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A atuação do Poder Judiciário frente a judicialização da Saúde Suplementar

4. A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR E O IMPACTO DAS

4.1 A atuação do Poder Judiciário frente a judicialização da Saúde Suplementar

A Agência Nacional de Saúde Suplementar é autarquia competente para solucionar e decidir sobre possíveis descumprimentos de atos normativos pelas operadoras, portanto, as ações das operadoras de planos de saúde deveriam ser reguladas exclusivamente pela ANS. No entanto, muitas vezes, por entenderem que a ANS teria aplicado sanções desproporcionais e/ou injustas, sem oportunizar o exercício da ampla defesa e do contraditório, as empresas optam por acionar o Poder Judiciário.

As operadas acabam elegendo a via judicial como um caminho mais adequado e seguro. Ao acionarem o Poder Judiciário, as normas da ANS ainda deverão ser observadas, entretanto, caberá ao magistrado da causa analisar a ocorrência de eventual descumprimento, formar a sua convicção de acordo com as provas produzidas pelas partes e aplicar a sanção condizente com a infração verificada. O Poder Judiciário fazendo as vias do Poder Executivo.

Em que pese a busca das operadoras pela via judicial, o que de fato colabora para a massificação da judicialização da saúde suplementar são as demandas produzidas pelos consumidores. Diversas vezes, em contrariedade ao disposto nos contratos firmados, os consumidores recorrem ao Judiciário para obrigar as Operadoras à custearem procedimentos médicos não cobertos pelo plano de saúde contratado.

A maioria dos casos levados a juízo no tocante à saúde suplementar, correspondem a pedidos assistenciais que excedem os limites impostos no contrato, nas normas regulamentares da ANS, ou na legislação aplicada à matéria. Outro ponto é a alegação de defeito alegados pelos usuários na prestação de serviços efetivados pelas operadoras.

As operadoras de planos, no que diz respeito aos planos novos, estão obrigadas a adotar o rol de procedimentos editado pela ANS como cobertura mínima. No instante em que

43 os usuários ajuízam ações relacionadas às matérias de regulação específica da agência reguladora, um órgão da Administração Indireta, acabam por transferir a matéria regulada pelo Poder Executivo ao Poder Judiciário. Portanto, a judicialização envolve a transferência de poder para juízes e tribunais.

O princípio já comentado do exercício do direito de ação, previsto constitucionalmente, e a proliferação de informação sobre o tema saúde mesmo que de forma equivocada, contribuíram para o aumento significativo de ações judiciais contra a iniciativa privada.

Não são raras as situações em que os beneficiários de planos de saúde ingressam em juízo, contra a operadora, “com ação de obrigação de fazer, requerendo mais do que o previsto contratualmente ou do que é disposto na Lei nº 9.656/98”. Mesmo diante de restrição específica no tocante a coberturas inerentes aos contratos regulamentados sujeitos à regulamentação exarada pela ANS, sobretudo quanto aos limites previstos no rol de procedimentos elaborado pela agência reguladora, os consumidores buscam o Poder Judiciário para a efetivação da tutela que entendem devida pela operadora.

Assim, a precariedade da saúde pública no País, o descaso e incapacidade do Estado e a falta de recursos financeiros dos cidadãos acabam por sensibilizar o Judiciário, que por sua vez ignora as disposições contratuais, apegando-se aos ditames do Código de Defesa do Consumidor (CDC), agindo de forma protecionista, atribuindo única e exclusivamente às Operadoras a responsabilidade por proverem indiscriminadamente saúde à população.

