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Judicialização da saúde suplementar no Brasil

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Academic year: 2021

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – UFF

FACULDADE DE DIREITO CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

PEDRO BARRETO DE MOURA SALGADO

JUDICIALIAZAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL

NITERÓI 2018

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PEDRO BARRETO DE MOURA SALGADO

JUDICIALIAZAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Manuel Martins Júnior

NITERÓI 2018

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Universidade Federal Fluminense Superintendência de Documentação Biblioteca da Faculdade de Direto

S164 Salgado, Pedro Barreto de Moura.

Judicialização da saúde suplementar no Brasil / Pedro Barreto de Moura Salgado. – Niterói, 2018.

62 f.

Orientador: Prof. Manoel Martins Júnior.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade Federal Fluminense, 2018.

1. Direito à saúde. 2. Sistema de saúde. 3. Plano de saúde. 4. Agência reguladora. 5. Judicialização da política. 6. Política de saúde. I. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Direito, Instituição responsável. II. Título.

CDD 341.2

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4 JUDICIALIAZAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Aprovada em julho de 2018.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Manoel Martins – Orientador UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Prof. Cláudio Brandão

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Prof. Índio do Brasil

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5 Dedico este trabalho a Deus, à minha esposa, aos meus pais que tanto me apoiaram, à minha avó,

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6

RESUMO

O presente trabalho tem por pretensão discutir judicialização da saúde suplementar no Brasil, bem como analisar os reflexos de tal fenômeno na atividade das operadoras de planos de saúde. A Constituição Cidadã de 1988 e a Lei Orgânica da Saúde, de 1990, inovaram em praticamente tudo, tornando insubsistente a maioria dos textos legais anteriores, sejam os de ordem nacional, sejam os de origem estadual ou municipal, que têm de adaptar-se aos novos mandamentos legais. O direito à saúde torna-se direito fundamental, essencial para uma vida digna, ligado diretamente ao valor da dignidade da pessoa humana. A judicialização da saúde suplementar mostra-se como uma realidade no cenário jurídico atual. A saúde privada busca auxiliar o sistema público e pode ser complementar, ligada a saúde pública, ou suplementar, regida pelo direito privado (mas fiscalizada pelo Estado). Em seguida, realiza-se a identificação dos aspectos fundamentais acerca da legitimidade da ANS na regulação do setor, mormente diante da promulgação da Lei de Planos de Saúde (LPS) e da criação da ANS, esta com atribuição de regulamentar o respectivo segmento, com destaque à prerrogativa de elaboração do rol de procedimentos e eventos em saúde, referência básica em relação às coberturas assistenciais devidas pelas operadoras de planos de saúde, em consonância com a referida LPS. Assim, será demonstrado o papel constitucional atribuído à livre iniciativa, bem como a existência de um Direito da Saúde Suplementar, os antecedentes da Lei nº 9.656/98, o papel da agência reguladora, as operadoras de planos privados de assistência à saúde, seus requisitos de funcionamento, o contrato de assistência médica, a responsabilidade de seus dirigentes. Com o advento da Lei nº 9.656/98, o Estado passa a exercer verdadeira intervenção por direção, pois passa a regular toda a atividade das operadoras de planos e seguros privados de assistência à saúde. Verifica-se que esta lei não se limitou a disciplinar o contrato que os consumidores firmam com as operadoras, mas abrange, desde a constituição das aludidas empresas, estabelecendo requisitos dos contratos firmados com aqueles que efetivamente prestarão os serviço de assistência à saúde, passando as empresas a se sujeitarem a diversas formas de intervenção, através do encaminhamento de informações e dados estatísticos e financeiros, até a decretação de sua direção fiscal/técnica ou a sua liquidação judicial. O contrato de assistência médica representa verdadeira norma de dirigismo contratual. A ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar tem poderes quase legislativos e quase judiciários. São estes, portanto, os assuntos trazidos à discussão no presente estudo.

Palavras-chave: Direito fundamental à saúde. Saúde suplementar. Judicialização. Rol de

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ABSTRACT

The present study aims at the judicialization of health in Brazil, especially with the analysis of supplementation, as well as the analysis of the reflexes of the phenomenon in the activity of health plan operators. The Constitution of the Citizen of 1988 and the Organic Law of Health of 1990, innovated in practically everything, making ineffectual most previous legal texts, which are of national order, state or municipal, which have to adapt to the new legal commandments. The right to health becomes a fundamental right, essential for a dignified life, linked directly to the value of the dignity of the human person. The judicialization of supplementary health appears to be a reality in the current legal scenario. Private health seeks to assist the public system and may be complementary, linked to public health, or supplementary, governed by private law (but supervised by the State). Next, the fundamental aspects of ANS's legitimacy in regulating the sector are identified, especially in the face of the promulgation of the Health Plans Law (LPS) and the creation of the ANS, with the attribution of regulating the respective segment, with highlighting the prerogative of elaborating the list of procedures and events in health, a basic reference in relation to the assistance coverage owed by the health plan operators, in consonance with the said LPS. Thus, the constitutional role assigned to free enterprise will be demonstrated, as well as the existence of a Supplementary Health Law, the antecedents of Law 9.656/98, the role of the regulatory agency, private health care providers, the health care contract, the responsibility of its managers. With the advent of Law 9.656/98, the State starts to exercise true intervention by management, since it regulates all the activity of the operators of private health insurance plans and insurance. It is verified that this law was not limited to disciplining the contract that the consumers sign with the operators, but since the Constitution of the said companies, it has established requirements of the contracts signed with those that will effectively provide the health care service, passing the companies to submit to various forms of intervention, through the transmission of information and statistical and financial data, to the enactment of their fiscal/technical direction or their judicial liquidation. The health care contract represents a true rule of contract management. ANS - National Agency for Supplementary Health - has quasi-legislative and quasi-judicial powers. These are, therefore, the subjects that we are brought to the discussion in the present study.

Key words: Fundamental right to health. Supplementary health. Judiciary. Role of ANS

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LISTA DE ABREVIATUARAS

§ Parágrafo

ABRAMGE Associação Brasileira de Medicina de Grupo

ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade ANS - Agência Nacional da Saúde Suplementar

AIDA Associação Internacional de Direito de Seguros CC - Código Civil

ANS Agência Nacional de Saúde Suplementar

art. Artigo

CIB Comissão Intergestores Bipartite

CIT Comissão Intergestores Tripartite

CDC Código de Defesa do Consumidor

CONASS Conselho Nacional de Secretários de Saúde CONSU Conselho de Saúde Suplementar

