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Terminada a exposição geral, tanto do contexto em torno de ambas as obras legislativas, das suas influências e dos seus objetivos, como também das demais características e tradições matrimoniais presentes no Fuero Juzgo e no Fuero Real, é oportuno realçar, desde logo, uma das principais diferenças entre os dois códigos: a divisão das matérias familiares. Enquanto o Fuero Juzgo dedica inteiramente dois livros a estas temáticas, o Fuero Real incorpora-as num contexto mais amplo e variado, onde se englobam tópicos que no Fuero Juzgo são abordados de forma mais rigorosa em livros específicos. Tal, por si só, não implica que o levantamento e a exposição dos temas no Fuero Real sejam menos compreensivos e aprofundados no Fuero Juzgo. Em alguns casos, apesar de estas matérias se reduzirem a um menor número de títulos específicos no Fuero Real, estes detêm uma abordagem diferenciada sobre certas matérias quando comparados com que o código de Fernando III. Em contrapartida, o Fuero Juzgo aborda certos tópicos que estão ausentes no Fuero Real, entre os quais se destaca o divórcio.

Este capítulo irá focar-se, em primeiro lugar, na legislação afeta ao processo matrimonial, onde se inclui a oferta das arras, o período de noivado e as bodas, o consentimento paterno ou ausência dele, entre outros. As matérias que iremos analisar nesta primeira parte encontram-se no livro III do Fuero Juzgo, sobretudo no título I, mas também em algumas passagens do título II e III. No Fuero Real, por outro lado, encontram-se no livro III, com dois títulos dedicados inteiramente a estas realidades, o I e o II. Terminada esta parte, abordaremos mais sucintamente a questão das ganancias do casal e da sua incorporação ou não no património conjunto dos cônjuges. Estas questões são desenvolvidas de melhor forma no Fuero Real, que lhes dedica um título inteiro, o III do livro III. No Fuero Juzgo estes itens são regulados dentro da esfera das doações, com um menor desenvolvimento comparativamente àquilo que se verifica no Fuero Real, encontrando-se no livro V, concretamente no título II.

A regulação do casamento no Fuero Juzgo

O FJ64 inaugura o livro III, intitulado De las bodas, com uma lei ligada inequivocamente ao antigo Liber Iudiciorum, que, como já pude mencionar anteriormente, inaugura o fim da dualidade legislativa no reino visigodo, pois a legislação abrangia agora tanto a população goda como a hispano-romana, cujo esforço remontava, pelo menos, até

64 Daqui em diante passarei a mencionar o Fuero Juzgo de FJ.

Leovigildo e ao seu Codex revisus, aquando da revogação da proibição do casamento entre os dois grupos populacionais65. No FJ, contudo, a proibição aparece atribuída a Recesvinto. De qualquer maneira, esta lei surge, julgo, num ato de integração e de promoção da unidade populacional do reino visigodo, de forma que se deixassem de fomentar divisões entre os dois grupos, algo que fora conservado pelos diferentes códigos legais anteriores destinados tanto à população goda como à hispano-romana. Neste sentido, o preâmbulo da lei indica não existirem quaisquer irregularidades nas relações mistas, pois ambas eram agora consideradas “iguales por dignidat, é por linage”, e cujo conteúdo legal passaria a “valer siempre"66. Ao permitir o casamento entre godos e hispano-romanos, o Liber promovia, dando seguimento à ideia de unidade legislativa, a existência de um código único para ambos os grupos, deixando de existir qualquer tipo de distinção e proibição legal consoante as origens étnicas dos indivíduos, conferindo-se, por sua vez, uma maior liberdade na escolha dos parceiros sexuais, legalizando também a miscigenação sem qualquer tipo de restrição. É possível que se pretendesse, para além disso, fomentar economicamente tanto a aristocracia goda como hispano-romana. A transposição desta lei do Liber para o FJ, a meu ver, é das que menor impacto terá tido no contexto legal da época pois não tem impacto direto nas populações do século XIII. É possível que Fernando III tenha procurado a sua aplicação às minorias onde o FJ foi aplicado, mas nada aponta nesse sentido. No entanto, não se observa a transposição da primeira lei do livro III do Liber Iudiciorum, a meu ver, mais importante para a análise das matérias familiares, esta que consagra a doutrina ne sine dote coniugium fiat, onde se declara, para além disso, que nenhum casamento poderia ser feito sem a existência de um dote, tornando o mesmo um requisito legal. Merêa considera que esta lei visigoda denotava a importância que o dote tinha no direito visigótico, algo relacionado diretamente com a influência canónica presente neste código legal. Esta doutrina, sugere Merêa, contribuía para a importância e solenidade do dote, afastando assim a presunção de concubinagem, natural aquando da inexistência de uma contribuição dotal, embora o dote não representasse uma circunstância essencial para a validade do matrimónio, e, mesmo assim, apesar deste fator, a sua omissão era vista como imprópria. O dote conferia ao casamento a qualidade de coniugium nobile, designação que parece ser atribuída à forma e natureza do casamento, e não à categoria social dos nubentes. Esta mesma lei aconselha, revelando a influência romana neste código, que a constituição dotal fosse