4.1.1 A aplicação do Código de Defesa do Consumidor na saúde suplementar

Conforme esclarece Maria Stella Gregori47, a lei 9.656/98 não se limitou a normatizar a regulação econômica do mercado de saúde suplementar, mas também disciplinou aspectos de manutenção e qualidade das coberturas assistenciais, contemplando, assim, regras de proteção contratual dirigidas aos planos privados de assistência à saúde. Conforme aclara José Luiz Toro da Silva, o artigo 35-F da Lei 9.656/98 dispõe que se aplicam subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de planos de saúde as disposições do CDC, segue ilustrando:

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“Em se tratando de aplicação subsidiária, é vedado ao juiz impor às operadoras de planos de saúde obrigações outras senão àquelas expressamente previstas na Lei 9.656. Somente naquilo que a lei for omissa poderá se buscar a aplicação das regras do CDC. Não se trata, portanto, de uma aplicação cumulativa, mas, sim, subsidiária, pois deve ser observada a regra que diz que a lei especial revoga a lei de caráter geral. In casu, a Lei 9.656/98 é a lei especial, sendo que a aplicação do Código de Defesa do Consumidor – lei geral - só será admitida nas hipóteses da lacuna ou imprecisão da lei dos planos de saúde. Havendo incompatibilidade entre estas normas, deve ser aplicada a Lei nº 9.656/98.

(...) A questão da aplicação subsidiária do CDC é importante porque, muitas vezes, juízes, principalmente em sede de apreciação de pedido de liminar ou de tutela antecipada, estabelecem obrigações não previstas na legislação especializada, onerando excessivamente a operadora e, consequentemente, todos os seus beneficiários, pois assim agindo estão desnaturando a equação econômico-financeiro e os cálculos atuariais realizados ”48

José Luiz esclarece ainda que:

O juiz, ao determinar a cobertura de procedimentos não previstos não previstos na regulamentação, que podem representar gatos expressivos, pode estar condenando todos os demais beneficiários de determinada operadora que, em face do desequilíbrio econômico-financeiro decorrente, poderão ter que suportar uma revisão técnica ou a liquidação da própria operadora. Normalmente, essas liminares se valem dos princípios aplicáveis ao CDC, esquecendo-se de examinar a legislação específica, pois a aplicação subsidiária somente é possível nos casos de omissão ou lacuna na novel legislação. Lembre-se que a Lei 9.656 também possui princípios e características próprias, partindo de um conceito securitário, em que se encontra presente o mutualismo.49

A carência de um sistema de saúde eficiente enseja a adoção de medidas excepcionais, de modo a garantir o acesso à saúde. Porém, é necessário analisar a situação com razoabilidade. Não se pode permitir a inobservância desenfreada das disposições contidas nos contratos firmados, sob pena de se prejudicar o equilíbrio econômico-financeiro que deve nortear as relações envolvendo as operadoras e os consumidores.

48 Toro da Silva, José Luiz. Manual de Direito da Saúde Suplementar: a iniciativa privada e os planos de saúde.

São Paulo: M.A. Pontes Editora, 2005. p. 110 e 111.

49 Toro da Silva, José Luiz. Manual de Direito da Saúde Suplementar: a iniciativa privada e os planos de saúde.

45 Fato é que o fenômeno da judicialização consiste em uma consequência direta da inexistência e ineficiência de políticas públicas efetivas, da desvalorização dos direitos do indivíduo e da coletividade, da insuficiência de normas constitucionais que consagrem tais direitos. Tais fatores geram grande desequilíbrio e insegurança social, fomentam conflitos de toda ordem e transformam o Judiciário em instância de discussão dos mais diversos temas, o que certamente não ocorreria e, de fato, não se vê em sociedades mais justas, confiáveis e democráticas.

Recentemente o STJ editou a súmula 608 que dispõe: “Aplica-se o Código de Defesa

do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão. ” Consequentemente, a súmula 469 foi cancelada, a súmula 469 trazia que: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde. ”. A

Resolução Normativa 137, de 14 de novembro de 2006, da ANS, posteriormente editada pelas RN nº 148 de 2007, RN nº 272 de 2011 e RN nº 355 de 2014 define as entidades de autogestão em seu artigo 2º.