CONASEMS Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde

COSEMS Conselhos de Secretarias Municipais de Saúde

CNSP Conselho Nacional de Seguros Privados

CRFB Constituição da República Federativa do Brasil

DESAS Departamento de Saúde Suplementar

DC Diretrizes Clínicas

DUT Diretrizes de Utilização

LPS Lei de Plano de Saúde

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LOS Lei Orgânica de Saúde

OMS Organização Mundial de Saúde SAS - Secretaria de Assistência à Saúde

número

NTRP Nota Técnica de Registro de Produto

OMS Organização Mundial da Saúde

PROUT Protocolo de Utilização

RN Resolução Normativa

STJ Superior Tribunal de Justiça

SES Secretarias Estaduais de Saúde

SMS Secretarias Municipais de Saúde

SUS Sistema Único de Saúde

SUDS Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde

SUSEP Superintendência de Seguros Privados

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 11

2. O DIREITO À SAÚDE NO ESTADO BRASILEIRO ... 14

2.1 Evolução histórica ...14

2.2 Saúde como dever do Estado e direito do cidadão ...19

3. DIREITO À SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ... 21

3.1 Sistema público de saúde no Brasil...22

3.2 O sistema privado de saúde no Brasil ...26

3.3 Interação entre o sistema público e o sistema privado ...30

3.4 Contratos de planos privados de assistência à saúde e o advento da Lei federal nº 9.656, de 03 de junho de 1998 ...32

3.4.1 Retrocesso na lei 9.656/98 ... 35

3.5 Conselho de Saúde Suplementar (CONSU) ...37

3.6 Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) ...37

4. A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR E O IMPACTO DAS RESPECTIVAS DECISÕES JUDICIAIS ... 40

4.1 A atuação do Poder Judiciário frente a judicialização da Saúde Suplementar ...42

4.1.1 A aplicação do Código de Defesa do Consumidor na saúde suplementar ... 43

4.1.2 A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) nº 1931 ... 46

4.2 Planos de coparticipação e franquia - As novas regras ...47

4.3 Os impactos causados nas operadoras de planos de saúde ...48

5. CONCLUSÃO ... 54

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1. INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 trata-se de uma constituição inovadora ao incluir não apenas os direitos civis e políticos, mas também os direitos sociais, ampliando direitos e garantias. A saúde, no Brasil, passou a figurar entre os direitos e garantias fundamentais, competindo ao Estado provê-la a todos.

A constituição, ao tempo em que assegurou ser a saúde direito de todos e responsabilidade do Estado, também autorizou a atuação da iniciativa privada na prestação de serviços de assistência à saúde. Em seu artigo 199, § 1º, a CRFB1, prevê a liberdade da iniciativa privada de prestar serviços de assistência privada à saúde em um setor designado de sistema de saúde suplementar, setor explorado pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde, e que passou a ser regulado ao final da década de 1990.

A população brasileira conta com cerca de 200 milhões de habitantes2, dos quais, cerca de 3/4 são diretamente dependentes do sistema público de saúde, ao passo que, cerca de 47 milhões3 se utilizam atualmente da saúde suplementar.

Dada a relevância pública das ações e serviços de saúde, se justifica a regulação estatal sobre o mercado suplementar, como prevê a própria CRFB. Com o objetivo de regular o setor de saúde suplementar, a Lei 9.656/984 não se limita a ditar regras econômicas de entrada e permanência no mercado; cuida também da proteção contratual ao consumidor nesse seguimento.

A regulação da saúde suplementar, nesse viés, e consoante a legislação em vigor, se dá através da atuação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), autarquia federal vinculada ao Ministério da Saúde que tem a atribuição de controlar, fiscalizar e regulamentar a atividade do setor. Dentre as atribuições referidas, destaca-se a de determinar o limite mínimo de coberturas assistenciais a que as operadoras devem se obrigar perante seus clientes, limite este determinado pelo rol de procedimentos elaborado pela referida autarquia.

1“ Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

§ 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.”

2 206.081.432 segundo censo de 2016 do IBGE

3 47.152.579 de usuários segundo dados da ANS - http://www.ans.gov.br/perfil-do-setor/dados-gerais 4

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12 No entanto, em que pese o aumento da regulação quanto a saúde, tanto pública quanto privada, o que vemos no cenário jurídico atual é a massificação da judicialização da saúde, sobretudo no que diz respeito ao sistema privado.

São inúmeras as ações judiciais movidas por usuários que buscam a cobertura de diversos serviços que são oferecidos pelos planos de saúde, mas que estão fora do contrato firmado, bem como a busca por tutelas assistenciais não contempladas no referido rol de procedimentos da ANS. Muitos usuários dos planos de saúde contratam serviços a um custo inferior e pretendem a utilização de cobertura que, pelo custo ou complexidade, não fazem parte da sua cobertura. Isso justifica, pois, a relevância da discussão acerca dos impactos das decisões judiciais no âmbito do sistema de saúde suplementar brasileiro.

Com a judicialização, ocorre transferência para os magistrados o poder de deliberar sobre as políticas públicas de saúde, gerando a individualização do direito. O poder judiciário acaba por se tornar o responsável por decidir onde e para quem aplicar ao invés de atender a todos.

Nessa linha, o presente trabalho pretende, como objetivo geral, analisar os reflexos do fenômeno da judicialização da saúde suplementar e o impacto das decisões judiciais. O estudo discute a saúde como direito fundamental, a saúde suplementar e sua regulamentação, a judicialização da saúde e o reflexo das decisões judiciais, como estas impactam na atividade das operadoras de planos privados de assistência à saúde.

Os fundamentos utilizados pelo Poder Judiciário nas decisões de procedência em favor dos usuários de planos privados de assistência à saúde são diversos e merecem respeito, pois pautados em valores caros ao nosso Direito, como no caso do direito fundamental à saúde e dos direitos do consumidor. Entretanto, com o objetivo de promover a justiça no caso concerto, as decisões judiciais trazem o risco de que o equilíbrio das relações entre a operadora de planos de saúde e seus demais consumidores seja abalado. O risco inerente a esta “justiça distributiva” é a quebra do sistema, o que traria maiores prejuízos à coletividade. Medidas que buscam a justiça, mas não consideram a complexidade do sistema envolvido, acabam por violar o pacto republicano e trazem prejuízos à coletividade.

Dessa maneira, este trabalho busca, partindo da participação do Estado na área de saúde, discutir o papel constitucional atribuído à livre iniciativa, a existência de um Direito da

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13 Saúde Suplementar, a saúde suplementar no Brasil e os antecedentes que originaram a Lei 9.656/98, o papel da agência reguladora nesse setor, as operadoras de planos de saúde, os requisitos de funcionamento das operadoras, o contrato de assistência médica, bem como a aplicação subsidiária do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Dessa forma, no primeiro capítulo de desenvolvimento deste estudo trará a evolução histórica do direito à saúde no Estado brasileiro e a saúde como dever do Estado e direito do cidadão.

O segundo capítulo, traz a o direito à saúde como um direito fundamental previsto na Constituição Federal de 1988, a interação entre o sistema público e o privado e uma análise do sistema de saúde suplementar, identificados aspectos fundamentais acerca da legitimidade da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) na regulamentação do respectivo setor e dos planos privados de assistência à saúde. Assim, serão analisadas as características dos contratos de tais planos e a influência e importância da Lei Federal nº 9.956, de 03 de junho de 1998 (Lei de Planos de Saúde) na atividade das operadoras e em sua relação com os respectivos beneficiários, tendo em vista considerar-se, a promulgação da referida lei, um verdadeiro marco regulatório da saúde suplementar. Em seu bojo, uma das mais significativas mudanças aferidas diz respeito à instituição do plano-referência (art. 10), o qual diz respeito às coberturas mínimas devidas aos consumidores em razão do plano de saúde contratado.