65 Luís A. García Moreno, Historia de España Visigoda. (Madrid: Cátedra, 1989): 127-8

66 Fuero Juzgo ó Recopilacion de las Leyes de los Wisigodos Españoles. III, I, 1.

feita por meio de escritura, costume proveniente do Baixo Império67. É possível que a não inclusão desta lei no futuro FJ se deva à sua tradição da prática dotal, pretendendo-se, em contrapartida, regular a mesma, por exemplo, com a introdução da “lei do ósculo”, inexistente no material original, e que pode indicar o desenvolvimento das práticas matrimoniais desde o século VII na P.I. Por outro lado, as práticas do dos presentes no Liber Iudiciorum e mais tarde no Fuero Juzgo remontavam aos costumes germânicos do dote ex marito e à instituição tardo-romana da donatio ante nuptias, no qual se assegurava a livre utilização e disposição dos bens nele contidos à mulher que o recebia, o que levava a uma maior valorização das negociações precedentes. A donatio propter nuptias romana assumirá o nome de arras na P. Ibérica68.

O casamento no FJ manteve-se, baseando-se na assimilação mútua de costumes romanos e germânicos, como também através da progressiva influência cristã69, uma questão contratual entre duas famílias e dispunha de três fases constituintes: a petitio, de natureza formal e que surgia do interesse do futuro marido ou da sua família e que resultava na discussão, se recebido favoravelmente, dos acordos financeiros a estabelecer entre ambas as famílias dos nubentes, entre eles, aquilo que seria entregue em arras pelo marido, ou pelo pai deste, à futura mulher para o sustento da mesma. Tal fica explícito numa das leis, que descreve a necessidade de um homem-livre falar, antes de mais, com os pais da rapariga com que queria casar70. Concluídos os acordos, o casamento procedia à próxima fase, a desponsatio, onde se criavam as obrigações legais do casamento, pois esta assumia a forma de contrato vinculativo entre as partes, sendo vedada a retirada unilateral de uma delas desde que a outra não tivesse cometido nenhuma ofensa que justificasse o repúdio, criando-se uma relação de direitos e de deveres no casamento, como resultado da influência eclesiástica. Iniciavam-se, simultaneamente, os esponsais.

A terceira e última fase, as nuptiae, não nos é explicitamente descrita no FJ, tal como não era na legislação romana, mas pode deduzir-se que se assegurava a celebração do

67 Paulo Merêa, Evolução dos Regimes Matrimoniais. (Coimbra: França & Arménio, 1913): 106-7

68 Paulo Merêa, Estudos de Direito Visigótico. (Coimbra: Universidade de Coimbra, 1948): 23-4; P.D.

King, Law and Society in the Visigothic Kindgom, 225.; Marilyn Stone, Marriage and Friendship in Medieval Spain. (Nova Iorque, Berna, Frankfurt e Paris: Peter Lang, 1990): 54

69 Suzanne Fonay Wemple. “Las mujeres entre finales del siglo V y finales del siglo X.” em Historia de las mujeres: La Edad Media, dirigido por Georges Duby e Michelle Perrot.; Jaime Eyzaguirre, Historia del Derecho. (Chile: Editorial Universitaria, 1967): 54

70 FJ, III, II, 8.

casamento, numa outra data, com a posterior entrega cerimonial da noiva na casa do noivo, o deductio in donum romano ou o heimführung germânico71.

Posto isto, é apropriado dar conta daquilo que era a patria potestas romana que não se irá eclipsar totalmente no código de leis visigodo, como veremos. O poder dos pais sobre os filhos, no FJ, recolhia muito do seu conteúdo da patria potestas romana. O poder do pai sobre a sua família denominava-se de gubernatio, potestas, tuitio e tutela, sendo reconhecido a ambas as figuras o direito de castigar e corrigir os seus filhos. A potestas não era exclusiva ao pai, pertencendo também à mãe. A sua sobrevivência no FJ resultou em certas modificações na definição das esferas legais e patrimoniais. Neste sentido, a fonte de autoridade da patria potestas residia no grupo familiar e no papel orientador do pai, concentrando-se, sobretudo, nos princípios que regiam as relações entre pais e filhos, estabelecendo o pai não como proprietário, mas sim como administrador dos bens da família. Finalmente, a patria potestas regia as respetivas regras relativas às questões matrimoniais e ao poder de decisão detido pela figura paterna e materna72.

