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CAPÍTULO II Relação entre Saber, Poder e Modos de Subjetivação

2.3 Processos (modos) de Subjetivação

Os processos de subjetivação (modos de subjetivação) são justamente os jogos das técnicas de governamentalidade, onde a relação do sujeito consigo mesmo – o governo de si – e com o outro vai permitindo aos seres humanos irem se constituindo como sujeitos de sua própria existência através do poder que é investido (Revel, 2005). Esse cuidar de si está relacionado ao exercício do poder e, nesse sentido, isso revela-se como algo que causa tensão, já que exige do sujeito uma vigilância constante de seu eu, para que não se percam suas representações construídas a partir de suas vivências (Foucault, 1982/2011).

Os modos de subjetivação podem ter diferentes configurações e, assim, interferem de modo a produzir diversas e distintas formas de vida e de organização social até mesmo porque sofrem diversas transformações no decorrer da história. Essa dimensão histórica é resgatada porque atravessa os modos de subjetivação, mas é feita análise do presente e das

possibilidades de transformação. Logo, descarta-se um caráter universal das coisas (Mansano, 2009).

Esse poder se exerce por meio da produção, circulação e funcionamento dos discursos, já que esse poder está relacionado à busca pela verdade, considerada como lei. O discurso verdadeiro é responsável pela produção dos efeitos do poder à medida que os sujeitos são julgados e classificados, pois eles carregam efeitos de poder. Ou seja, o poder não é simplesmente algo que está no nível interno, mas no externo, sendo composto de intenções revestidas de práticas reais e, para isso, deve-se tentar compreender como o poder funciona, não apenas o que é ou quem o detém, mas como a circulação desse poder controla os corpos ou rege os comportamentos (Foucault, 1979/2007).

Diante desses jogos de poder que são investidos no outro e em si mesmo, os sujeitos vão sendo produzidos e diante das problemáticas envolvidas e as lutas políticas são destacadas por Foucault como necessárias nesse presente para resistir às formas de dominação, exploração, sujeição, submissão e mesmo às formas de subjetivação. São lutas que colocam em evidência os modos de subjetivação e ao mesmo tempo as possibilidades de resistência e esse resistir se torna uma ação política, na medida em que novas formas de vida são criadas, distanciando-se das regras colocadas como universais e obrigatórias que gestam nossa vida, comportamentos e condutas (Mansano, 2009).

A resistência para Foucault se dá nas próprias relações de poder, pois ao mesmo tempo em que funda essas relações, também é produto dessas. Como as relações de poder estão em todos os lugares, a resistência permite criar espaços de lutas e transformações por todas as partes também, ou seja, estão na lógica da “... estratégia e tática: cada movimento de um serve de ponto de apoio para uma contra-ofensiva do outro” (Revel, 2005, p. 75). Mais uma vez trazendo à tona a questão do poder como algo que circula entre os sujeitos.

Associada à resistência, aos dispositivos e aos próprios processos de subjetivação está o que se pode chamar de experiência, que permite ver o processo da constituição histórica dos discursos, das práticas e relações de poder que estão por trás, bem como das subjetividades e, assim, a experiência sai dela mesma modificada, já que “arranca” o sujeito dele mesmo, fragmentando-o, dissolvendo-o e transformando-o. A experiência é algo que nasce “solitariamente”, mas que se torna verdadeira somente quando os outros podem atravessá-la. Nesse sentido, pode-se dizer que o próprio pensamento filosófico de Foucault é considerado verdadeiramente como uma experimentação (Revel, 2005).

É por isso que o poder deve ser analisado como algo que está em circulação, que funciona em cadeia, em rede. Ele não é fixo, está sempre sendo transmitido. Logo, o poder não é aplicado aos indivíduos, o poder circula por eles, o indivíduo não é simplesmente submetido ao poder de outro, ele é um efeito desse poder, o poder vai constituindo-o e tornando-o também um centro de transmissão (Foucault, 1979/2007).