Em sequência, no terceiro capítulo, realizar-se-á estudo quanto ao fenômeno da judicialização da saúde suplementar no Brasil e seus reflexos na atividade das operadoras de planos privados de assistência à saúde. Para tanto, será verificado o significado de judicialização, bem como sua caracterização no segmento de saúde suplementar, em especial quanto aos pedidos levados à apreciação do Estado-juiz relacionados a coberturas assistenciais não contempladas no rol de procedimentos da ANS. Por fim, ainda no terceiro capítulo, ter-se-á a análise do impacto das decisões contrárias ao dito rol de procedimentos na atividade das operadoras de planos de saúde, mormente quanto à possível quebra do equilíbrio econômico-financeiro, sendo tal equilíbrio elemento essencial para que se mantenha a higidez da consecução do contratos firmados com os consumidores.

Assim, o objetivo do presente trabalho é o enfrentamento das questões jurídicas e políticas que envolvem a tutela jurisdicional quando esta passa a ser provedora, em âmbito individual, do direito fundamental à saúde.

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2. O DIREITO À SAÚDE NO ESTADO BRASILEIRO

Ao longo de seus 518 anos, a contar da chegada dos europeus, as políticas de saúde no Brasil, obviamente, sofreram diversas mudanças. Historicamente, tais mudanças têm sido, pelo menos aparentemente, para que se adeque aos contextos políticos, econômicos e sociais.

Dentro deste período, cabe pontuar quais foram os momentos decisivos com relação à saúde no Brasil e a partir de qual instante o Estado passou a agir, bem como, enquanto não agia o Estado, quais eram os responsáveis pelos cuidados médicos da população.

2.1 Evolução histórica

No modelo de exploração instaurado pela coroa Portuguesa em solo brasileiro, a saúde pública definitivamente não se tratava de uma preocupação. Não havia políticas públicas estruturadas, muito menos a construção de centros de atendimento à população. Assim, cada indivíduo se responsabilizava por si, normalmente buscando, quando necessário, o auxílio através da medicina informal, baseada em conhecimentos empíricos, costumes culturais e crenças religiosas, que podiam variar de cantos à manipulação de ervas. Esta era a realidade para a maior parte de uma população formada em sua essência por pessoas pobres e escravos.

O acesso aos tratamentos e cuidados médicos dependia da classe social do indivíduo. Pessoas nobres e colonos brancos, possuidores de bens, tinham maior facilidade de acesso a médicos e remédios, portanto, suas chances de sobrevivência eram maiores, ao contrário da maior parte da população.

Apenas com a chegada da família real portuguesa e de sua corte, em 1808, começaram a surgir as primeiras mudanças significativas nas políticas de saúde no Brasil. A coroa portuguesa estimulou o crescimento industrial, a criação de estradas, a abertura de bancos, a renovação dos portos, o desenvolvimento de manifestações artísticas e a fundação de cursos universitários. Algumas normas sanitárias foram impostas para os portos, numa tentativa de impedir a entrada de doenças contagiosas que pudessem colocar em risco a integridade da saúde da realeza.

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15 A vontade em desenvolver o Brasil para que se aproximasse da realidade vivida em Portugal colaborou para o surgimento de cursos de formações em Medicina, Cirurgia e Química. A Escola de Cirurgia do Rio de Janeiro e o Colégio Médico-Cirúrgico no Real Hospital Militar de Salvador foram os pioneiros. Assim, aos poucos, os médicos estrangeiros foram sendo substituídos por médicos brasileiros, ou formados no Brasil.

A independência brasileira com relação a Portugal, declarada em 1822, por D. Pedro II trouxe avanços pouco eficazes durante o período imperial. Dentre tais avanços, destacam-se a criação do Instituto Vacínico do Império, inclusive com instauração da vacinação contra a varíola em todas as crianças, a instauração das juntas municipais (que deveriam se responsabilizar pelas atribuições sanitárias) e o estabelecimento da Lei da Junta Central de Higiene Pública. Além da varíola, as medidas buscavam controlar a disseminação da tuberculose, da malária e da febre amarela.

A cidade do Rio de Janeiro, capital do Império, além de sofrer diversas mudanças urbanas, como calçamento de ruas e iluminação pública, também sofreu a tentativa de higienização de seu centro urbano, de forma tanto sanitária quanto social.

A higienização sanitária deveria ocorrer por conta das recorrentes endemias de febre amarela, peste bubônica, malária e varíola, doenças associadas à falta de saneamento básico e de higiene. Os esgotos, na época, corriam a céu aberto e o lixo era depositado em valas. Assim, o alvo da campanha pela saúde pública nesse princípio de século XIX foi estruturar o saneamento básico.

Com o fim da escravidão em 1888, o país ficou dependente de mão de obra imigrante para continuar no cultivo de insumos, principalmente o café, que eram a base de sua economia. Entre 1900 e 1920, o Brasil ainda era refém dos problemas sanitários e das epidemias. Portanto, para a recepção dos imigrantes europeus, foram feitas diversas reformas urbanas e sanitárias nas grandes cidades. Os governantes passaram a entender que o crescimento do país dependeria de uma população saudável e com capacidade produtiva, fazendo-se necessária a criação de políticas públicas de saúde realmente eficazes.

Os sanitaristas comandaram esse período com campanhas de saúde, sendo seu maior destaque o médico Oswaldo Cruz na defesa da vacina obrigatória contra a varíola. Entretanto, em razão da falta de informação quanto à necessidade da vacinação aliado ao fato de tratar-se

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16 de uma campanha autoritária e, muitas vezes, violenta (alguns indivíduos que se recusavam eram vacinados à força), o desagrado com as medidas de Oswaldo Cruz culminou com a Revolta da Vacina em 1904. Carlos Chagas, sucessor de Oswaldo Cruz, conseguiu equilibrar melhor as ações, progredindo sem oposição popular.

As ações dos sanitaristas chegaram até o Sertão Nordestino, divulgando a importância dos cuidados com a saúde no meio rural. Lá, porém, as pessoas continuavam em moradias precárias, vitimadas por doenças mesmo com a disseminação de vacinas.

No ano de 1923, o Estado brasileiro teve sua primeira intervenção com a Lei Elói Chaves, através da criação das Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAPs), que asseguravam aos trabalhadores e empresas assistência médica, medicamentos, aposentadorias e pensões. Mais tarde, foram substituídas pelos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) passando a abranger uma quantidade maior de trabalhadores. Sobre tal assunto, nos ensina Figueiredo que:

O ano de 1923 marcou uma nova fase na seguridade social no Brasil, por meio do advento da Lei Elói Chaves (Decreto legislativo nº 4.682, de 24.1.1923). Antes do referido ordenamento legal, a seguridade social era efetivada por montepios e sociedades beneficentes de caráter mutualista e privado, à exceção do Montepio para a Guarda Pessoal de D. João VI (1808), bem como do Montepio das viúvas e órfãs dos militares falecidos na Guerra do Paraguai.5

Posteriormente, com a revolução de 1930 e a tomada de poder por Getúlio Vargas, o governo federal passou a concentrar funções e aumentar o controle. Assim, a fim de criar uma atuação mais centralizada, ocorreram reformulações no sistema, inclusive no que se refere à saúde pública. O foco do governo de Getúlio foi o tratamento de epidemias e endemias, todavia, sem muitos avanços, pois, os recursos destinados à saúde eram desviados a outros setores como, por exemplo, financiamento da industrialização.