Regressemos ao FJ e à petitio para abordar a questão das arras. Como vimos, esta fase culminava na discussão dos acordos financeiros entre ambas as famílias. Estes acordos, eram regulados legalmente, existindo certos parâmetros a seguir no que diz respeito às quantias que podiam ser dadas em arras, existindo, inclusive, a distinção entre os mais abastados, nos quais se inseria a nobreza goda e os membros da corte, e aqueles com menos posses, existindo, com certeza, uma transposição desta lei para hierarquias sociais castelhano-leonesas do século XIII. Era também possível ser o pai do rapaz a proceder à petitio, retirando da herança do filho a quantia a ser entregue em arras, após discussão com a família da rapariga. Neste sentido, estabelece-se que o noivo, ou o seu pai, não podia dar por arras mais que a décima parte do seu património ou da herança do filho, respetivamente, independentemente de ela “obiese estado moyér dotre, si quier vírgen sea, si quier vioda”, património este que era entregue à noiva e que lhe pertencia até à sua morte, ficando com tutela do mesmo caso não houvesse filhos da união. Se esta morresse sem testamento, o património regressava ao noivo ou aos seus familiares mais próximos, nunca à família da mulher. Para além disso, aos membros da nobreza goda e da corte era

71 P.D. King, Law and Society in the Visigothic Kindgom, 224-7.

72 Manuel Torres e Ramón Prieto Bances. “Instituciones económicas, sociales y politicoadmnistrativas de la península hispánica durante los siglos V, VI y VII.” em Historia de España: España Visigoda (414-711 de J. C.), dirigida por Ramón Menéndez Pidal, 241-2.; Manuel Vial-Dumas. “Parents, Children and Law:

Patria Potestas and Emancipation in the Christian Mediterranean during Late Antiquity and the Early Middle Ages” Journal of Family History, 39 (2014): 315-8.

imposta uma doação de “diez mancebos, é diez mancebas, é veinte caballos: é en Duenas tanto quanto debes er asmado que vala mil soldos”73. Este valor não devia ser excedido nem exigido pela noiva ou pela sua família. Não obstante, se a noiva assim quisesse, podia dar ao noivo tanto quanto este lhe dera, remetendo às leis romanas. Caso a vontade do marido em dar mais por arras fosse prometida por escrito ou juramento, este podia recuar na sua vontade e não seria obrigado a dá-lo; contudo, se fosse obrigado a fazê-lo, por medo ou negligência, era permitido aos pais, assim que o soubessem, exigir tudo o que excedesse o valor das arras. Estes valores eram os aplicados, como vimos, aos homens da corte e da nobreza goda. A legislação acompanhava aqueles que tinham menos posses, não lhes colocando um grande fardo económico em cima. Assim, a lei indica um valor base que podia ser concedido em arras de acordo com o património do noivo: se o seu património tivesse um valor de dez mil soldos, deveria entregar à noiva mil soldos por arras; aquele que tivesse um património de mil soldos deveria dar por arras à noiva património no valor de cem soldos74, sendo permitido dar por arras qualquer coisa que fosse propriedade individual ou que tivesse sido ganha legalmente ou ao serviço de alguém, adquirindo validade legal desde que houvesse um testemunho por escrito que indicasse a sua entrega como tal, tornando-se, assim, “firme en todas maneras”75. Relativamente à transmissão patrimonial das arras, se a mulher tivesse filhos de dois ou mais maridos, apenas podia deixar por herança aos filhos aquilo que se recebera de cada um dos pais. Deste modo, evitava-se a associação do património e o benefício de uma linhagem em detrimento de outra76. Uma das leis do Livro V também nos elucida sobre as doações feitas nas arras, para além das arras em si, na qual se estabelece que a mulher tinha direito a tudo o que fora incluído nessa doação até ao dia da sua morte, tendo a possibilidade de gastar tanto quanto quisesse segundo o acordado durante o período de esponsálias, mesmo que nascessem filhos do casamento; por outro lado, a mulher podia utilizar somente aquilo que correspondesse à quinta parte da doação. Quando morresse, estes bens passavam para os seus filhos. Se não houvesse filhos desse marido, a doação passaria na sua totalidade para a mão da mulher; todavia, se esta morresse sem testamento

73 A bibliografia sugere que esta entrega de património adicional aponta para vestígios da sobrevivência do morgengabe. Todavia, eu não vejo isto como um indicador de tal, mas sim como um regulador social, pois quem detinha mais posses devia oferecer mais por arras, enquanto os menos abastados tinham um teto máximo, tanto que esse património, caso o casal tivesse filhos devia passar para eles, assegurando-lhes também uma certa regularidade económica e patrimonial que lhes permitia manter o nível social.

