• Nenhum resultado encontrado

Terminadas as matérias matrimoniais, este capítulo focar-se-á na transmissibilidade do património e nos mecanismos de atribuição de heranças. Ao contrário daquilo que se verificou no capítulo anterior, no FJ estas questões são integradas dentro de um dos livros da obra, o IV, mas não detêm a exclusividade do mesmo, partilhando o seu espaço com outras matérias fora do seu campo de atuação jurídico, como a orfandade e a adoção. Por outro lado, o FR mantém a dinâmica que já pude expor anteriormente, integrando este tópico num contexto temático mais amplo e diverso.

O principal foco de interesse deste capítulo será a legislação associada ao processo de transmissão patrimonial e todas as particularidades que podiam afetar esse procedimento.

Neste sentido, vale a pena salientar, por exemplo, o que fazer aquando da morte de um dos parentes sem testamento, a ordem pela qual o património deveria ser transmitido ou até quem tinha direito a receber da herança do falecido, entre outros. O FJ dedica inteiramente o título II do livro IV a estas questões e é possível encontrar algumas leis relacionadas no título IV do livro IV e no título V do livro III. Este tema encontra-se no FR inteiramente no título VI do livro III, com algumas leis alusivas no título IX do livro III e no título IX do livro IV. Finalizada esta parte, abordaremos, muito brevemente, a deserdação e as condições que podiam levar a este fenómeno, matérias de conteúdo muito reduzido tanto no FJ e no FR. Vale a pena mencionar a definição dos graus familiares, que nos são disponibilizados unicamente no FJ, existindo uma total omissão dos mesmos no FR.

Os graus familiares

O livro IV do FJ, intitulado “De la nascencia natural”, inicia-se com a definição explicita dos graus de consanguinidade, cuja consideração era indispensável para a época, pois era um tópico importante para esclarecer matérias associadas à transmissão do património, mas também para evitar qualquer tipo de relação incestuosa. Assim sendo, são estabelecidos sete graus, todos instituídos por Isidoro de Sevilha à exceção do segundo. É importante esclarecer os três termos utilizados recorrentemente neste capítulo:

“de suso”, “de yuso” e “de travieso147”. O termo “de suso” refere-se aos ascendentes da

147 O FJ utiliza mais frequentemente o termo “de travieso”, utilizando pontualmente o termo “de traveso”

e “de transverso”.

linhagem enquanto “de yuso” se refere aos descendentes. O termo “de travieso” faz referência às linhas colaterais da linhagem.

Tendo isto em conta, no primeiro grau encontravam-se o pai e a mãe, seguidos “de yuso”

pelos seus filhos148. No segundo grau na linha “de suso”, o FR faz referência aos avós, enquanto na “de yuso” se situavam os netos. Na linha “de travieso” estavam os irmãos do pai ou da mãe, bem como os seus avós da parte paterna ou materna; os netos dos seus filhos e os seus tios149. No terceiro grau situavam-se a “de suso” os bisavós e a “de yuso”

os bisnetos. De “travieso” encontravam-se os filhos dos irmãos e, mais uma vez, os irmãos dos pais, existindo uma réplica da lei anterior, denominada de “antiqua”, para este último grupo150, o que pode sugerir uma evolução nos conceitos legais de consanguinidade, mas que não explica o porquê da lei II não ter sido devidamente retificada para evitar qualquer tipo de confusões. No quarto grau “de suso” encontravam-se os trisavós enquanto a “de yuso” encontravam-se encontravam os trisnetos; a “de travieso” situavam-se os netos dos irmãos; os filhos dos tios e os irmãos dos avós151. No quinto grau surgem a “de suso” os tetravós e a “de yuso” os tetranetos; na linha colateral encontravam-se os bisnetos dos tios e os irmãos dos bisavós152. No sexto grau de consanguinidade encontravam-se a “de suso” os quintos avós e os quintos netos a “de yuso”; a “de travieso”

estavam os bisnetos dos tios e os irmãos dos bisavós153. Por último, no sétimo grau, estabelece-se que a “de suso” estavam os sextos avós e a “de yuso” os sextos netos; a “de travieso” encontravam-se os tetranetos dos tios. E neste último grupo finalizavam-se os sete graus de consanguinidade, pois “daqui adelantre non pode ome axár nombres: nin los omes non son de tan longa vida, que podan haber mas nietos, nin mas linage en su vida”154. É curioso que o legislador mostre, por um lado, que a linhagem de um indivíduo não ia para além do sétimo grau, e, por outro, algumas dificuldades no esclarecimento dos graus de parentesco a partir do quarto grau, quando começa a expor “Aqui non podemos Nos mas explanár de como es dicho”, algo que se irá repetir nas leis seguintes até ao sexto grau.