A Constituição de 1934, segunda constituição do período republicano, obteve pequenos avanços, dentre os quais, podemos citar a concessão de novos direitos aos trabalhadores, como assistência médica e “licença-gestante”. Os doutrinadores Paulo Bonavides e Paes de Andrade, a respeito da Constituição de 1934, lecionam:

5 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Da regulação do mercado de suplementação dos serviços de saúde. In:

. Curso de direito de saúde suplementar: manual jurídico de planos e seguros de saúde. São Paulo: MP Editora, 2006. p. 109.

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Em 1934 demos o grande salto constitucional que nos conduziria ao Estado social, já efetivado em parte depois da Revolução de 30 por obra de algumas medidas tomadas pela ditadura do Governo Provisório. Os novos governantes fizeram dos princípios políticos e formais do liberalismo uma bandeira de combate, mas em verdade estavam mais empenhados em legitimar seu movimento com a concretização de medidas sociais, atendendo assim a um anseio reformista patenteado de modo inconsciente desde a década de 20, por influxo talvez das pressões ideológicas sopradas do velho mundo e que traziam para o País o rumor inquietante da questão social. 6

A Constituição de 1934 vigorou por apenas três anos, pois em 1937 (Estado Novo) foi promulgada nova Constituição, de caráter autoritário. A constituição de 1937 passou a tratar a saúde como serviço púbico essencial e estabeleceu a competência legislativa privativa da União para sua normatização, bem como competência legislativa suplementar dos estados para complementação das normas federais.

Com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) em 1943, os direitos trabalhistas são inseridos na legislação brasileira. A partir da CLT os benefícios relativos à saúde do trabalhador ganham nova expressão. Nesta linha, Figueiredo nos elucida que:

Assim, a época de maior crescimento e evolução da saúde no Brasil ocorreu sob a gestão de Getúlio Vargas, tendo sido criados vários hospitais e centros médicos.7 Após a Segunda Guerra Mundial, com o advento do Estado de Bem-Estar Social, a saúde passou a ser tratada como política, deixando de ser uma expressão setorial. Nesse sentido, afirma Paulo Eduardo Elias:

Antes disso a saúde apresentava uma expressão muito setorial e não tinha a importância econômica que veio a ter com a era de ouro do capitalismo e o advento do sistema de bem-estar social..8

6 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. A constituição de 1934. In: História constitucional do Brasil. 5.

ed. Brasília: OAB Editora, 2004. p. 331.

7

FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Da regulação do mercado de suplementação dos serviços de saúde. In: Curso de direito de saúde suplementar: manual jurídico de planos e seguros de saúde. São Paulo: MP Editora, 2006. p. 109.

8 ELIAS, Paulo Eduardo. O que significa o SUS? Qual a sua concepção? In: BRASIL. Sistema Único de Saúde.

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18 As Cartas Políticas de 1946 e 1967 seguiram a tendência da Constituição de 1937 quanto à competência legislativa. Sobre a Constituição de 1946, Bonavides e Andrade estabelecem:

(...) o longo título referente à ordem econômica e social compendiavam inumeráveis preceitos constitucionais de teor inequivocamente progressivo e renovador, deveras elásticos para a eventual e fecunda aplicação à realidade política, econômica e social deste País subdesenvolvido e a braços com histórica e aguda crise de gestação industrial.9

Durante o período de regime militar, iniciado em 1º de abril de 1964, a saúde sofreu com o corte de verbas e a consequente intensificação de doenças, tais como, dengue, meningite e malária, além do aumento da mortalidade infantil. Como uma das medidas para tentar mudar este quadro e a fim de melhorar o atendimento médico, o governo militar criou o INPS, que foi a união de todos os órgãos previdenciários que funcionavam desde 1930.

Durante a década de 1970, mesmo no auge do milagre econômico, as verbas para saúde eram muito baixas10. Ao fim da década, as prefeituras das cidades que mais cresciam começaram a se organizar para receber e conceder aos migrantes algum tipo de atendimento na área da saúde. Começou-se a estruturar políticas públicas que envolveram as Secretarias Municipais de Saúde, depois se estenderam aos estados e a ministérios, como os Ministérios da Previdência Social e da Saúde. Ao fim da década de 1970, o movimento adquiriu certa maturidade em função de uma série de estudos acadêmicos e práticos realizados, principalmente, nas faculdades de Medicina. Nas universidades, o entendimento de medicina se transforma e passa a ser cada vez mais social, a saúde passa a ser pensada como uma série de fatores que vão muito além do bem-estar do corpo humano.

Ao fim da ditadura, as propostas da Reforma Sanitária foram reunidas num documento chamado Saúde e Democracia, enviado para aprovação do Legislativo. Uma das conquistas foi a realização da 8ª Conferência Nacional da Saúde em 1986. Pela primeira vez na história, foi possível a participação da sociedade civil organizada no processo de construção do que seria o novo modelo de saúde pública brasileiro.

9 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. A constituição de 1946. In: . História constitucional do

Brasil. 5. ed. Brasília: OAB Editora, 2004. p. 422.

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19 Essa conferência foi tão importante pois desde o seu tema – “saúde como direito de

todos e dever do Estado” – teve como resultado uma série de documentos que basicamente

esboçaram o surgimento do Sistema Único de Saúde (SUS). A conferência ampliou os conceitos de saúde pública no Brasil, propôs mudanças baseadas no direito universal à saúde com melhores condições de vida, além de fazer menção à saúde preventiva, à descentralização dos serviços e à participação da população nas decisões. O relatório da conferência teve suas principais resoluções incorporadas à Constituição Federal de 1988.

2.2 Saúde como dever do Estado e direito do cidadão

O direito à saúde se insere hoje na órbita dos direitos sociais constitucionalmente garantidos. Trata-se de um direito público subjetivo, uma prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas, conforme se extrai do art. 196 da Constituição Federal de 1988, confira-se:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doença e de outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

No entanto, conforme é possível notar através da história, não foi sempre assim. José Luiz Toro da Silva elucida em seu Manual de Direito da Saúde Suplementar que a ideia do direito à saúde nasce no Estado de Bem-Estar Social11. No Estado Liberal não existia qualquer preocupação com as questões sociais, haja vista que se acreditava que o mercado, através de sua mão invisível, resolveria todos os problemas, até mesmo os relacionados ao acesso da população aos serviços de saúde.