74 FJ, III, I, 6.

75 FJ, III, I, 10.

76 FJ, IV, IV, 2.

e o marido estivesse vivo, a doação regressava a este ou à sua família se este tivesse falecido. E o mesmo se aplicaria àquilo dado pelas mulheres aos maridos aquando do noivado. A lei fazia a distinção entre aquilo que devia ser dado em arras e as doações feitas à mulher separadas das arras, pois como estava indicado “Si la moyer recebir alguna donacion de so marido en ás arras (…)”. Esta lei refere que, ao passo que daquilo que era dado por arras a mulher tinha incondicional controlo, da doação externa dada com as arras esta via-se limitada na utilização do património doado e naquilo que podia gastar, sendo esse valor acordado durante os esponsais77. O casal podia fazer doações entre si, após o casamento, desde que tivesse passado um ano desde o matrimónio, não lhes sendo permitido dar mais do que aquilo que tinham dado por arras78. Estas doações, de caráter comum, seguiam o mesmo processo no que respeitava à transmissibilidade do património, instruindo-se a mulher a não praticar o adultério e manter a castidade, ou, se quisesse casar, a fazê-lo de forma legal, para que da doação pudesse fazer o que quisesse79. Finalmente, toda e qualquer doação devia ser acompanhada de uma escritura e devia ser testemunhada pelo menos por três pessoas80.

O consentimento e a vontade paterna eram a base do matrimónio visigodo, aludindo à patria potestas romana. Assim, se a filha fosse prometida pelo pai a casar com um homem, não lhe era permitido casar com outro senão ao que fora prometida. Porém, ela podia fazê-lo, contra o desejo do seu pai. A pena era severa, face à desonra provocada à figura paternal. Se tal acontecesse, tanto a filha como o segundo homem deviam ser postos no poder do noivo, o que alude à servidão dos dois ou à servidão do segundo homem e conservação da promessa matrimonial. A necessidade do consentimento paterno era tão importante que nada o podia substituir, pois, como uma das leis nos diz, se a filha tivesse a permissão da mãe, dos seus irmãos ou de qualquer parente para se juntar ao segundo homem, esta de nada valeria, sendo estes obrigados a pagar uma libra de ouro a quem o rei ordenasse e, para além disso, ambos os indivíduos deviam ser postos no poder do noivo prometido, com todos os seus bens. Se o casamento já tivesse sido acordado e as arras entregues à esposa, caso o pai falecesse antes da conclusão do casamento, ou seja, antes de se fazerem as bodas, a sua vontade ou a da mãe, devia prevalecer81. Todas estas circunstâncias ocorriam após as duas partes chegarem a acordo.

77 FJ, V, II, 4.

78 FJ, III, I, 6.

79 FJ, V, II, 5.

80 FJ, V, II, 7.

81 FJ, III, I, 2.

Qual era o procedimento se este processo não estivesse em andamento e a rapariga mesmo assim casasse? Como já foi mencionado, um homem-livre deveria primeiro falar com os pais da rapariga e, caso chegasse a acordo com estes, deveria entregar as arras aos pais.

Seria a partir desta entrega que se passava à fase do noivado. No entanto, se não conseguisse chegar a esse acordo, a rapariga deveria permanecer no poder dos pais. Se ela, mesmo assim, casasse com esse homem contra a vontade dos pais, estes poderiam escolher entre tolerar o matrimónio ou recusar-lhe qualquer validade legal, pois a filha não ficava emancipada do poder paternal82, o que condenava as suas aspirações de receber a sua herança, punição esta que era transmissível para os seus filhos. Ainda assim, os pais poderiam oferecer património e bens à filha, se o quisessem fazer, e tal seria válido legalmente, tendo a filha a liberdade de dispor desses bens. Esta lei revela a necessidade de tanto o pai e a mãe consentirem o casamento da filha: “é si éla casar sen voluntad del padre ó de la madre” 83, o que revela, por si só, que a mãe era ouvida quando se tratava do casamento das suas filhas, ainda que, de acordo com outras leis, a vontade do pai se superiorizasse na instância do matrimónio ir em frente, pois a promessa era feita pela figura paterna e ir contra a mesma desonraria a família.

