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CAPÍTULO II Relação entre Saber, Poder e Modos de Subjetivação

2.2 Governamentalidade

Adotar a categoria da Governamentalidade para a compreensão dos discursos proferidos sobre família fundamenta-se nas próprias reflexões de Foucault (1979/2007) a respeito das formas de governar, não se limitando apenas ao governo do Estado, já que vem se tratando de Políticas Públicas, não só de governar os outros, mas em um sentido mais amplo, tratando-se de um “governo de si e dos outros”. A história do exercício do governo é analisada por Foucault e ele reforça a existência anterior de três tipos de governo – a partir dos estudos de La Mothe Le Vayer – onde cada tipo de governo se refere a uma forma específica de ciência ou de reflexão. O governo de si mesmo, que corresponde à moral; a arte de governar uma família, que diz respeito à economia; e a ciência de bem governar o Estado, que diz respeito à política em si.

O modelo de governo baseado na família desaparece e essa instituição vai sendo concebida como um elemento no interior da população e torna-se segmento desta, um instrumento essencial para o governo na população, uma vez que, ao se desejar obter algo da

população é pela família que se deve buscar, a gestão se dá por meio da família (Foucault, 1979/2007). Logo, por Governamentalidade, pode-se entender:

1 − o conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e reflexões, cálculos e táticas que permitem exercer esta forma bastante específica e complexa de poder, que tem por alvo a população, por forma principal de saber a economia política e por instrumentos técnicos essenciais os dispositivos de segurança.

2 − a tendência que em todo o Ocidente conduziu incessantemente, durante muito tempo, à preeminência deste tipo de poder, que se pode chamar de governo, sobre todos os outros − soberania, disciplina, etc. − e levou ao desenvolvimento de uma série de aparelhos específicos de governo e de um conjunto de saberes.

3 − resultado do processo através do qual o Estado de justiça da Idade Média, que se tornou nos séculos XV e XVI Estado administrativo, foi pouco a pouco governamentalizado (Foucault, 1979/2007, p. 171).

Resumindo, a Governamentalidade pode então ser entendida como o conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e reflexões, cálculos e táticas que permitem exercer o poder sob a população, onde há uma primazia desse tipo de poder – no sentido de governo - sobre todos os outros (soberania, disciplina), devendo esse “governo” ser compreendido como para além do exercício do poder sobre os outros, mas também como um governo de si. Cabe destacar que os dispositivos podem ser entendidos como o conjunto de instituições, práticas, organizações, leis, enunciados, estabelecendo uma rede (articulação) entre esses elementos, e que tem a “função” de operacionalizar o poder (Revel, 2005).

No que concerne ao Estado, Foucault (1979/2007) considera que foi essa Governamentalidade que o permitiu sobreviver na atualidade, configurando-se como uma

técnica de governo, que se dá tanto de modo interior como exterior, definindo a cada momento o que compete ou não ao Estado, o que é de ordem pública ou privada. E é assim que o Estado pode ser compreendido, a partir de suas táticas de Governamentalidade, como instância de controle.

Cabe destacar que o poder é segmentado, os lugares são repartidos com vistas ao governo dos modos de vida, a partilha dessa divisão e localização do poder em diversos dispositivos: família, creches, escolas, lugares de trabalho e outros. Pode-se dizer que a sociedade governamentalizada é gerida tanto por agentes estatais como por não-estatais, intramuros e extramuros (Lemos, 2012). Ou seja, o poder não é, necessariamente, exercido de cima pra baixo – do Estado para o povo – mas, circula entre outros dispositivos, podendo ter várias direções (Paniago & Costa, 2009).

Pode-se dizer que a Governamentalidade ampliou o conceito de governo, não só de si (disciplinar), mas também do governo dos outros (totalidade), onde a regulação das condutas não fica no domínio apenas do Estado, como de outros dispositivos, mecanismos governamentalizados como os citados acima para gerir a vida e a população. A exemplo estão as práticas higienistas que visavam limpar (higienizar) a cidade, os pensamentos, os sentimentos, as casas, controle das vestimentas, práticas essas consideradas superadas, mas que ainda se encontram presentes na atualidade, continuam sendo reproduzidas por meio tanto da intervenção médica como militar, que podem ser considerados também como administradores do espaço coletivo e que interferem nos processos de subjetivação. Destaca- se ainda que a “produtividade com conformismo”, diante da obediência e docilidade, será alvo constante desse modo de vida e do poder disciplinar (Lemos, 2012).

Os mecanismos de poder são praticamente imperceptíveis, já que estão disfarçados como de uma ordem natural e que vão produzindo saberes, interferindo nos modos de vida e nas relações do sujeito consigo e com os outros. Como o poder atua como uma rede em

constante circulação e se reproduzindo, pode-se dizer que ele inclui e atinge todos (Paniago & Costa, 2009).

Essa categoria de análise tem um grande sentido diante dos objetivos propostos nesta dissertação e com os próprios participantes e serviço de atuação, já que por se tratar de uma política pública está relacionada ao governo do Estado e pode, inclusive, ser compreendido como uma dessas táticas de governamentalidade, pois os serviços e programas ofertados no CRAS são direcionados às famílias e que, para a arte de governar na atualidade, se configura como uma ferramenta essencial por parte do Estado. Dessa forma, a categoria Governamentalidade vai orientar as reflexões no sentido de compreender como a família vem se configurando nesse processo. Para tanto, além da Governamentalidade, far-se-á uso também da categoria processos de subjetivação, que contribuirá na compreensão de como os sujeitos se constituem, bem como o controle.