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CAPÍTULO I Família, Intervenções do Estado e o Trabalho Social na Proteção Social

1.4 A atuação do Serviço Social com as famílias

Os serviços de atenção à família confundem-se com a própria história do Serviço Social, já que os Assistentes são os profissionais que tem a família como foco de intervenção durante toda a sua trajetória (Mioto, 2004). Longe da confusão que muitas vezes é feita, Serviço Social não deve ser confundido com Assistência Social, pois, embora desde o início de sua trajetória profissional, os assistentes venham atuando no desenvolvimento de ações socioassistenciais, sua atuação se estende às várias políticas como as de saúde, educação, habitação e trabalho (Conselho Federal de Serviço Social [CFESS], 2007). Ou seja, a profissão não deve ser confundida com a política.

Inicialmente, o Serviço Social atuava buscando o ajustamento dos indivíduos e sua normatização, a prática era assistencialista, caritativa e, no âmbito da saúde, por exemplo, sua atuação era ligada à figura do médico. Foi entre os anos de 1960 a 1975 com a reconceituação do Serviço Social da América Latina que o modelo tradicional foi questionado. No Brasil, essa mudança se deu por volta do final da década de 1980 e início dos anos de 1990, trazendo reformulações teóricas e metodológicas da profissão (Santos, Lanza & Carvalho, 2011).

Apesar disso, a sociedade parece ainda ter uma representação do Assistente Social como uma profissão vinculada às mulheres, aos sentimentos de fraternidade para o exercício da profissão, como algo de uma ordem “inata” para atuar nesse campo e com as pessoas em situação de vulnerabilidade. O que parece estar associado com o fato dos usuários dos serviços, os empregadores e mesmo os próprios profissionais representarem a profissão como realizada pelo profissional de ajuda, ainda arraigado em um modelo caritativo (Mota, 2011).

Ainda seguindo o exemplo da saúde, pode-se dizer que atualmente o papel do Assistente Social é o de acompanhar e orientar tanto os pacientes quanto sua família, para tanto, deve ser realizada uma análise da realidade social desses sujeitos, trabalhando as relações, fortalecendo os vínculos que se fragilizam no processo de doenças, principalmente,

nas situações com risco alto para a vida do paciente. Além da saúde física, é preciso cuidar dos aspectos socioeconômicos, pois recursos são necessários para o tratamento e o Assistente pode auxiliar na efetivação desse direito, para isso, deve ter uma atuação baseada teórica e metodologicamente para efetivar a cidadania (Centenaro, 2010). Ou seja, a proposta é de que a atuação passe da perspectiva de atuação de um modelo assistencialista – ou mesmo higienista – para o da garantia dos direitos.

Mesmo com essas mudanças, do engajamento político e ideológico do Serviço Social e da crença dos profissionais na transformação social, uma fragilidade da profissão reside na própria formação e na compreensão teórica e técnica, que parece ainda estar desarticulada diante da distância entre teoria e realidade, dificultando a elaboração de outros caminhos (e fazeres) para o trabalho desse profissional (Mota, 2011).

Apesar dessas reformulações e transformações, Mioto (2004) destaca que a atuação do Serviço Social deixa a desejar quando se trata das exigências que o trabalho com a família exige, pois a capacitação para tal parece ocorrer, na maioria dos casos, dentro dos próprios serviços e são mais voltadas para o aprendizado de certas tecnologias, mas não para discutir sobre a família enquanto foco de intervenção e quando há, é sob a lógica dos serviços e não da família.

Sobre o próprio processo de formação continuada (pós-graduação), Mota (2011) constata que as próprias condições de trabalho e salariais estão refletindo nisso, diante dos baixos salários, dos vínculos trabalhistas fragilizadas e da flexibilização dos direitos trabalhistas. Diante desse quadro, em sua pesquisa identificou um baixo percentual de profissionais que deram continuidade ao seu processo de formação, algo em torno de 30% dos entrevistados.

Campos e Garcia (2007) corroboram com essa questão ao considerar que, apesar do PAIF ser bem formulado, um de seus problemas diz respeito aos Recursos Humanos,

principalmente pela baixa remuneração e precarização dos vínculos trabalhistas, o que acarreta na descontinuidade e rotatividade nos serviços, demandando ainda a necessidade de buscar outras fontes de renda. Essa descontinuidade acarretaria na necessidade de ofertar treinamento básico constante já que se recomenda nas diretrizes e orientações do MDS (2012; 2013) que os profissionais sejam capacitados para os serviços. Além da inicial, os profissionais devem manter-se atualizados através de capacitação técnica continuada sobre o trabalho com famílias.