Importante lembrar que, o Direito Constitucional surgiu com o estabelecimento de um sentido negativo, ou seja, ele foi fruto da preocupação com a limitação do poder do soberano e o estabelecimento de direitos políticos. Todavia, inexistia naquela época qualquer preocupação de ordem social. Recorda João Bosco Leopoldino da Fonseca que:

(...) não se pode esquecer que o constitucionalismo dos séculos XVIII e XIX surgiu sob o pressuposto ideológico de defesa das liberdades individuais em confronto com o absolutismo até então imperante. E entre estas liberdades individuais estava o direito absoluto de propriedade individual, garantidor da atuação econômica individual do

11 Toro da Silva, José Luiz. Manual de Direito da Saúde Suplementar: a iniciativa privada e os planos de saúde.

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mercado. As normas constitucionais protetoras desses direitos têm um sentido negativo, porque têm por objetivo impedir que o Estado os desrespeite, os afronte.12

Seguindo sob a ótica de José Luiz Toro da Silva, temos que a saúde como direito universal vincula-se à ideia do “Estado de Bem-Estar Social (Welfare State) ”. A saúde passa a estar inserida como um direito fundamental de terceira geração. Os direitos de terceira geração estão ligados aos valores de fraternidade ou solidariedade, são os relacionados ao desenvolvimento ou progresso, ao meio ambiente, à autodeterminação dos povos, bem como ao direito de propriedade sobre patrimônio comum da humanidade e ao direito de comunicação. São direitos transindividuais, em rol exemplificativo, destinados à proteção do gênero humano.

Para alguns, o art. 196 da CRFB representa uma norma programática, pois o direito estaria ligado às limitações orçamentárias e de conjunturas. Para outros representa uma norma pragmática, uma vez que, a saúde é um direito que deve ser assegurado pelo Estado.

12

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3. DIREITO À SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o conceito de saúde13 é: “Um

estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência da doença ou enfermidade”.

Seguindo os passos da Declaração Universal dos Direitos humanos, a Constituição Federal de 1988, revolucionou o direito à saúde, estendendo-o a todas as pessoas, impondo ao Estado a obrigação de prestar a assistência integral à saúde, formando a base para o sistema público e universal atual.

A CRFB de 1988 situa-se como marco jurídico da institucionalização da democracia e dos direitos humanos no Brasil, consagrando também as garantias e direitos fundamentais e a proteção de setores vulneráveis da sociedade brasileira ao asseverar os valores da dignidade da pessoa humana como imperativo de justiça social. A Constituição inova ao ampliar os direitos e garantias, ao incluir não apenas os direitos civis e políticos, mas também os direitos sociais, trata-se portanto de uma “Constituição Cidadã” na medida em que passa a consagrar não apenas os direitos individuais, mas também os metaindividuais.

Dentre os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, o direito à saúde figura entre os mais debatidos nos âmbitos acadêmico, doutrinário e judicial. Trata-se de um direito social, fundamental, enumerado, exemplificativamente, no art. 6º da CRFB14, portanto, direito indispensável, mínimo para que a pessoa humana possa viver em condição de dignidade.

Após a inserção desse direito na CRFB, a sociedade brasileira passa a se conscientizar de que, efetivamente, é a destinatária final da proteção conferida pelo Estado.

No campo da saúde, a Constituição mostra-se um documento bastante moderno, arrojado e de largo alcance social, ampliando os horizontes de cobertura dos riscos sociais, como forma de conquista do bem-estar coletivo.

13 Preâmbulo da Constituição da Organização Mundial de Saúde de 1946 – Disponível em http://www.who.int 14 “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer,

a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. ”

(22)

22 A Magna Carta de 1988 confere nova dimensão aos sistemas públicos de proteção social ao inferir a definição de seguridade social, em seu art. 194, como “um conjunto

integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinado a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.

Na CRFB, a saúde encontra-se organizada sistematicamente na Seção II, sendo concebida ao lado da previdência e assistência social, como um dos três grandes programas definidos no capítulo da Seguridade Social (Capítulo II). Tais programas estão ordenados individualizadamente, mas orientados de modo integrado, ressaltando que a saúde, assim como a assistência social, consiste em um sistema protetivo a ser garantido pelo Estado, sem estar condicionado ao pagamento de contribuição prévia pelo cidadão. Portanto, a saúde é um direito de todos e dever do Estado diretamente ou pela iniciativa privada.15

Dito isto, passaremos a tratar do sistema público de saúde, posteriormente do sistema privado e, em seguida, da interação entre os dois sistemas.

3.1 Sistema público de saúde no Brasil

Segundo Maria Stella Gregori16, a saúde pública pode ser entendida como: “um

serviço público, no qual a prestação de serviço de saúde é prestada diretamente pelo Estado, ou por quem lhe faça as vezes, aos seus administradores. ” No Brasil, a saúde pública é

prestada através do Sistema Único de Saúde, o SUS, tendo como seu marco jurídico inicial a Constituição Federal de1988.

Em março de 1986, foi realizada a 8ª Conferência Nacional de Saúde que resultou na implantação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS). O SUDS, passou a adotar como diretrizes a universalização e a equidade no acesso aos serviços, a integralidade dos cuidados, a regionalização dos serviços de saúde e implementação de distritos sanitários, a descentralização das ações de saúde, o desenvolvimento de instituições colegiadas gestoras e o desenvolvimento de uma política de recursos humanos, formando as bases para a seção

"Da Saúde" da Constituição de 1988.

15

“Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.”

“Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.”

16

(23)

23 O capítulo dedicado à saúde na Constituição Federal, promulgada em outubro de 1988, retrata o resultado de todo o processo desenvolvido ao longo de duas décadas, criando o Sistema Único de Saúde (SUS) e determinando em seu art. 196 que a saúde é direito de todos e dever do Estado17. Portanto, o SUS, sucede ao SUDS, sendo efetivado em 1988, com a promulgação da atual CRFB e é implementado em 1990, com a lei 8.080/90.

O SUS encontra-se previsto na CRFB, em seu art. 198 que traz em seu texto as diretrizes e alguns de seus princípios, confira-se:

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III - participação da comunidade.

§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:

I - no caso da União, a receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, não podendo ser inferior a 15% (quinze por cento)

II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios;

III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.

§ 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá:

I - os percentuais de que tratam os incisos II e III do § 2º;

II - os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais;

III - as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal;

§ 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação.

§ 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico, o piso salarial profissional nacional, as diretrizes para os Planos de Carreira e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias, competindo à União, nos termos da lei, prestar assistência financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, para o cumprimento do referido piso salarial.

17 “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas

que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. ”

(24)

24

§ 6º Além das hipóteses previstas no § 1º do art. 41 e no § 4º do art. 169 da Constituição Federal, o servidor que exerça funções equivalentes às de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias poderá perder o cargo em caso de descumprimento dos requisitos específicos, fixados em lei, para o seu exercício.

Atualmente, a CRFB de 1988 prevê competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para cuidar do direito à saúde, diante do art. 23, II18, bem como competência concorrente da União, aos Estados e ao Distrito Federal para legislar, conforme art. 24, XII19. Dessa forma, o SUS, em conjunto com as demais políticas, deve atuar na promoção da saúde, prevenção de ocorrência de agravos e recuperação dos doentes. A gestão das ações e dos serviços de saúde deve ser solidária e participativa entre os três entes da Federação: a União, os Estados e os municípios.

O Ministério da Saúde é responsável pela normatização das ações, bem como pela coordenação e liberação dos recursos para pagamento da rede hospitalar complementar que mantém convênio com o SUS.

