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A refontalização das expressões da fé

No pós Concílio começa-se, em Angola, a falar da refontalização das expressões da fé. Queria dizer-se que a fonte das expressões da fé devia ser a Sagrada Escritura. Ora, não bastava ter estruturas de ensino ou de cultos bem organizados quando estas estruturas não funcionassem para fazer com que os homens fossem iluminados pela palavra que se encontra das Sagradas Escrituras. No processo de evangelização é preciso que a fonte de orientação seja a Escritura. O Concílio chamou atenção para não nos afastarmos da Sagrada Escritura. E ela deve ser usada a nível individual, familiar, nas celebrações eclesiais, na celebração eucarística e outras…A Sagrada Escritura deve constituir a refontalização - base de todas as refontalizações …Segundo a Constituição sobre a Revelação Divina

«A Igreja venerou sempre as Sagradas Escrituras como venera o próprio Corpo do Senhor, não deixando jamais, sobretudo na Sagrada Liturgia, de tomar e distribuir aos fiéis o pão da vida, quer da mesa da palavra de Deus quer da do Corpo de Cristo. Sempre as considerou, e continua a considerar, juntamente com a sagrada Tradição, como regra suprema da sua fé; elas, com efeito, inspirada como são de Deus, e exaradas por escrito duma vez para sempre, continuam a dar-nos imutavelmente a palavra de Deus e fazem ouvir a voz do Espírito Santo através das palavras dos Profetas e dos Apóstolos. É preciso, pois, que toda a pregação eclesiástica, assim como a própria religião cristã, seja alimentada e regida pela Sagrada Escritura…». «…é preciso que os fiéis tenham acesso à Sagrada Escritura. Por esta razão, a Igreja logo desde os seus começos fez sua aquela tradução grega antiquíssima do Antigo Testamento

162 HOFINGER, J. – «Pastorale Liturgique en Chrétienté missionnaire», Apud NEVES, A.F. Santos – Liturgia Cristianismo e Sociedade em Angola, Lisboa 1968, p. 22.

89 chamada dos Setenta; e sempre tem em grande apreço as outras traduções, quer orientais, quer latins, sobretudo a chamada Vulgata. Mas, visto que a palavra de Deus deve estar sempre acessível a todos, a Igreja procura com solicitude material que se façam traduções aptas e fiéis nas várias línguas, sobretudo a partir dos textos originais dos livros sagrados …»163

Ainda neste capítulo o Concílio diz que:

« é preciso que todos os leigos e sobretudo os sacerdotes de Cristo e outros que, como os diáconos e os catequistas, se consagram legitimamente com a palavra, mantenham um contacto íntimo com as Escrituras, mediante a leitura assídia e o estudo aturado…». Continuando o Concilio exorta com ardor e insistência que todos os fieis mormente os religiosos, a que aprendam “as sublimes ciências de Jesus Cristo” (fil.3, 8) com a leitura frequente das divinas Escrituras, porque “a ignorância das Escrituras é a ignorância de Cristo”. Debrucem-se, pois, gostosamente sobre o texto sagrado, quer através da sagrada Liturgia, rica de palavas divinas, quer pela leitura espiritual, quer por outros meios que se vão espalhando tão louvavelmente por toda a parte, com a aprovação e estímulo dos pastores da Igreja»164.

Nestas palavras verifica-se na insistência à palavra de Deus. É preciso refontalizar a nossa maneira de ser e estar como cristão na Sagrada Escritura. Vimos que é preciso que a Palavra de Deus seja cada vez mais acessível ao homem e para isso é preciso que se faça traduções nas línguas vernaculares. As celebrações litúrgicas devem ser sustentadas e mantidas pela Palavra de Deus.

O Concílio veio desmontar ou desconstruir aquela linha de pensamento que dava primazia ao catecismo e aos livros de orações deixando para o segundo plano o ensino da leitura da Sagrada. Um missionário confessou o seguinte «Não deveríamos envergonharmo-nos de termos traduzido o Catecismo antes da Bíblia?»165 Este desabafo, no quadro do Vaticano II, tem sua razão de ser. É verdade que muitos cristãos, nas missões, tinham acesso as fórmulas doutrinais e à aprendizagem das orações mas quanto à leitura da Sagrada Escritura o incentivo era bastante pouco. Em vez da evangelização no seu puro sentido periodizou-se demais a sacramentalização. Se o Acordo Missionário deu a possibilidade das missões se multiplicaram e assim a mensagem cristã chegar mais longe, o Concílio Vaticano II veio orientar doutrinalmente o caminho que deve seguir. O Concílio veio aperfeiçoar os métodos de transmissão da mensagem cristã. Segundo Santos Neves «o Vaticano II veio na altura exacta em que

163

CONCÍLIO ECUMÉNICO VATICANO II- «Constituição Dogmática Dei Verbum», AA 58 (1965),

p. 827.

164 Ibidem, p. 829. 165

90 era preciso rever o cristianismo, o mesmo é dizer, repensar o que Cristo ensinou»166. Mais do que formulários de perguntas e respostas ou de várias proibições é necessário aplicar a catequese à vida. Que a catequese fale da vida divina que nos foi dada, contada no Bíblia, prática dessa vida divina em união com os irmãos na liturgia, em função e intenção dos irmãos na caridade quotidiana, mãe das virtudes. Por conseguinte é preciso que o ensino cristão tenha uma direcção positiva, isto é, não basta proibições mas é preciso mostrar o caminho da vida. Citando Paulo VI

«a doutrina cristã deve ser não só verdade, objectivo do estudo teórico, mas palavra geradora de vida e acção; nem a disciplina da fé deve limitar-se apenas a condenar os erros que a ofendem, mas tem de chegar a proclamar os ensinamentos positivos e vitais de que ela é fecunda. Não sendo só especulação nem só negativo o munus do magistério eclesiástico deve… manifesta cada vez mais a força vivificante da mensagem de Cristo que disse: as palavras que eu disse são Espírito e vida»167.

Mas que desprezar ou mesmo proibir é preciso valorizar e iluminar aquelas manifestações que dizem respeito aos valores autênticos de cada povo ou grupo étnico. Segundo Santos Neves «hoje depois do Vaticano II não é permitido a nenhum missionário pegar em meia dúzia de palavras como batuque, óbito, alambamento,

Kimbanda, englobar nelas todos o rótulo de pecado e proibi-los terminantemente a

cristãos e catecúmenos»168. É preciso que o missionário compreenda e respeite as tradições do homem encontrado e apresente a mensagem cristã como proposta salvífica, como uma mensagem salvadora. A transmissão da mensagem deve sempre ser feita com caridade atendendo sempre aos valores autênticos da estrutura étnica, que terão de ser estudados, compreendidos, apreciados, seleccionados, purificados e integrados no cristianismo. Terminamos este ponto com a frase de Santos Neves que diz que «será a presença ou a ausência de uma tal refontalização que fará da Igreja Católica em Angola uma Igreja “actualizada”, uma Igreja dentro ou fora do ritmo e do espírito do Concílio Ecuménico Vaticano II»169.

166

Ibidem, p. 80.

167 PAULO VI, discurso inaugural da 2ª sessão no Concílio Vat. II, Apud NEVES, S.F. Santos – Liturgia Cristianismo e Sociedade em Angola, Lisboa, 1968, p. 81.

168 Ibidem, p. 83 169

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