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A Assinatura da Concordata e do Acordo Missionário

Foi um grande marco para a Igreja e um grande florescimento das missões em Angola a assinatura da Concordata e do Acordo Missionário. Depois de muitas negociações entre o Estado português e a Santa Sê, no ano da comemoração do 8º centenário da nacionalidade e 3º da restauração da independência nacional de Portugal, foram assinados, no Vaticano, a Concordata e o Acordo Missionário entre a Santa Sé e o Estado português. A assinatura deu-se numa situação temporal de conflito mundial, isto é, em plena II Guerra Mundial, durante a qual Portugal manteve a sua neutralidade. Foi precisamente no dia 7 de Maio 1940 que se deu o tão grande acontecimento – a assinatura da Concordata e do Acordo Missionário. Este Acordo foi completado posteriormente com a bula Sollemnibus conventionibus do Papa Pio XII, de 4 de Setembro de 1940, e pelo Estatuto Missionário por parte do Estado português em 194197. A assinatura dos dois documentos veio restabelecer a boa harmonia que tinha sido ferida com a Lei da Separação. Nas missões, em Angola, cada vez mais, sentia-se a necessidade de um reconhecimento jurídico das actividades realizadas pelos missionários. Tratava-se de responder às exigências pastorais que reclamavam mais colaboradores e mais meios de trabalho. O governo não podia responder à questão da divisão eclesiástica das Províncias ultramarinas, nem havia condições para abrir novas missões de modo especial no interior dos territórios (de Angola). Segundo Paulo Fontes «A assinatura da Concordata de 1940 e a sequente definição do novo Acordo Missionário entre o Estado Português e a Santa Sé balizam cronologicamente o início de nova etapa no trabalho de missionação desenvolvido pela Igreja Católica nos territórios

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57 portugueses da África e Ásia»98. Por conseguinte, quer a Concordata (31 artigos), quer o Acordo Missionário (21 artigos) representaram instrumentos bastantes valiosos na relação da Igreja com o Estado. No texto da Concordata, encontramos três artigos (art. 26º-28º) que abordam de forma clara a problemática missionária.

Estes dois documentos não foram criados para restabelecer a confessionalidade do Estado nem para restabelecer a união moral entre o poder temporal e o poder Espiritual. Os acordos foram criados para restabelecer uma harmonia que há bastante tempo andava perdida. Tratou-se reconhecer à Igreja católica o seu lugar na sociedade no quadro da liberdade religiosa99.

Enquanto a Concordata regulava as relações do Estado e da Igreja em Portugal, com excepção de duas leis que fazia referência de forma explícita ao ultramar português, O Acordo Missionário destinava-se a regular mais em pormenor as relações entre a Igreja e o Estado no que dizia respeito à vida religiosa no ultramar português. Todavia, constituiu um instrumento valioso para o impulso da expansão da fé cristã no interior de Angola. Quer a Concordata quer o Acordo Missionário não estavam isentos de interesses políticos. Segundo Bruno Cardoso Reis,

«António Oliveira Salazar via a Concordata como servindo os interesses da nação corporizada no regime que fundou, como garantia de conservação social em termos de cooperação e convergência entre duas entidades (o estado e a Igreja Católica) administrativamente separadas por cedência ao espírito do tempo e conveniência»100. Os Acordos, por parte do Estado procuraram reconquistar o sector católico que se sentia abatido devido às consequências da Lei da Separação. Por conseguinte não se tratava de usurpação ou confronto ou apropriação daquilo que era do Estado. Tratava-se de apaziguar as relações da Igreja com o Estado. Nesta grande negociação histórica as duas entidades tiveram que fazer cedências.

98 FONTES, F. Oliveira Paulo – «A Acção Católica Portuguesa e a problemática missionária (1940- 1974)», in CONGRESSO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA, Missionação Portuguesa e Encontro de Culturas, p. 111.

99 LEITE, António – «Natureza e oportunidade das Concordatas», in A Concordata entre a Santa Sé e a

República Portuguesa, edição Almedina, Coimbra, 2001, p. 43.

100 REIS, Bruno Cardoso – «A concordata de Salazar», in Lusitania Sacra, Lisboa, tomo XIII, 2000, p.195.

58 Segundo Joel Serrão,

«Numa sábia distinção entre influência e poder, a Igreja renuncia à reivindicação da devolução de todos os seus bens e de qualquer indemnização pelos não devolvidos em troca da garantia de que o Estado lhe asseguraria a liberdade, por um lado, os meios necessários, por outro, para exercer a sua acção, não só no continente como sobretudo nas missões ultramarinas»101.

Com a assinatura da Concordata e do Acordo Missionário, passou-se a reconhecer a Igreja como uma personalidade jurídica. Às dioceses e os Institutos missionários, masculinos e femininos que se estabelecerem não só do Portugal continental ou ilhas adjacentes mas também que se encontravam em missão, foi-lhes assim reconhecido um estatuto jurídico. Este reconhecimento mudou o posicionamento da Igreja nas missões em Angola.

O facto da divisão eclesiástica nas colónias portuguesas passar a ser feita por dioceses e circunscrições missionárias autónomas, tornou mais activas as acções apostólicas da Igreja. A reorganização pastoral das missões constituía um factor importante para o crescimento e expansão do Evangelho. Era necessária a reorganização do espaço missionário. Era preciso ultrapassar o modelo antigo de divisão eclesiástica dos territórios. Esta ideia, ao nível da Igreja não oferecia resistência. Segundo António Matos Ferreira,

«Quando consultados preliminarmente sobre o conteúdo desse Acordo, estes prelados estavam sintonizados nas necessidades de reorganização do espaço missionário, defendendo para Angola e Moçambique uma divisão diocesana que permitisse uma presença da Igreja católica com estruturas mais adequadas à implantação religiosa e ao enquadramento das populações, superando a fragmentação das iniciativas ligadas à presença no território de diversas congregações missionárias e delimitando melhor o exercício da autoridade eclesiástica»102

Por outro lado, no dizer de Raquel Varela, os Acordos representavam um sinal, uma «forma de nacionalizar as actividades missionárias nas colónias, instrumento essencial de consolidação do domínio português ultramarino e protecção à concorrência protestante»103. O artigo 9º da Concordata e o artigo 3º e 4º do Acordo Missionário determinam que os bispos devem ser sempre cidadãos portugueses, assim como os

101 SERRÃO, Joel – Portugal e o Estado Novo (1930-1960), vol. XII, Lisboa, 1992, p. 28.

102 FERREIRA, António Matos – História da Expansão Portuguesa, p. 387.

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59 Reitores dos Seminários e Superiores das Missões. O artigo 10º da Concordata e o artigo 7º do Acordo Missionário determinam que a nomeação dos bispos deve merecer o parecer e o acordo do Estado Português a fim de saber se contra o candidato haveria objecções de carácter político geral». O artigo 16º do Acordo Missionário determina que o ensino e o uso da língua portuguesa deve ser obrigatório em todas as escolas indígenas missionárias104. Apesar das Leis do Acordo Missionário permitirem a autonomia da Igreja católica da sua acção fora do controlo do Estado e acima das divisões partidárias e lutas políticas, notamos ainda uma excessiva presença do Estado na vida da Igreja, isto é, uma certa nacionalização das actividades da Igreja. Segundo o bispo Eduardo André Muaca, «os bispos eram equiparados à categoria de directores de serviços e os sacerdotes eram equiparados a primeiros-oficiais»105.