A rede que compõem o SUS é ampla e abrange tanto ações, como serviços de saúde. Ela engloba a atenção de básica, média e alta complexidades, os serviços urgência e emergência, a atenção hospitalar, as ações e serviços das vigilâncias epidemiológica, sanitária e ambiental e assistência farmacêutica.

Dentro desta enorme estrutura do SUS, cabe elencar seus principais pilares. O Ministério da Saúde é o gestor nacional do SUS, formula, normatiza, fiscaliza, monitora e avalia políticas e ações, em articulação com o Conselho Nacional de Saúde. Atua no âmbito da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) para pactuar o Plano Nacional de Saúde. Integram sua estrutura: Fiocruz, Funasa, Anvisa, ANS, Hemobrás, Inca, Into e oito hospitais federais.

O papel das Secretarias Estaduais de Saúde (SES) consiste em participar da formulação das políticas e ações de saúde, prestar apoio aos municípios em articulação com o conselho estadual e participar da Comissão Intergestores Bipartite (CIB) para aprovar e implementar o plano estadual de saúde. As Secretarias Municipais de Saúde (SMS) planejam,

18 “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;”

19 “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

(25)

25 organizam, controlam, avaliam e executam as ações e serviços de saúde em articulação com o conselho municipal e a esfera estadual para aprovar e implantar o plano municipal de saúde.

Os Conselhos de Saúde, no âmbito de atuação (Nacional, Estadual ou Municipal), em caráter permanente e deliberativo, é órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, que atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo. Cabe a cada Conselho de Saúde definir o número de membros, que obedecerá a seguinte composição: 50% de entidades e movimentos representativos de usuários; 25% de entidades representativas dos trabalhadores da área de saúde e 25% de representação de governo e prestadores de serviços privados conveniados, ou sem fins lucrativos.

As Comissões Intergestores se dividem em Tripartite e Bipartite. A Comissão Intergestores Tripartite (CIT) consiste no foro de negociação e pactuação entre gestores federal, estadual e municipal, quanto aos aspectos operacionais do SUS. A Comissão Intergestores Bipartite (CIB) consiste no foro de negociação e pactuação entre gestores estadual e municipais, quanto aos aspectos operacionais do SUS.

O Conselho Nacional de Secretário da Saúde (CONASS) é entidade representativa dos entes estaduais e do Distrito Federal na CIT para tratar de matérias referentes à saúde. Já o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS) é entidade representativa dos entes municipais na CIT para tratar de matérias referentes à saúde. Por fim, os Conselhos de Secretarias Municipais de Saúde (COSEMS) São reconhecidos como entidades que representam os entes municipais, no âmbito estadual, para tratar de matérias referentes à saúde, desde que vinculados institucionalmente ao CONASEMS, na forma que dispuserem seus estatutos.

Segundo as diretrizes do SUS, saúde não se limita apenas a ausência de doença, considerando, sobretudo, como qualidade de vida, decorrente de outras políticas públicas que promovam a redução de desigualdades regionais e promovam desenvolvimentos econômico e social.

(26)

26 Apesar disso, de toda sua estrutura, o sistema público ainda enfrenta grandes dificuldades, sofrendo por exemplo com o subfinanciamento, que impossibilita a oferta de assistência integral a toda a população e mantém o sistema de saúde suplementar em pleno funcionamento (embora sob regras mais rigorosas com a Lei dos Planos de Saúde, de 1998).

3.2 O sistema privado de saúde no Brasil

No que se refere ao sistema privado de saúde no Brasil, Maria Stella Gregori explica que:

A Constituição Federal de 1988 autorizou expressamente a atuação da iniciativa privada na prestação de serviços de atenção à saúde, pelo que a oferta de serviços de assistência à saúde, no Brasil, deriva de uma combinação de dois sistemas. De um lado está o sistema público, como já se disse, de acesso universal e com a hegemonia na prestação dos serviços; e de outro, está o sistema privado, de caráter supletivo.

Importante salientar que, em que pese o sistema público envolver prestadores públicos e privados, a participação do particular nesta prestação se dá em regime público, sujeitando-se ao regramento característico dos serviços públicos, inclusive no que diz respeito a questões de contratação e responsabilização civil.

Já o sistema tipicamente privado engloba, em menor parte, a prestação direta dos serviços por profissionais e estabelecimentos de saúde ou, na sua maioria, pela intermediação dos serviços, mediante a cobertura dos riscos de assistência à saúde, segmento este em que está concentrada a abordagem do presente estudo.20

Dito isto, se faz necessário traçar um breve panorama histórico do sistema privado de saúde no Brasil.

Pode se dizer que a formação do mercado de saúde privado (supletivo; suplementar) no Brasil ocorreu efetivamente nas últimas 5 décadas, praticamente sem contar com praticamente nenhuma presença efetiva do Estado, levando esse setor a um crescimento sem qualquer controle ou um acompanhamento mais próximo.

No início, este sistema esteve ligado a instituições filantrópicas, organizadas de forma solidária pela própria população por meio de fundos mútuos. Nas décadas de 1920 e

20 Gregori, Maria Stella. Planos de Saúde: A ótica da proteção do consumidor. São Paulo: RT. Pontes Editora,

(27)

27 1930 que se deu sua institucionalização formal, momento em que surgem os primeiros esquemas de assistência privada à saúde voltada para os trabalhadores.

Em 24 de janeiro de 1923, é publicada a Lei Eloy Chaves. A Lei Eloy Chaves consolidou a base do sistema previdenciário brasileiro, com a criação da Caixa de Aposentadorias e Pensões (CAP) para os empregados das empresas ferroviárias e, após sua promulgação, outras empresas são beneficiadas e seus empregados também passaram a ser segurados da Previdência Social. Custeadas com as contribuições de patrões e empregados, trata-se do marco inicial de modelo de financiamento destinado a viabilizar a assistência privada à saúde individual, transferindo a responsabilidade do Poder Público para o setor privado. O modelo expandiu- se nos anos seguintes, alcançando, a partir do setor ferroviário, outras categorias profissionais.21

Durante o governo de Getúlio Vargas (no ano de 1933) foram criados os IAPs (Institutos de Aposentadorias e Pensões), dando origem ao que se convencionou chamar de “medicina previdenciária”, na qual acabou por predominar a compra dos serviços médicos-hospitalares. José Luiz Toro da Silva em seu Manual de Direito da Saúde Suplementar elucida que:

Consta do relatório final da CPI dos Planos de Saúde que a origem do setor de assistência supletiva à saúde no Brasil remonta aos anos 40 e 50, quando instituições e empresas do setor público e privado implantaram sistema de assistência médico-hospitalar para os seus colaboradores. Em 1944, foi criada a Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil – CASSI e, em 1945, a assistência patronal aos antigos funcionários do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários – IAPI que, mais tarde, daria origem à GEAP – Fundação de Seguridade Social. 22

Segue esclarecendo que:

Na década de 50, com a expansão da indústria automobilística, a atenção médica passa a ser oferecida aos trabalhadores, como forma de selecionar mão de obra mais hígida, obter um maior controle sobre a força de trabalho, evitando absenteísmo e visando à qualidade de saúde dos trabalhadores, bem como propiciar um

21 Fernando Neto, Antônio Joaquim. Plano de saúde e direito do consumidor. Belo Horizonte: Del rey, 2002.

p.29.