Foucault (1975/2010) fala ainda de um poder disciplinar, que é um poder que adestra os indivíduos, que os fabrica e toma os indivíduos tanto como objetos como instrumentos de seu exercício. Esse poder é que separa, submete, analisa e diferencia esses sujeitos. Esse poder disciplinar é exercido através de três instrumentos: o olhar hierárquico, a sanção normalizadora e o exame.

Pode-se exercer o poder quando o simples olhar tem a função coercitiva sobre aquele que é direcionado. É um olhar que exerce vigilância, fiscalização, a que nada escapa. Além do olhar, há no poder disciplinar um „mecanismo penal‟, que diz respeito à sanção normatizadora. Após esse olhar, os comportamentos são julgados e tornados penalizáveis, podem ser qualificados e reprimidos. Essa repressão pode ser entendida como um castigo disciplinar que tem a função de minimizar os desvios e o que foge ao pré-estabelecido. Como último instrumento de poder disciplinar está o exame, que combina o olhar hierárquico com a

sanção. É esse exame que vai permitir classificar os indivíduos e, se necessário, puni-los (Foucault, 1975/2010).

Essa forma de poder é que acaba por segregar e classificar os indivíduos, impondo- lhes uma lei de verdade e é esse tipo de poder que transforma os indivíduos em sujeitos. Logo, os discursos que são proferidos, usados e repetidos carregam uma verdade – do Estado, por exemplo – que transformam os sujeitos (Foucault, 1982/2011). Ou seja, “a materialidade do poder se exercendo sobre o próprio corpo dos indivíduos” (Foucault, 1979/2007, p. 82).

Não há verdade sem poder, ela é produzida justamente no poder a partir dos efeitos que esse produz, os negativos e os positivos. Cada sociedade tem suas verdades, os discursos que são acolhidos e que funcionam como verdadeiros. Ou seja, essa verdade é responsável pelo funcionamento dos enunciados. Mas, Foucault destaca que o poder não tem apenas a função negativa de reprimir, censurar ou excluir, mas tem também efeitos positivos ao ser pensado ao nível do desejo e do próprio saber, pois, o poder o produz (Foucault, 1979/2007).

Logo, pode-se entender que o cuidado de si é uma condição para que se tenha acesso a alguma verdade, sendo marcado pela presença do Outro que irá regular a existência do sujeito. Por isso, o cuidado de si deve ser compreendido como uma prática social, nem puramente individual nem coletiva, mas permeada por esses dois aspectos. Logo, faz o sujeito agir de acordo com o que convém, já que atua como um princípio regulador (Foucault, 1982/2011). Ou seja, é exercido um controle (social) sobre os indivíduos e através desse controle há uma economia do poder, já que o sujeito é modelado para gerir a sua própria existência e as análises dos modos de subjetivação são conduzidas justamente a partir da noção de controle, que difere da disciplina (poder disciplinar) que diz respeito à gestão dos indivíduos no espaço (Revel, 2005).

O controle social diz respeito a esse governo, tanto das populações quanto do governo das individualizações, não passando somente pela justiça, mas por outros poderes laterais

(Revel, 2005). Pode-se dizer que há pessoas que se ocupam da vida dos outros, de suas condições de saúde, alimentação e disso resultaram em instituições, saberes e profissões como os assistentes sociais, os psicólogos, os inspetores, que surgiram a partir da filantropia (Foucault, 1979/2007).

Os Processos (modos) de Subjetivação interessam como categoria de análise justamente por permitir compreender como essa verdade que tem permeado os discursos exerce poder na vida dos sujeitos, ou seja, como a subjetivação tem se constituído enquanto uma estratégia da Governamentalidade, um poder que tanto controla como permite controlar. Logo, permitirá compreender quem são esses sujeitos, tanto os profissionais participantes como o olhar deles sobre as famílias.