Para Sarti (2004), na pesquisa sobre a família como ordem simbólica e sobre o papel do jovem na família, o trabalho com as famílias deve se apoiar na contínua indagação sobre o que se apresenta como conflito para a própria família, buscando escutar e valorizar seu saber e não apenas instituindo o saber externo do profissional, o que acaba desqualificando sua atuação e resultando em uma negação dos discursos das famílias, qualificados como um “não- saber” e isso será mais forte quanto mais pobre for a família assistida.

Guimarães (1996, citado por Mioto, 62004) realizou uma análise do discurso dos assistentes sociais no exercício de sua profissão, que organizou em quatro construções discursivas:

A primeira, denominada de pré-construída, refere-se ao discurso pautado na suposição do senso comum. A segunda, que é a linha de pensamento umbilicado, caracteriza-se pela permanência de um pensamento pré- estabelecido do início ao final da intervenção. A terceira, que a autora chamou de kit-discurso, considera que o assistente social realiza a sua prática a partir dos dois procedimentos anteriores, tornando a intervenção um ato altamente mecânico. Finalmente, a quarta construção discursiva se caracteriza pela

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dicotomia entre ação e fala. Ao discursarem sobre suas respectivas práticas, os assistentes sociais apresentam uma tal distância entre ação e fala que muitas vezes elas se apresentam como contraditórias, sem que geralmente as contradições sejam percebidas (p. 5).

Diante disso, Mioto (2004) constatou que a atuação dos Assistentes Sociais com as famílias vinha sendo feita no senso comum sem o devido conhecimento das matrizes teóricas as quais está atrelada, denotando pouca clareza metodológica. O que leva – conseqüentemente – à “psicologização” dos problemas sociais. Isso se deveria a não consideração dos espaços de articulação, proposição e avaliação das políticas e serviços de intervenção na área da família. Em estudo sobre a família como foco dos programas sociais, Campos e Garcia (2007) destacam que, apesar das crescentes mudanças na concepção sobre a intervenção com famílias, o trabalho com elas é, em geral, realizado através do senso comum, o que ainda expressa uma carência de fundamentos teóricos e conceituais para subsidiar as intervenções.

Mesmo com os avanços legais no que tange aos direitos sociais, há uma dissociação entre os discursos da prática, sendo o assistencialismo ainda recorrente (Costa & Cardoso, 2010). Ou seja, mesmo com as reformulações, reformatações e recomendações na política como a Tipificação dos Serviços Socioassistenciais em 2009, as Orientações para o Trabalho Social com as Famílias no PAIF de 2012 e a Reimpressão da Tipificação em 2013, isso ainda vem sendo recorrente.

Segundo Gueiros (2010), diante da não efetividade dessas intervenções, a população passa a ter descrença nos serviços e na aceitação dessa atuação na perspectiva dos direitos. Por isso, considera que o trabalho com as famílias deve ser devidamente planejado e as demandas devem ser contextualizadas para a elaboração de estratégias para o enfrentamento das situações de vulnerabilidade.

No âmbito do CRAS, as atribuições e procedimentos que competem aos Assistentes Sociais no trabalho com as famílias, podem-se destacar: a realização de pesquisas para identificação das demandas; a atuação de modo a favorecer a participação social dos (as) usuários (as); realização de reuniões e estudos contínuos sobre a realidade de sua atuação para realizar um planejamento coletivo das ações, junto com a equipe do CRAS; socialização das informações sobre os direitos socioassistenciais e sobre o papel do Estado na implementação destes; realização de atendimentos individuais e coletivos; visitas domiciliares; elaboração de projetos que favoreçam o exercício do protagonismo dos (as) usuários (as); e é de exclusividade do Assistente Social a realização de perícias, laudos e pareceres para o acesso e implementação da política de Assistência Social (CFESS, 2007).

Para efetivar essas atribuições, demanda-se do profissional de Serviço Social uma compreensão crítica dos processos sociais que perpassam as relações, uma constante análise das transformações históricas da sociedade, compreensão do seu papel e do significado de sua profissão, bem com a constante identificação das necessidades presentes na sociedade para que seja possível a formulação de respostas para o enfrentamento das questões (CFESS, 2007).

Apesar da orientação para que seja realizado um trabalho interdisciplinar entre os profissionais de Serviço Social e os de Psicologia (CFESS, 2007), Andrade e Romagnoli (2010), destacam que os atendimentos demandados ao CRAS vêm sendo direcionados aos seus respectivos profissionais, estabelecendo-se relações dominantes e atuações fragmentadas, associando-se saúde/doença mentais à Psicologia e as dificuldades socioeconômicas aos Assistentes sociais. Já no que concerne aos atendimentos, atividades burocráticas e acolhimentos dos usuários, verifica-se que esta se dá da mesma maneira pela equipe do CRAS.