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a Aspectos socioeconômicos da matriz sociohistórica

3 APONTAMENTOS METODOLÓGICOS

QUANTIFICAÇÃO DOS DADOS PARA CADA

4 ANALISANDO E DISCUTINDO OS DADOS

4.2. a Aspectos socioeconômicos da matriz sociohistórica

Diferentes dos outros jovens das escolas públicas do Estado, estes adolescentes do Colégio X não precisavam trabalhar e experimentavam uma moratória social, utilizando o seu tempo livre para estudos e mobilidade acadêmica. Para E. Erickson (1976),

A categoria moratória social merece destaque porque ela explica, com muita propriedade, questões sociais da juventude das classes médias e da elite. Estudos sociológicos têm mostrado que a juventude depende de dinheiro e de tempo – uma moratória social – para viver um período mais ou menos prolongado com relativa despreocupação e isenção de responsabilidades. Esse tempo legítimo de

permissividade e legitimidade, proporcionado pela família, é aquele dedicado a estudar e se capacitar e durante o qual a sociedade os brinda com uma especial tolerância. Mas a moratória é privilégio, geralmente, dos jovens de classes médias, cujas famílias têm a possibilidade de lhes oferecer estudos prolongados e retardar seu ingresso nas responsabilidades da vida adulta como o trabalho e o casamento (apud CAMACHO, artigo s.d., p, 3).

Tal fato os presenteava com a possibilidade de um prolongamento e especialização nos estudos, porquanto não necessitavam imediatamente contribuir com o orçamento familiar. Porém essa condição não era unanimidade naquele grupo social. Assim, temos adolescentes que possuíam bens (como celular de última geração, Ipod, notebook, roupas de marca) e serviços (com empregado doméstico na sua residência), bem como aqueles que não dispunham da condição privilegiada da moratória social. Estes, de acordo com o depoimento da psicóloga no Conselho de Classe, pertenciam a famílias muito humildes. Alunos que residiam num bairro classificado por um deles como “subúrbio legal, perto de tudo, acessível, com algumas carências, mas ninguém é perfeito e a vida é assim (...)” (Toinho, 18 anos). E que chegavam à sala de aula com o seguinte discurso: “vou me escrever” [num curso preparatório], “se a gente não estuda, tem que trabalhar. Você não estuda, tem que trabalhar”. (Toinho, 18 anos).

A escolha por uma carreira profissional torna-se temática decisória na vida dos adolescentes que compartilham um mesmo ethos cultural, embora originários de classes sociais diferentes. Os fatores macrossociais, principalmente as condições socioeconômicas, aliados aos projetos familiares, ditam escolhas profissionais. É o caso de Guadalupe (16 anos): “vou ser juíza porque o meu pai quer”, adolescente que pertence a um contexto familiar com renda mensal de 3 a 5 salários mínimos, pai professor e mãe com 2º grau, técnica em enfermagem, família sem automóvel e residindo em Jaboatão dos Guararapes. Convivendo e compartilhando deste mesmo ethos cultural, temos o adolescente Mário (16 anos) que é integrante de uma família que possui uma receita mensal superior a 7 salários mínimos, tem pais com cursos de graduação e pós-graduação, funcionários públicos federais, residente em Casa Forte, pretende ser engenheiro ou geneticista.

Assim tanto Guadalupe como Mário compartilhavam, ao estudarem no Colégio X, de um ethos cultural e de trajetórias familiares que almejavam uma ascensão social através dos estudos. Projetos que coexistem, pertenciam a processos socioeconômicos distintos, mas que se encontravam do espaço cotidiano escolar.

Podemos citar uma aula do SOE na qual a professora lança o questionamento sobre qual seria a principal influencia na escolha profissional daqueles alunos. A família era indicada

pelos adolescentes, em primeiro lugar. Depois vinham os amigos e uma série de fatores que cercavam a decisão: religião, mídia, tecnologia, salário, política, tempo, artes, fome, miséria, consumismo, maternidade, lazer, mercado de trabalho e comida. Tudo isso encabeçado pelo capitalismo, palavra escrita com letras maiúsculas no topo desta listagem, conforme desejo da turma na sala de aula.

Estes adolescentes sabem do seu importante papel socioeconômico nas e para suas famílias, pois, ao concorrerem e passarem numa escola pública de qualidade, podem participar ativamente do orçamento familiar, livrando a família das despesas com mensalidades escolares. Contudo, por outro lado, no contexto familiar, cobra-se deles um desempenho de sucesso neste empreendimento para dar continuidade ao projeto de escalada social (SPOSITO, 1998).

No aspecto socioeconômico, a intimidação era acionada naquela turma no tocante à aquisição por parte de alguns alunos de aparelhos eletroeletrônicos de última geração, objetos desejados e carregados do simbolismo de uma classe social. Estes equipamentos, como celulares modernos, eram utilizados para exibir gravações sonoras ou filmagens com cunho intimidatório na sala de aula ou, através da internet, no site de relacionamento.

A heterogeneidade social desta turma de alunos é visível e o lazer é uma área em que podemos fazer, também, um recorte para tecer comentários, pois tanto é uma atividade espontaneamente escolhida quanto socioeconomicamente condicionada. Assim, encontramos na turma por nós observada uma aluna que fez a sua festa de aniversário numa conhecida boate existente no bairro de Boa Viagem, zona sul de classe média alta, no Recife. A garota fez o convite a alguns colegas na sala de aula, momento em que despertou curiosidade e excitação em todos os colegas. Mas havia outros adolescentes cujo poder aquisitivo lhes permitia viajar nas férias e frequentar regularmente restaurantes, bares, shows, etc.

