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Contratos de planos privados de assistência à saúde e o advento da Lei federal nº 9.656, de 03 de junho

3. DIREITO À SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

3.4 Contratos de planos privados de assistência à saúde e o advento da Lei federal nº 9.656, de 03 de junho

A Lei nº 9.656, de 03 de junho de 1998, é um dos principais marcos regulatórios do setor de saúde suplementar. Sua promulgação possibilitou mudanças estruturais profundas no setor. Antes da regulamentação do setor, havia a livre definição da cobertura assistencial, dos reajustes e de períodos de carências, contratos pouco claros, etc. Pode se dizer que o marco

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O gerenciamento da saúde no Brasil. In: Bayna, Fátima; Kasznar; Istvan. Saúde e previdência social: desafios para o terceiro milênio. São Paulo: Person Education, 2002. p.3.

32 Bahia, Lígia; Viana, Ana Luiza. Op. cit., p.11.

33 Gregori, Maria Stella. Planos de Saúde: A ótica da proteção do consumidor. São Paulo: RT. Pontes Editora,

33 regulatório do mercado de saúde suplementar é fato recente no ordenamento jurídico brasileiro. A normatização só existia para o setor de seguro-saúde, e mesmo assim apenas nos aspectos econômico-financeiros dessa atividade.

Antes do mercado de saúde suplementar estar subordinado a uma legislação específica, seus consumidores, encontravam suporte jurídico na legislação civil, em particular no Decreto-lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, que dispõe sobre o sistema nacional de seguros privados, e nas tratativas conciliatórias, passando, posteriormente, a dispor do Código de Defesa do Consumidor para a preservação de seus direitos, entretanto, a lei consumerista não tratava das peculiaridades que envolvem o setor saúde. A regra era o desequilíbrio contratual, com preponderância dos interesses de fornecedores sobre consumidores. Adalberto Pasqualotto explana que:

Ao instituir o seguro-saúde, o Dec. – lei 73 prescreveu o prazo de 120 dias para a sua regulamentação (art. 149), fato que nunca se concretizou, propiciando que entidades passassem a funcionar sem qualquer controle, muitas vezes prejudicando os segurados (..). A ausência de regulamentação pública franqueou o espaço à autonomia privada. Num setor de atividades dominado pelos contratos de adesão, os abusos seriam inevitáveis.34

Percebendo a necessidade de uma legislação específica para o setor e levando em consideração a possibilidade de minimizar os problemas reclamados, entidades médicas atuaram ativa e decisivamente no processo de regulamentação, participando de reuniões e audiências públicas. Maria Stella Gregori ilustra que:

Pode-se dizer, resumidamente, que o processo de normatização do setor saúde suplementar no Brasil se deu, inicialmente, em três fases, com foco na sustentabilidade do setor. Em seguida, esse processo se desenha com foco na qualidade agregada ao valor da sustentabilidade, construindo uma nova perspectiva do modelo de regulação.35

A Lei 9.656/98, de certa forma, revolucionou o mercado de saúde suplementar no Brasil. São muitos aspectos importantes, dentre os quais, podemos citar alguns como principais.

34 Pasqualotto, Adalberto. A regulamentação dos planos e seguros de assistência à saúde... cit., p.40.

35 Gregori, Maria Stella. Planos de Saúde: A ótica da proteção do consumidor. São Paulo: RT. Pontes Editora,

34 Em seu art. 10, a lei 9.656/98 institui o plano referência de assistência à saúde. Trata da cobertura contratual mínima dos planos de saúde oferecidos ao público no território nacional. Para as operadoras, houve aumento dos riscos do contrato e o acréscimo de preço. O art. 11, trata da cobertura parcial temporária de lesões e doenças preexistentes asseverando que não pode haver negativa de atendimentos relacionados a lesões preexistentes depois de decorridos dois anos da assinatura do Contrato, sendo da operadora o ônus da prova da preexistência.

Quanto a Carência, o lapso temporal durante o qual a operadora pode negar atendimento a novos beneficiários, o art. 12, em seu inciso V, determina como prazo máximo de 24 horas em caso de urgência ou emergência, nos demais casos, o prazo máximo é de 180 dias, e, no caso de partos a termo (agendados), 300 dias, não sendo nunca suspenso ou interrompido.36 Quanto ao reembolso, o mesmo art. 12, em seu inciso VI37, determina que há necessidade de se tratarem de casos de urgência ou emergência, bem como exista a impossibilidade de uso de serviços próprios, contratados, credenciados ou referenciados, e que os valores reembolsáveis sejam equivalentes aos preços praticados pela tabela de produtos da operadora, pagáveis no prazo máximo de 30 dias.

O art. 13, p. Único, II38 trata da vigência mínima e renovação automática do contrato. Segundo o artigo, ocorre a renovação automática a partir do vencimento da vigência inicial. Além disso, é vedada a cobrança de taxas de renovação em contratos individuais, a lei é silente quanto aos coletivos. A vigência mínima é de um ano, e proibida a suspensão ou rescisão unilateral do contrato, salvo por fraude ou não pagamento da mensalidade por período até 60 dias, consecutivos ou não, no período de um ano. Neste caso, há necessidade

36 “V - quando fixar períodos de carência:

a) prazo máximo de trezentos dias para partos a termo; b) prazo máximo de cento e oitenta dias para os demais casos;

c) prazo máximo de vinte e quatro horas para a cobertura dos casos de urgência e emergência; ”

37 “VI - reembolso, em todos os tipos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nos

limites das obrigações contratuais, das despesas efetuadas pelo beneficiário com assistência à saúde, em casos de urgência ou emergência, quando não for possível a utilização dos serviços próprios, contratados, credenciados ou referenciados pelas operadoras, de acordo com a relação de preços de serviços médicos e hospitalares praticados pelo respectivo produto, pagáveis no prazo máximo de trinta dias após a entrega da documentação adequada;”

38 “Art. 13. Os contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei têm renovação

automática a partir do vencimento do prazo inicial de vigência, não cabendo a cobrança de taxas ou qualquer outro valor no ato da renovação.