148 FJ, IV, I, 1.

149 FJ, IV, I, 2.

150 FJ, IV, I, 3.

151 FJ, IV, I, 4.

152 FJ, IV, I, 5.

153 FJ, IV, I, 6.

154 FJ, IV, I, 7.

A definição dos graus de consanguinidade não se encontra presente no FR, nem terá tanta importância, como veremos, nas leis sobre a transmissão patrimonial, algo que é possível associar, a meu ver, a duas causas: por um lado, às diretrizes emergentes do Concílio de Laterão de 1215, que reduziu a proibição do casamento do sétimo grau de parentesco para o quatro155, diminuindo ao mesmo tempo o espectro familiar a ter em conta na atribuição das heranças; por outro lado, às próprias dificuldades expressas no FJ, o que pode ser associado à pouca probabilidade de um indivíduo conhecer ou vir a conhecer, quando inseridos nas linhas colaterais, os parentes que integravam os graus mais distantes. Assim, a redução dos graus associados à proibição matrimonial, bem como as dificuldades em encontrar parentes para além do quarto grau, terá determinado a dispensa da definição dos graus de parentesco.

A transmissão patrimonial no Fuero Juzgo

As regras de transmissibilidade patrimonial no FJ determinam que, para receber a herança do pai surgiam, em primeiro lugar, os filhos, seguidos dos netos e, na ausência de existirem netos vivos, os bisnetos. Eram estes os herdeiros considerados legítimos e que surgiam na primeira linha sucessória. Se não houvesse nenhum familiar “de yuso” e o indivíduo não tivesse pais com vida, então, legitimamente, a herança seria transmitida aos seus avós, se fossem vivos aquando da morte do indivíduo156. Ora se o indivíduo não deixasse testamento nem tivesse familiares vivos, aludindo ao caso anterior, nem “de suso” nem “de yuso”, então a sua herança seria recebida pelos “de traveso mas propinquos”, não sendo possível aos familiares mais afastados protestar por nada receberem157. E as filhas? Tinham estas os mesmos direitos que os irmãos na hora de receber a herança dos pais? O FJ estabelece que sim, pois esta “debe venir egualmientre con sus hermanos”, tendo direito à herança dos pais, dos avós, dos irmãos e irmãs e também dos seus tios. As raparigas tinham este direito, pois considera o FJ “cá derecho es, que aquelos, que natura fizo egualmientre parientes, egualmientre vengan á la bona”158. Por receberem o mesmo, as mulheres tinham, por outro lado, a obrigação de dividir igualmente com aqueles que lhes “son tan propinquos cuemo ellas” as heranças

155 Elizabeth Archibald, Incest and the Medieval Imagination (Oxford: Clarendon Press, 2001): 40.

156 FJ, IV, II, 2.

157 FJ, IV, II, 3.

158 FJ, IV, II, 9.

da parte da mãe, dos tios e dos seus avós, pois, como nos diz a lei, a totalidade da herança devia tornar para aqueles que são “en mas propinco grado”159.