A importância exclusiva do consentimento materno era visível apenas após o falecimento do pai. Nestas circunstâncias, seria a sua vontade que substituía a da figura paterna, tanto no dever de exigir as arras das filhas e de as guardar, algo feito em conjunto com o pai se este fosse vivo84, mas também de poder casar os seus filhos e filhas, tornando-se a chefe da família até à maioridade dos filhos85. Aquando da morte destas duas figuras, ou se a mãe casasse com outro homem, a potestas passava a ser potestas de coniunctione86 e o destino matrimonial, de uma rapariga ficava na mão dos seus irmãos ou de um tio, se os irmãos não tivessem a maioridade87, nunca de outra figura feminina senão a mãe. As arras deviam ser entregues unicamente à filha, ao contrário daquilo que acontecia anteriormente88. Se surgisse algum pretendente, a decisão não era unilateral, pois a consulta e o consentimento de outros parentes era necessária para determinar se o pretendente seria aceite ou rejeitado. No caso dos filhos, se fossem de idade cumprida,

82 Paulo Merêa, Estudos de Direito Visigótico, 166.

83 FJ, III, II, 8.

84 FJ, III, I, 7.

85 FJ, III, I, 8.

86 P.D. King, Law and Society in the Visigothic Kindgom, 229.

87 FJ, III, I, 8.

88 FJ, III, I, 7.

alcançada normalmente aos 14 anos89, e os pais tivessem falecido, estes podiam rejeitar essa consulta e casar sem o consentimento familiar90, tendo rédea total das suas decisões matrimoniais. Na ocasião dos irmãos deterem a potestas de coniunctione e sendo maiores de idade, concediam-se certas proteções à figura feminina no que respeita o envolvimento dos irmãos no seu matrimónio. O FJ argumenta que seria possível os irmãos adiarem o casamento da irmã ao ponto de ela querer casar de sua vontade, o que levaria à sua exclusão da herança deixada pelo pai. Se tal acontecesse, assim que a irmã constatasse a má-fé dos irmãos, ao lhe ser negado o casamento três vezes, podia procurar “casaménto con razon”, e não perderia qualquer direito de receber a sua herança. Todavia, se os irmãos justificassem o adiamento sob o pretexto de encontrar um pretendente merecedor da irmã, e esta mesma assim casasse, “non catando so ondra”, com um homem de menor estatuto, esta perderia tudo o que herdaria dos seus pais, tendo direito, ainda assim, a herdar dos seus irmãos, irmãs ou qualquer outro parente91. Surgia, por outro lado, a possibilidade de os irmãos consentirem que as irmãs fossem levadas por força ou até mesmo que as entregassem eles mesmos sem o consentimento dela. Se o pai destes fosse vivo, toda a pena do captor recaía para os irmãos; se o pai tivesse morrido e o fizessem, estando a irmã sob a sua potestas de coniunctione, “élos que la deben honrar” perderiam todo o seu património, que passava para a irmã, e deveriam ser açoitados, com o forçador/violador a tornar-se servo da irmã92. Finalmente, se o pai, como vassalo, servisse um senhor93, e falecesse, a sua filha, não existindo nem filhos nem figura materna, ainda que a lei não seja explícita quanto à segunda, ficaria na guarda desse senhor, transmitindo-se a ele a potestas. Nesse sentido, era este que ficaria com o dever de a casar, especificamente com um homem de igual condição, e a filha receberia tudo quanto dera o senhor ao seu pai ou à sua mãe. Se ocorresse o contrário, e a filha cassasse contra a vontade do senhor, semelhante ao que se passava caso não respeitasse a vontade do pai ou dos irmãos, então, nesse caso, perderia tudo o que fora dado aos seus pais94. A mulher nunca tinha controlo total sobre a sua liberdade sexual enquanto os pais fossem vivos.

Era-lhe concedida a possibilidade de casar com indivíduos que não eram do agrado dos pais, mas via-se penalizada por tal, perdendo qualquer poder reivindicativo da sua

89 Paulo Merêa, Estudos de Direito Visigótico, 9.

90 FJ, III, I, 8.

91 FJ, III, I, 9.

92 FJ, III, II, 4.

93 Na bibliografia estes são apelidados de patronos, ao passo que a legislação os intitula de Señores ou padron. Os vassalos, por outro lado, são denominados de buccellarii na bibliografia.

94 FJ, V, III, 1.