22 Toro da Silva, José Luiz. Manual de Direito da Saúde Suplementar: a iniciativa privada e os planos de saúde.

(28)

28

atrativo ou benefício na concorrência pela mão de obra mais qualificada. 23

No ano de 1964, já no regime militar, com sua incorporação à assistência médica-previdenciária, os “grupos médicos” passam a receber incentivo poderoso. Em maio do mesmo ano, foi celebrado convênio entre IAPI e a Volkswagen que desobrigava o instituto de prestar assistência médica aos empregados daquela indústria e, em contrapartida, dispensava o empregador de parte de suas contribuições previdenciárias. A prática disseminou-se, mormente entre as empresas do setor industrial, e manteve-se inalterada após a unificação previdenciária em 1967. Dez anos após a unificação, em 1977, existiam quase cinco mil convênios dessa ordem, abarcando cerca de 10% da população previdenciária à época.

No final da década de 1970 e início da de 1980, os planos de saúde consolidam sua presença no mercado como uma alternativa de assistência à saúde, mormente para os segmentos de trabalhadores mais especializados das regiões sul e sudeste.

Já no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, há uma grande expansão do setor com o crescimento expressivo da comercialização de planos individuais, inclusive com a entrada dos bancos e seguradoras no mercado, e com a forte demanda de novos grupos de trabalhadores pela assistência médica supletiva (principalmente setores do funcionalismo público). Ainda na década de 1990, entra em vigor do Código de Defesa do Consumidor. Com isso, o setor de assistência supletiva à saúde passa a figurar como um dos principais alvos das reclamações por parte de consumidores, massifica-se a quantidade de ações contra empresas do setor e cresce a demanda social por uma regulamentação que propugnasse pelo lado mais fraco nessa relação de consumo.24

Em face do quadro relatado acima, após sete anos de discussão no Congresso Nacional, é promulgada a Lei nº 9.656, em 3 de junho de 1998, que dispõe sobre os “Planos e

Seguros Privados de Assistência à Saúde”. Essa lei, foi fruto de substitutivo da Câmara dos

Deputados ao Projeto de Lei nº 4.425-D, de 1994, do Senado Federal, que “proíbe a exclusão

de cobertura de despesas com tratamentos de determinadas doenças em contrato que asseguram atendimento médico-hospitalar pelas empresas privadas de seguro-saúde”.

23 Toro da Silva, José Luiz. Manual de Direito da Saúde Suplementar: a iniciativa privada e os planos de saúde.

São Paulo M.A. Pontes Editora, 2005. p.43.

24 Toro da Silva, José Luiz. Manual de Direito da Saúde Suplementar: a iniciativa privada e os planos de saúde.

(29)

29 Anteriormente à regulamentação, ocorreram algumas tentativas no sentido de se disciplinar o mencionado setor, sendo que, inclusive, leis estaduais foram editadas determinando o atendimento universal pelo setor privado, como por exemplo a Lei Estadual/SP nº 9.495/97, bem como Resoluções dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina tentaram impor esse atendimento às operadoras, como exemplo temos as Resoluções nºs 1.401-93 do CFM, 19/97 do CRM/RJ e 59/94 do CRM/SP, porém todos esses diplomas normativos tiveram os seus efeitos cassados pela Justiça, por se tratarem de normas de juridicidade altamente discutível, principalmente no que concerne à incompetência das autoridades que editaram, pois assevera o art. 22, I, da Constituição Federal que compete exclusivamente À União legislar sobre matéria contratual, ou seja, relativa ao Direito Civil25.

Até este momento, apenas as seguradoras estavam sujeitas a alguma regulamentação específica, sofrendo, inclusive a fiscalização da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), principalmente nos seus aspectos financeiros e atuariais, em conformidade com o disposto no Decreto-Lei nº 73/66, Decreto nº 60.459/67 e Circular SUSEP nº 005/89.

Mister esclarecer que, não obstante a Lei nº 9.656/98 ter sido aprovada, houve uma espécie de “acordo de cavalheiros” entre a base governista de então e o relator do Projeto no Senado Federal, senador Sebastião Rocha, a fim de se evitar possível apresentação de emendas alterando o projeto oriundo da Câmara Federal, o que resultaria na reaparição do projeto pela Câmara Baixa, em decorrência do princípio bicameral. José Luiz Toro da Silva lembra que:

(...) O senador-relator não apresentou as suas emendas e o governo se comprometeu a incluí-las no citado texto, através da medida provisória. E assim foi feito. No dia 3 de junho é editada a lei, sem alterações no texto oriundo da Câmara dos Deputados e, no dia 4 de junho é editada a Medida Provisória nº 1.665, alterando ‘dispositivos da Lei nº 9.656, de 3 junho de 1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, e dá outras providências’. Estando presente à reunião da Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal pudemos testemunhar quando o Senador Romero Jucá, representando a base governista, firmou o acordo com o Senador Sebastião Rocha, relator do aludido projeto, tendo sido aprovado o texto

25 “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(30)

30

encaminhado pela Câmara Federal, apenas com emendas de redação, pois o relator retirou as emendas que alteravam substancialmente o texto original.26

A Medida Provisória nº 1.665, foi responsável por alterar por completo a estrutura da lei recém aprovada pelo Poder Legislativo. A essa MP inicial sucederam-se 43 outras, sendo que algumas receberam nova numeração (1.730; 1.801; 1.908; 1.976; 2.097; 2.177). Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 32, de setembro de 2001, o texto da última reedição – MP nº 2.177-44, de 24 de agosto de 2001 – foi recepcionado como lei, até que o Congresso Nacional delibere definitivamente sobre o texto.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) fez surgir grandes discussões sobre a abusividade ou não das cláusulas dos contratos de planos de saúde. A instituição do Plano Real, que reduziu drasticamente a inflação existente no Brasil, obrigou as empresas a reverem os seus custos, uma vez que o lucro por elas obtido se dava em função do mercado de capitais, pois captavam o dinheiro de seus associados e somente após por volta de dois meses é que iriam pagar as contas médico-hospitalares, ganhando grandes quantias neste interim. Isto também influenciou na edição da regulamentação.

No período acima descrito, as operadoras de planos de saúde passaram a figurar como as campeãs de reclamações nos PROCONs.

A Lei nº 9.656/98 sofreu com sucessivas reedições das medidas provisórias que acabaram por trazer problemas, colaborando para um clima de verdadeira insegurança jurídica.

3.3 Interação entre o sistema público e o sistema privado

José Mendes Ribeiro explica que, no Brasil, o sistema de saúde se caracteriza pelo seu hibridismo, sendo marcante a interação entre os serviços públicos e a oferta privada na conformação da prestação dos serviços de assistência à saúde. 27O sistema de saúde no Brasil é formado por dois subsistemas:

(i) Subsistema público: que incorpora a rede própria e a conveniada/contratada ao SUS; e,

26 Toro da Silva, José Luiz. Manual de Direito da Saúde Suplementar: a iniciativa privada e os planos de saúde.

São Paulo M.A. Pontes Editora, 2005. p.44.