Para além de os filhos terem o direito de receber a herança dos pais por igual, o FJ estipula que também os avós, paternos e maternos, os tios e os sobrinhos teriam a possibilidade de receber por igual da herança do familiar. Não é claro, contudo, se a lei se refere unicamente àquilo que o individuo tivesse ganho em vida ou se incluía aquilo que já tivesse sido herdado, nem se estas concessões ocorriam se o individuo tivesse filhos160. Institui-se, além disso, que os avós teriam direito a receber por herança, após a morte do neto, aquilo que este tivesse ganho/lucrado em vida e, na ocasião de este morrer ainda com os pais e avós vivos, tudo o que lhe fora dado para viver deveria regressar aos seus proprietários originais161. Todavia, muitas destas leis entram em conflito com a última deste título. Esta, por um lado, limpa qualquer dúvida que pudesse existir sobre a autoridade das mulheres livres sobre a sua herança e decreta para ambos os sexos que, se um indivíduo adulto não tivesse filhos, netos ou bisnetos, então podia das suas coisas fazer o que quisesse livremente, não sendo possível nem aos membros da sua linhagem

“de suso” nem “de transverso” contestar. Qual era a razão para tal? Ora, pois independentemente do seu parentesco, estes indivíduos não eram nascidos “en tal manera, que por natura debe haber la heredat”. A herança só seria distribuída se o homem ou a mulher morressem sem testamento, e, unicamente nesta ocasião, os seus parentes mais próximos deveriam receber a herança162.

Voltando ao testamento, este era válido somente se tivesse sido feito por escrito ou testemunhado por alguém. Se um testamento fosse feito e não preenchesse pelo menos um destes requisitos, não teria qualquer validade. Assim sendo, no caso de um individuo que acabasse por falecer sem filhos e sem testamento válido, toda a herança sobraria para os seus parentes mais próximos, sendo expectável que se seguisse a ordem “de suso”

primeiro e, apenas depois, a “de travieso”. Se, no entanto, falecesse com filhos, a herança deveria ser repartida igualmente entre todos os filhos e filhas, sem qualquer tipo de discriminação para a rapariga163.

159 FJ, IV, II, 10.

160 FJ, IV, II, 6, 7, 8.

161 FJ, IV, II, 6.

162 FJ, IV, II, 22.

163 FJ, IV, II, 1, 4.

A morte sem herdeiros é prevista explicitamente no FJ em duas leis. A primeira considera o falecimento de um individuo, deixando este para trás somente irmãos e irmãs, sem nenhum descendente legítimo. Neste caso, o FJ protege todos os irmãos e irmãs de forma igual, desde que fossem filhos dos mesmos pais. Se um dos irmãos fosse filho de pai ou mãe diferente, a herança deveria ser atribuída apenas aos filhos de pai e mãe igual que o individuo falecido, não tendo os restantes, se houvesse, direito a nada. Se fossem filhos apenas da mesma mãe, então herdariam e teriam de partilhar apenas os bens da mãe, algo que se reflete e reproduz de igual forma para os filhos do mesmo pai e de mãe diferente164. E os casais sem filhos? Pois bem, o FJ decreta, nesse caso, que as heranças do casal deviam, essencialmente, trocar de mãos, recebendo o marido a herança da mulher e a mulher a herança do marido, somente quando não existia outro parente da linhagem de ambos até ao sétimo grau165. Não obstante, é muito provável que este património se tornasse património conjunto do casal, sendo inserido e utilizado por ambos para seu usufruto. Em contrapartida, se o casal tivesse trocado heranças e tivesse filhos posteriormente, a doação feita não teria qualquer validade e os filhos deveriam receber a herança do seu pai, sem ser o quinto da sua totalidade. Contudo, se o casal, “antes que fuesen en uno”, trocasse algo da sua herança, então essa troca deveria ser válida e não podia ser desfeita por filhos futuros166.

O FJ tem a prudência de definir o momento em que um filho ou filha se tornava ou não herdeiro dos seus pais. A principal dúvida que se tenta dissipar diz respeito ao tempo que os filhos deveriam viver para terem direito a herdar. Deste modo, estabelece-se que o recém-nascido deveria viver, no mínimo, dez dias, e nesses dez dias deveria ser batizado de acordo com as regras estabelecidas. Se não sobrevivesse a esses dez dias, como é óbvio, a herança não lhe seria transmitida de qualquer forma mas o mesmo se pode dizer se a criança não fosse batizada. Assim o filho ou filha, tornar-se-ia, de certo modo, ilegítimo, não o ilegítimo que alude à bastardia, mas ainda assim, ilegítimo no que concerne aos direitos de transmissão patrimonial, e não teria qualquer tipo de direito sobre a herança dos pais. A quem tentasse utilizar uma criança para receber a herança dos pais reivindica-se, antes de mais, que garantisse a vida celestial da criança através do batismo, não sendo a lei explícita no que isso se traduzia em termos patrimoniais, pois “aquel que finca despois, él haya la bona”, não determinando claramente quem ficava com a “bona”.