De forma resumida, podemos definir as entidades de autogestão como uma modalidade em que uma organização administra, isenta de lucratividade, a assistência à saúde dos seus beneficiários. Estão enquadrados neste segmento, os Planos de Saúde que têm em sua base, empregados ativos e aposentados, ou ainda as entidades associativas, previdenciárias e assistenciais. Além de ter um custo bem menor que as empresas que trabalham em ofertar planos de saúde para a população em geral, o modelo de autogestão neste segmento emprega menos recursos de todos os participantes e das empresas, de forma justa, visando, unicamente, o sustento do plano e atendimento aos seus participantes, com zero de encargos e sem ambicionar lucro no negócio, pois o intuito maior é servir aos seus beneficiários, sem vislumbrar e nem perseguir quaisquer tipos de vantagens, pois trata-se de entidade sem fins lucrativos.

Os contratos de planos de assistência médica deverão observar, valendo-se da aplicação subsidiária do CDC, princípios e normas como: a vulnerabilidade do consumidor; inversão do ônus da prova; princípio da vinculação da oferta; abusividade de cláusulas e contrato de adesão.

46 Os contratos de plano de saúde, em que pese a exceção relativa às entidades de autogestão, deverão, além de preencher os requisitos do art. 16 da Lei 9.656/9850, a sua função social, atendendo os princípios e normas do CDC que não conflitarem com a legislação especial.

4.1.2 A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) nº 1931

No dia 28 de março de 2014, foi publicada decisão do STF que acolheu embargos de declaração que questionaram o acórdão da liminar deferida pela Corte na ADI 1931, proposta pela CNS para questionar dispositivos da Lei 9.656/1998. O Tribunal esclareceu que continuam a depender de prévia anuência da ANS os reajustes de contratos firmados a partir dessa norma, com redação dada pela Medida Provisória (MP) 2.177/2001, não alcançando os contratos celebrados antes da edição da lei. O voto do relator, ministro Marco Aurélio, destaca que o parágrafo 2º do artigo 35-E da lei está entre os trechos que tiveram a eficácia suspensa pela decisão do STF, segundo o Ministro, o parágrafo poderia constituir dispositivo autônomo, uma vez que não guarda dependência lógica com o caput do preceito, mas sim com artigo diverso da Lei 9.656/98.

Segundo o ministro relator, o texto do dispositivo submete a modificação das prestações pecuniárias à aprovação da ANS, independentemente do momento de celebração

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Art. 16. Dos contratos, regulamentos ou condições gerais dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei devem constar dispositivos que indiquem com clareza: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

I - as condições de admissão; II - o início da vigência;

III - os períodos de carência para consultas, internações, procedimentos e exames; IV - as faixas etárias e os percentuais a que alude o caput do art. 15;

V - as condições de perda da qualidade de beneficiário; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

VI - os eventos cobertos e excluídos;

VII - o regime, ou tipo de contratação: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001) a) individual ou familiar; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

b) coletivo empresarial; ou (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001) c) coletivo por adesão; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

VIII - a franquia, os limites financeiros ou o percentual de co-participação do consumidor ou beneficiário, contratualmente previstos nas despesas com assistência médica, hospitalar e odontológica; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

IX - os bônus, os descontos ou os agravamentos da contraprestação pecuniária;

X - a área geográfica de abrangência; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001) XI - os critérios de reajuste e revisão das contraprestações pecuniárias.

XII - número de registro na ANS. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

Parágrafo único. A todo consumidor titular de plano individual ou familiar será obrigatoriamente entregue, quando de sua inscrição, cópia do contrato, do regulamento ou das condições gerais dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o, além de material explicativo que descreva, em linguagem simples e precisa, todas as suas características, direitos e obrigações. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

47 do contrato. Assim, o ministro concluiu pelo acolhimento dos embargos apresentados pela Presidência da República para assentar que a suspensão da eficácia no parágrafo deve se restringir à expressão “independente da data de sua celebração”, esclarecendo, assim, que a aprovação da ANS é válida aos contratos posteriores à edição da norma questionada na ADI. Com isso, o STF decide que regulamentação dos planos de saúde não atinge contratos celebrados antes da Lei 9.656/1998. Esta foi a primeira grande discussão envolvendo a regulamentação dos planos de saúde.

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