fora de Diadema.

Daí o que se revelou desse processo foi o desmanche do grupo. Contraditoriamente, apesar do brilho artístico e do prestígio junto à cidade, os Jovens Atores não foram capazes, ainda que tenham tentado, se manter como um núcleo de artistas do teatro. A falta de apoio institucional revelou-se uma verdadeira guilhotina no fluxo artístico do grupo.

E mais: o fim da oficina para Jovens Atores não interrompeu nem encerrou o ciclo de atividades das oficinas de bairro. A essa altura, o Centro Cultural Serraria, cujo agente cultural se tornou um militante do teatro, já configurava sua vocação para as artes cênicas e como ponto catalisador dos vários grupos que foram surgindo no ínterim 1996-1999.

Mônica Rodrigues, em entrevista a Manso et al. (2005), descreve suas impressões sobre o fim da oficina:

Em novembro de 1999, a prefeitura decidiu dar um fim ao nosso grupo – justamente no seu ano de mais brilho. Apesar do choque, eu e outros integrantes do grupo não queríamos parar. Fazer teatro já era uma forma de sobrevivência, de luta, de protesto, e também nossa tentativa de encantar o mundo à nossa volta, exteriorizando nossos sonhos e poesia. Convidando amigos, alguns ex-integrantes dos Jovens Atores, e outros atores da cidade, montamos o grupo Tufo, cuja última montagem a partir de textos de Sartre, Fernando Pessoa e Henry David Thoreau foi levada aos centros culturais e escolas de Diadema.

Esse certamente foi um importante legado deixado pelos Jovens Atores: a irradiação de pequenos novos coletivos teatrais que surgiram a partir de sua existência e experiência artística.

Figura 18 – Ensaio de o genro de muitas sogras no Centro Cultural Okinawa. Acervo pessoal de Valdilene Santana.

Figura 19 – Ensaio de o genro de muitas sogras no Centro Cultural Okinawa. Acervo pessoal de Valdilene Santana.

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Figura 21 – O genro de muitas sogras. Foto: Acervo pessoal de Valdilene Santana.