164 FJ, IV, II, 5.

165 FJ, IV, II, 11.

166 FJ, IV, II, 20.

A criança batizada receberia por um lado, a terra por herança, e por outro, “las cosas celestiales quel son apareyadas”, herança esta que poderia ser transmitida mais tarde para os filhos. Esta lei alude ao conceito de bom cristão e aos valores do Cristianismo, pois o batizado receberia “las cosas que son de vida”, enquanto os outros ganham “las cosas que desfalecen”. Aquando da sua morte, sem poder mais utilizar as coisas terrestres, tinha o individuo direito a usufruir das coisas celestiais, sendo então necessário o batismo para obter algo em vida, as coisas terrestres, e algo na morte, as coisas celestiais167.

Dando seguimento à mesma lei, define-se que, se o pai falecesse tendo já batizado o filho e este tivesse sobrevivido os tais dez dias, então tudo o que fosse património do pai deveria ser devidamente guardado pela mãe, na menoridade do filho, e posteriormente entregue. Se fosse a mãe a falecer, deveria o pai guardar a parte da herança da mãe que seria posteriormente entregue aos filhos, sendo necessário provar o batismo da criança.

Por outro lado, se o casal tivesse filhos e os filhos lhes dessem netos, se os filhos acabassem por morrer, então tudo o que receberiam dos filhos deveria ser transmitido aos netos, sendo os pais proibidos de beneficiar um dos netos em mais de um terço do valor total do património. Não havendo filhos, netos ou bisnetos, da sua “heredat” teriam total liberdade de utilizar como pretendessem e, na eventualidade de morrerem sem testamento, a herança deveria ser entregue aos parentes mais próximos do pai ou da mãe, sendo possível que a mesma fosse dividida entre os que a recebessem. Na ocasião de um filho morrer e o pai não fizesse testamento do que iria receber, não é conclusivo se este perderia o direito à herança que receberia do filho falecido em vida ou apenas após a sua morte, sendo que no segundo caso esta revertia para os seus parentes mais próximos, e o mesmo se aplicaria aos herdeiros da mãe. Assim, os netos tinham direito integral à sua parte, que coincidia com aquilo que os pais receberiam, da herança dos avós, aquando da morte dos pais168.

O FJ faz a distinção entre o que deveria ser feito e cumprido após a morte de um dos pais. No caso de ser a mulher a sobrevivente e esta tivesse filhos do seu marido, definia-se que, definia-se esta assumisdefinia-se a castidade, então poderia usufruir na totalidade dos lucros da herança do seu marido com os filhos, utilizando-a para o sustento da família, não lhe sendo permitido a venda ou a doação da dita herança a um dos filhos, sendo, ainda assim, possível vender daquilo que usufruíra e lucrara da herança. Se acabasse por vender

167 FJ, IV, I, 18.

168 FJ, IV, II, 19.

alguma coisa da herança, tudo deveria ser restituído e dividido igualmente entre os filhos após a morte da mãe. Se a mulher casasse com outro homem, todavia, não teria direito a nada da herança do seu marido e a guarda da mesma passaria para a tutela dos filhos169. De outro modo, se o marido falecesse e deixasse a mulher grávida, o filho dessa gravidez deveria herdar de igual forma com seus irmãos. No caso de vir a nascer sem irmãos, a lei não é explicita no que pretende, pois define-se que alguém, talvez a mãe, podia dar até a quarta parte da herança do filho, com as três partes restantes a sobrar para o filho “que nasció despois del padre”170.