27 Ribeiro, José Mendes. Regulação e contratualização no setor saúde. In: Negri, Barjas; Di Giovanni, Geraldo

(31)

31 (ii) Subsistema privado, que agrupa a rede privada de serviços de saúde não vinculada ao SUS.

Maria Stella Gregori ensina que:

A Lei Orgânica da Saúde, ao se referir ao conjunto de serviços privados de assistência à saúde, fez menção específica aos estabelecimentos de saúde que, devido à insuficiência dos serviços estatais, complementam a assistência médico-hospitalar dentro do SUS. Tal participação se faz mediante contrato ou convênio, sendo que as normas de atuação e os valores de remuneração são estabelecidos pelo Poder Público. Esse braço do sistema público passou a ser conhecido como setor privado complementar.28

No que se refere ao setor privado de saúde, Maria Stella elucida que, o mesmo não é formado apenas por esses estabelecimentos e que há também aqueles que não possuem qualquer vínculo com o SUS, que prestam serviços à população mediante pagamento direto ou por planos privados de assistência à saúde e que tal subsistema privado recebe a denominação de suplementar.29

Conforme anotam Lígia Bahia e Ana Luíza Viana, os prestadores de serviços privados de saúde prestam serviços tanto ao sistema público como ao sistema privado.

No plano da oferta, o sistema de saúde brasileiro é composto, principalmente, por serviços privados. E constitui-se num dos maiores mercados de compra e venda de serviços de saúde no mundo. Essa realidade forçou a separação, em nosso País, do financiamento e da provisão desses serviços antes mesmo que esta recomendação fosse incluída na de reformas do sistema sanitário

Esse grande mercado privado – profissionais médicos, ambulatórios, hospitais, serviços diagnósticos-terapêuticos, laboratórios – vende serviços de saúde tanto para o setor público, quanto para os planos e seguros privados. 30

Segundo Barjas Negri, no que tange a relação entre o sistema público e privado:

“Pensar o gerenciamento da saúde no Brasil leva ao estabelecimento de dois grandes blocos: o atendimento privado e o público. ”31

28

Gregori, Maria Stella. Planos de Saúde: A ótica da proteção do consumidor. São Paulo: RT. Pontes Editora, 2005. p. 39.

29 Gregori, Maria Stella. Planos de Saúde: A ótica da proteção do consumidor. São Paulo: RT. Pontes Editora,

2005. p. 40.

30

(32)

32 Para Lígia Bahia e Ana Luíza Viana32, considera-se que a coexistência de dois sistemas distintos de saúde é viável. Entretanto, são usuais as expressões do tipo: “só fica no

SUS quem não tem recurso para comprar um plano” ou ainda “quem pode pagar tem plano de saúde; então SUS pode cuidar melhor dos pobres”. Tais expressões pressupõem a

existência de uma barreira intransponível entre as duas redes assistenciais. Sob este prisma, o ponto de contato dessas duas realidades se resume a oferta de tecnologias sofisticadas, de que alguns estabelecimentos públicos também dispõem.

Argumentava-se, nos debates ensejados pela legislação sobre a regulamentação do mercado de planos e de seguro de saúde, que as ampliações de cobertura desobrigariam o SUS do atendimento aos clientes da assistência médica suplementar.

Contudo, ainda restam lacunas na reflexão sobre as inter-relações entre o SUS e os planos privados de saúde, principalmente quanto à natureza dos riscos sob cobertura e às redes de assistência voltadas à clientela das empresas de assistência médica suplementar. ”

Portanto, no que diz respeito aos sistemas públicos e privado de assistência à saúde no Brasil, os dois interagem e o seu relacionamento tem fundamental importância para o bom funcionamento da política de saúde. Importante também ressaltar que, conforme diz Maria Stella:

(...) para que haja um sistema de saúde eficaz, cabe ao Estado definir políticas adequadas, principalmente no tocante ao direcionamento do orçamento estatal para a área respectiva, pois se deve fortalecer o sistema público, e também permitir que a regulação do setor privado permita corrigir as falhas de mercado, garantindo a qualidade na prestação dos serviços à sociedade.33

3.4 Contratos de planos privados de assistência à saúde e o advento da Lei federal nº 9.656, de 03 de junho de 1998

A Lei nº 9.656, de 03 de junho de 1998, é um dos principais marcos regulatórios do setor de saúde suplementar. Sua promulgação possibilitou mudanças estruturais profundas no setor. Antes da regulamentação do setor, havia a livre definição da cobertura assistencial, dos reajustes e de períodos de carências, contratos pouco claros, etc. Pode se dizer que o marco

31

O gerenciamento da saúde no Brasil. In: Bayna, Fátima; Kasznar; Istvan. Saúde e previdência social: desafios para o terceiro milênio. São Paulo: Person Education, 2002. p.3.

32 Bahia, Lígia; Viana, Ana Luiza. Op. cit., p.11.

33 Gregori, Maria Stella. Planos de Saúde: A ótica da proteção do consumidor. São Paulo: RT. Pontes Editora,

(33)

33 regulatório do mercado de saúde suplementar é fato recente no ordenamento jurídico brasileiro. A normatização só existia para o setor de seguro-saúde, e mesmo assim apenas nos aspectos econômico-financeiros dessa atividade.

Antes do mercado de saúde suplementar estar subordinado a uma legislação específica, seus consumidores, encontravam suporte jurídico na legislação civil, em particular no Decreto-lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, que dispõe sobre o sistema nacional de seguros privados, e nas tratativas conciliatórias, passando, posteriormente, a dispor do Código de Defesa do Consumidor para a preservação de seus direitos, entretanto, a lei consumerista não tratava das peculiaridades que envolvem o setor saúde. A regra era o desequilíbrio contratual, com preponderância dos interesses de fornecedores sobre consumidores. Adalberto Pasqualotto explana que:

Ao instituir o seguro-saúde, o Dec. – lei 73 prescreveu o prazo de 120 dias para a sua regulamentação (art. 149), fato que nunca se concretizou, propiciando que entidades passassem a funcionar sem qualquer controle, muitas vezes prejudicando os segurados (..). A ausência de regulamentação pública franqueou o espaço à autonomia privada. Num setor de atividades dominado pelos contratos de adesão, os abusos seriam inevitáveis.34

Percebendo a necessidade de uma legislação específica para o setor e levando em consideração a possibilidade de minimizar os problemas reclamados, entidades médicas atuaram ativa e decisivamente no processo de regulamentação, participando de reuniões e audiências públicas. Maria Stella Gregori ilustra que:

Pode-se dizer, resumidamente, que o processo de normatização do setor saúde suplementar no Brasil se deu, inicialmente, em três fases, com foco na sustentabilidade do setor. Em seguida, esse processo se desenha com foco na qualidade agregada ao valor da sustentabilidade, construindo uma nova perspectiva do modelo de regulação.35

A Lei 9.656/98, de certa forma, revolucionou o mercado de saúde suplementar no Brasil. São muitos aspectos importantes, dentre os quais, podemos citar alguns como principais.

34 Pasqualotto, Adalberto. A regulamentação dos planos e seguros de assistência à saúde... cit., p.40.

35 Gregori, Maria Stella. Planos de Saúde: A ótica da proteção do consumidor. São Paulo: RT. Pontes Editora,

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