Parágrafo único. Os produtos de que trata o caput, contratados individualmente, terão vigência mínima de um ano, sendo vedadas:

II - a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, salvo por fraude ou não-pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o quinquagésimo dia de inadimplência; e”

35 de notificação no 50º dia de inadimplência. O art. 1439 possui caráter social, ele trata da vedação de discriminação por idade ou portadores de deficiência. O artigo proíbe que as operadoras rejeitem beneficiários em razão de sua idade ou de sua deficiência, o que era uma prática corriqueira das operadoras antes da promulgação da Lei. O artigo 1640 traz a determinação de que a redação do contrato deve ser feita com clareza e completude e institui regras gerais de redação do contrato, visando a favorecer a interpretação e reduzir conflitos relacionados a isso.

A lei também determina através de seu artigo 35-C41 que o atendimento ao beneficiário deverá ocorrer de forma irrestrito em casos de emergência, urgência, planejamento familiar. As coberturas para estes casos são obrigatórias. Em caso de emergência, há necessidade de declaração médica, para se resguardar a condição de saúde do paciente.

3.4.1 Retrocesso na lei 9.656/98

Em que pese os avanços trazidos pela lei nº 9.656/98, em matéria feita por Luciana Casemiro e Bárbara Nascimento, veiculada em 20 de agosto de 2017 no jornal O Globo42 (online), é tratada proposta de mudança na referida lei que poderá gerar retrocesso nos direitos para os usuários de saúde suplementar.

A proposta sairá da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, reunindo 141 projetos em trâmite no Congresso. A matéria elucida que, apesar de quase 100% dos projetos apresentados pelos parlamentares, de 2001 para cá, tratarem de adaptações para atender às necessidades dos consumidores, até agora as discussões na comissão têm se restringido a corte de direitos. Discute-se:

39 “Art. 14. Em razão da idade do consumidor, ou da condição de pessoa portadora de deficiência, ninguém

pode ser impedido de participar de planos privados de assistência à saúde.”

40 “Art. 16. Dos contratos, regulamentos ou condições gerais dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do

art. 1o desta Lei devem constar dispositivos que indiquem com clareza:”

41 “Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos: (Redação dada pela Lei nº 11.935, de 2009)

I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente;

II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional;

III - de planejamento familiar.

Parágrafo único. A ANS fará publicar normas regulamentares para o disposto neste artigo, observados os termos de adaptação previstos no art. 35.”

42 https://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/mudanca-na-lei-de-planos-de-saude-pode-reduzir-

36 (i) Redução no rol de procedimentos cobertos obrigatoriamente pelos planos de saúde;

(ii) Cobertura apenas regional;

(iii) Aumento da participação do usuário no pagamento de procedimentos; (iv) Liberação de reajustes para planos individuais; e,

(v) Até a impossibilidade da aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

A professora da UFRJ e membro da Comissão de Políticas Planejamento e Gestão da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Lígia Bahia, alerta que:

Quase 100% dos projetos tratam de expansão de direitos, sessões sem limites de fisioterapia, fonoaudiologia, nutrição e psicologia, cobertura de transplantes, atendimentos de urgência e emergência sem restrições e transparência nos valores pagos por procedimentos. A questão é que a produção legislativa não está sendo levada em conta.

As posições defendidas por parlamentares que estão participando da discussão trazem pontos preocupantes, sob o pretexto de construção de um plano que caiba no bolso, relata a professora Lígia Bahia. A preocupação apontada pela professora se baseia nas discussões ocorridas nas audiências públicas sobre o tema. Em uma das audiências, a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) teve sua participação negada, tais atitude que culminam com a baixa participação dos consumidores no debate sobre o tema é ponto preocupante apontado pela professora.

Os órgãos de proteção aos usuários dos serviços de assistência de saúde suplementar alertam para o fato de que é razoável oferecer outros tipos de plano, entretanto, as novas regras deverão ser acordadas e não impostas pelo lobby das empresas. Outrossim, os projetos deverão se atentar pela realidade brasileira, bem como para a diferenças de um Estado para o outro em um país de dimensões continentais, levando em consideração a infraestrutura local.

O Presidente da comissão que analisa o tema, deputado Hiran Gonçalves (PP-RR), vislumbra uma tramitação difícil para a lei de planos de saúde. Além da complexidade do tema, há uma série de parlamentares com interesses diferentes sobre o assunto, ressalta que

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“são mais de cem projetos apensados, tratando de pontos de vista e objetos diferentes dentro do mesmo assunto. ”. Para o parlamentar, um ponto importante é que se garanta o

ressarcimento ao SUS, que não é feito com eficiência, “queremos elaborar um texto

compatível com o que pensa a Justiça”, alega o deputado, uma vez que há uma ação de

inconstitucionalidade em curso.

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