Como devia então o marido proceder após a morte da sua mulher? Os filhos desse casamento ficariam sob a sua guarda e seria este o guardião da herança dos filhos se não casasse com outra mulher. Porém, da herança da mulher, à semelhança daquilo verificado na lei anterior, o marido não podia vender nem dispor de nada, sendo-lhe possível apenas o usufruto dos lucros dessa herança, usufruto esse que deveria ser gasto de forma comum com os filhos. Se o marido voltasse a casar com outra mulher, “porque non es derecho que los fiyos sean en poder de otre sinon de so padre”, os filhos permaneceriam sob a sua guarda mas este era obrigado a meter por escrito todo o património dos filhos perante o juiz ou os parentes da mãe que os teriam sob a sua guarda na ocasião do pai morrer, tudo para que o marido não atestasse mais tarde que perdera a herança da mulher. Se o pai não pretendesse ter os filhos na sua guarda, então o Juiz deveria escolher um dos parentes da mãe que atuasse como tal e, quando o filho se quisesse casar, deveria este procurar o seu pai para que este lhe restituísse a parte que tinha da herança da mulher, permanecendo somente com um terço do valor total daquilo que dera. Após os filhos alcançarem os 20 anos, mesmo que não casassem, o pai era obrigado a dar a metade da herança da sua mulher aos filhos, reservando a sua parte até à sua morte. Contudo, se o pai casasse com outra mulher deveria separar todas as coisas dos filhos que tivessem pertencido à mãe deles, para que os seus filhos “non los faga tuerto” quando permanecessem em casa da futura madrasta. Por fim, se o pai vendesse alguma das coisas da herança da mulher ou as quisesse ter por mais tempo que o suposto por lei, então deveria restituir das suas coisas aquilo que pertencia à sua mulher aos filhos171.

169 FJ, IV, II, 15.

170 FJ, IV, II, 20.

171 FJ, IV, II, 13, 14.

O FJ dava continuidade lógica a uma das leis aplicável às arras, que determinava ser necessário, caso a mulher tivesse filhos de dois ou mais maridos, deixar por herança aquilo que recebera do pai do respetivo filho172, aplicando-a agora à complexa questão da sucessão existindo filhos de diferentes casamentos. Nesse sentido, promulga-se que, se algum homem tivesse casado com várias mulheres e de todas tivesse filhos, se um dos filhos acabasse por morrer sem testamento, então os irmãos que eram dos mesmos pais tinham direito a receber a sua herança se o defunto não deixasse filhos ou netos; se fossem filhos de pais diferentes, então define-se que os filhos do mesmo pai teriam direito à herança apenas do pai, enquanto os filhos da mesma mãe teriam direito unicamente à herança desta, equivalendo-se à lei sobre as arras. Se a mulher tivesse filhos de muitos maridos, então os filhos que fossem do mesmo pai teriam direito a receber a herança dos irmãos que morressem sem testamento, na inexistência de filhos ou netos, tanto a parte da mãe como do pai173.

Vale também a pena mencionar as regras de transmissão patrimonial para os membros do clero. Relativamente aos clérigos, aos monges e às monjas, se não tivessem qualquer familiar ou herdeiro conhecido até ao sétimo grau de parentesco, tudo aquilo que possuíssem seria apreendido e incorporado no património da igreja que tivessem servido em vida após a sua morte174. E que tratamento era conferido àqueles que abandonavam a ordem? O FJ expressa categoricamente que quem abandonasse a ordem para “vivier seglarmiente” deveria retornar prontamente à ordem, “así como mandan los decretos”, para além de serem difamados e condenados à penitência perpétua. O que acontecia então ao seu património? O FJ é perentório. Essencialmente, o individuo deixava de ser dono do seu património depois da sua entrada na ordem, permanecendo este na mão dos seus filhos ou dos seus parentes mais próximos. E se o homem tivesse filhos ou casasse aquando da sua saída “provisória” da ordem? Se este tivesse recebido alguma coisa da mulher com quem tivera filhos, todas as coisas deveriam reverter para a mão da mulher na sua totalidade durante a sua vida, passando posteriormente para os filhos após a sua morte; se, todavia, não houvesse filhos dessa relação ou a mulher fosse morta, tudo ficaria para os herdeiros do homem; isto aplicava-se a tudo o que a mulher tivesse oferecido ao homem. Se tivesse sido o marido a oferecer algo à mulher, esse património deveria ser dado aos herdeiros dela, não aos do homem. E o mesmo se aplicaria em reverso, se fosse

172 FJ, IV, IV, 2.

173 FJ, IV, IV, 3.

174 FJ, IV, II, 13.