Por outro lado, encontramos adolescentes que apenas desfrutavam de lazer gratuito por não disporem de condições socioeconômicas para este fim. As opções eram: ir à praia, jogar futebol, ir para a rua, passear no calçadão de Boa Viagem, foram comentadas por eles. Dessa forma, se os adolescentes desta turma heterogênea, em termos de condições socioeconômicas, desejassem praticar um lazer com os colegas, precisariam negociar qual a opção comum. Assim, encontrar com os amigos, foi o lazer mais citado e pareceu-nos solução construída para minimizar as diferenças entre eles, de acesso à bens e serviços.

Considerando os aspectos socioeconômicos que permeiam o Colégio X e os adolescentes que nele estudam, podemos refletir sobre a sua localização territorial na cidade. Território que não pode ser descrito geograficamente sem perder de vista a localização das classes sociais e da violência urbana.

O colégio localiza-se no interior de uma Universidade Pública, ao oeste da cidade do Recife, bairro considerado residencial e comercial de moderado poder aquisitivo e que apresenta esporádicas situações de violência, como nos informa uma das alunas da turma investigada: “o meu bairro já foi um bairro mais seguro, hoje em dia temos muitos relatos de crimes pela falta de segurança. Ainda assim, “é um bairro acessível e bom de se morar” (Ana Olívia, 17 anos).

No bairro vizinho ao do colégio, nas escolas públicas municipais, foi registrado e divulgado na mídia a seguinte reportagem: Adolescente é baleado dentro de escola51. Este

fenômeno contrasta com o cinturão de segurança que o Colégio X experimenta, diferenciando-o das outras escolas públicas do bairro.

Bastante próximo ao colégio, existiam bares, botequins e restaurantes. Estabelecimentos comerciais que funcionam dia e noite recebendo pessoas de várias faixas etárias e localidades adjacentes e servindo bebidas e/ou alimentos.

O entorno da escola também é um aspecto importante a ser focalizado, pois, conforme nos ensinam Abromovay e Rua (2002, p. 25), o bairro onde está localizado o estabelecimento de ensino é “um espaço social e territorial cujas características afetam a sua rotina, as suas relações internas e as interações dos membros da comunidade escolar com o ambiente social e externo”. Rotina que estava sendo alterada e foi motivo de alerta aos pais pelos professores, na Reunião dos Pais e mestres, sobre os riscos que seus filhos poderiam correr ao frequentarem aqueles estabelecimentos durante as refeições.

A ilha de segurança que isola o Colégio X da violência urbana, diferenciando-o no que tange à vivencia das outras instituições públicas de ensino, carrega uma percepção de que a violência vem de fora, extramuros e de que não haveria violência no seu interior.

Retornando ao entorno do colégio, a segurança no trânsito é outro item para ser sinalizado. Observamos, na frente do colégio, um tráfego com uma razoável movimentação de veículos dirigindo-se às outras dependências da instituição universitária. Nesta via não há sinalização com placas que informem o motorista sobre a existência de uma escola nas imediações. O único equipamento encontrado para proteger os alunos do trânsito é uma lombada sem pintura que obriga o condutor, mesmo a contragosto, a diminuir a velocidade, uma vez que muitos alunos brincam de futebol, na saída do turno escolar, na frente do colégio

ou no outro lado da via. Registre-se, contudo, que em alguns momentos, foi por nós constatada a presença de um porteiro na entrada do colégio durante todo o turno escolar.

Ainda sobre a parte externa do colégio e da universidade, há uma parada de ônibus extremamente perigosa, pois está tomada por barracas, obrigando os estudantes a ocupar o meio da rua para acessarem o transporte coletivo. Portanto, os alunos estariam expostos à violência do trânsito, uma das consequências da desorganização do espaço urbano.

O colégio não estava alheio às diversas expressões da violência urbana, que o transpassa e o invade, tanto que vem se protegendo dos possíveis ataques externos às suas dependências, ao usufruir da segurança privada da universidade.

4.2.b Aspectos políticos da matriz sociohistórica

Selecionar os aspectos políticos da matriz sociohistórica é, provavelmente, uma tarefa utópica, pois as ações humanas estão circunscritas por contextos políticos e históricos, demarcando posicionamentos ideológicos. Assim, não pretendemos cobrir todas as nuanças que contém este tópico, mas pinçar algumas práticas adotadas pela escola, que nos pareceram significativas, para apresentar ao leitor aspectos políticos presentes nas relações construídas entre os vários atores sociais deste estabelecimento de ensino. Não podemos deixar de lembrar, como dito anteriormente, o cenário político e educacional que constituía o Brasil entre as décadas de 1950 e 1960, época em que foi fundado o Colégio X. Assim, temos: as mudanças políticas e econômicas promovidas pelo então presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976); a inovação do método educacional do pedagogo pernambucano Paulo Freire (1921-1997)52 e os estudos da Escola Ativa ou Escola Progressiva pelos docentes dessa universidade, que fundaram o Colégio X.

A equipe de professores da universidade que criou o Colégio X, na época Ginásio X, procuraram implementar os princípios democráticos e os novos métodos educacionais inovadores da época.

Os ecos desse projeto político e pedagógico foram observados por nós quando detectamos debates com conteúdos políticos na sala de aula indicando que a temática política não era tabu nas conversas entre docentes e alunos. Por exemplo, os professores se

52 Ele criou um método em educação, voltado para trabalhadores adultos e do campo, denominado de Pedagogia

do Oprimido. Método que influenciou até hoje, gerações de professores, educadores, gestores públicos e profissionais da educação, para refletirem e implementarem práticas educativas que atendessem e respeitassem a cultura dos alunos.