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A atual configuração do Coletivo de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Piauí

1. MOVIMENTOS SOCIAIS RURAIS NO BRASIL E A EMERGÊNCIA DO MOVIMENTO DAS MULHERES TRABALHADORAS RURAIS

2.10 A atual configuração do Coletivo de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Piauí

Após seis anos sem que um projeto financeiro fosse aprovado, o CMTR (PI) conseguiu que uma ONG suíça, denominada Brucke le Pont firmasse compromisso de contribuir financeiramente, durante dois anos consecutivos, com possibilidade de renovar o referido projeto por mais dois anos. Assim, a entidade retomou, com mais intensidade, suas atividades, inclusive a programação de formação nos municípios. Apesar de tais recursos, só reativaram as atividades em dez municípios: Morro do Chapéu, São João do Arraial, União, Barras, Batalha, Piririri, Amarante, Pio IX, Queimada Nova, Esperantina.

No ano de 2006, consta nos relatórios um seminário regional em parceria com o MMTR(NE) sobre o Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural, com o objetivo de debater a situação. Como o assunto já fazia parte da preocupação do CMTR(PI) desde sua criação, isso contribuiu para a entidade se dispor a participar da campanha de documentação lançada pelo governo federal. A documentação da mulher rural é o primeiro avanço na conquista dos demais direitos, dizem as mulheres. Outra preocupação do CMTR(PI) discutida no mesmo seminário estava relacionada à organização política, econômica e social das trabalhadoras rurais. Ali, a entidade chamou a atenção das trabalhadoras para a organização

política e convocou-as a rever sua própria situação política: na família, na comunidade, associação, sindicato, partido político e grupos de produção etc.

As trabalhadoras, por sua vez, relatam as dificuldades ainda enfrentadas nesses espaços. Em relação à política partidária, algumas alegam:

não é porque as mulheres não gostam de política que nós temos essa participação tão pequena, tão minoritária. Ainda hoje o acúmulo de tarefas que as mulheres estão envolvidas dificultam a participação das mulheres nos partidos políticos e nos pleitos eleitorais (Betina).

Outras realçam uma lista de obstáculos à sua participação nas campanhas eleitorais. Primeiro, faltam de recursos econômicos para bancar minimamente a campanha e interesse real dos partidos de tornar candidata uma trabalhadora rural, além do enfrentamento da dupla ou tríplice jornada de trabalho; terceiro, falta compromisso dos partidos para incluir a agenda dos direitos humanos das mulheres nos programas; por fim, a precariedade das leis que garantem a participação das mulheres, constitui ainda grande empecilho. (RELATÓRIO DO CMTR (PI) DE 2008). Em depoimento, uma das fundadoras do Coletivo declarou que se candidatou apenas com a “cara e a coragem”, por três mandatos consecutivos, para vereadora no município de Piripiri, pelo Partido dos Trabalhadores. Mesmo não tendo sido eleita, segundo ela, “estava ocupando o espaço conquistado pelas mulheres”.(Guilhermina) Com isso buscava encorajá-las a não desistir de ocuparem os espaços já conquistados.

Em relação à autonomia econômica, elas vêm, nos últimos anos, discutindo e exigindo do Estado a implementação de políticas públicas de geração de renda, na tentativa de avançar na conquista de autonomia econômica, de melhores condições para levar vida digna com sua família em suas comunidades. Isso tem sido muito difícil, o crescimento aparece muito pouco. Ao trazer para o debate as experiências vivenciadas desde a década de 1990, elas criam expectativas quanto à implantação de projetos produtivos que gerem renda e possam contribuir para a autonomia financeira. Uma trabalhadora rural do município de União fez a seguinte observação:

Temos muita dificuldade de conseguir uma geração de renda pra gente, porque, quando se trata das mulheres participarem de um projeto, é de responsabilidade da família. Aí a mulher não é considerada como parte integrante da produção. Ainda é reforçada a desvalorização do trabalho da mulher, que, por não ser considerado produtivo, não tem o mesmo valor que o trabalho dos homens (Joana).

As próprias trabalhadoras sinalizam que é necessário continuar investindo no sentido de equiparar a valorização do trabalho das mulheres e dos homens, bem como investir na criação de mecanismo que proporcione renda para elas, de modo a permitir maior autonomia nas decisões familiares.

Assim, o CMTR (PI) chegou a 2007, retomando gradativamente as suas ações junto às mulheres dos municípios mais próximos da sede. A programação constou de três encontros semestrais da diretoria e as oficinas realizadas nos municípios supracitados. A participação nas oficinas em cada município variou entre 50 e 60 mulheres. Os conteúdos programados para as oficinas educativas foram: economia solidária; gerenciamento e empreendimento na produção e comercialização, no sentido de contribuir para alternativa geradora de trabalho e renda, bem como para a satisfação direta da necessidade das comunidades; a saúde da mulher, com ênfase nas doenças sexualmente transmissíveis. Segundo elas, não há oportunidades de discutir essa temática em outros espaços: o médico se limita apenas às consultas. Diz uma delas: “nem posto de saúde, nem o programa de saúde da família, nem a escola estão provendo ou refletindo sobre as informações corretas sobre a saúde para as mulheres e os adolescentes”. Há preocupação na fala das mulheres, pois elas são as que mais sofrem como vítimas das doenças sexualmente transmissíveis e como responsáveis pelos filhos adolescentes, muitas vezes vítimas da desinformação. Assim disse outra trabalhadora: “As dificuldades em tratar do assunto acabam trazendo maiores problemas, como adolescentes e adultos com doenças sexualmente transmissíveis, por não entenderem a importância de métodos contraceptivos.”

No entanto, em meio às dificuldades, o MMTR(PI) encontrou motivo para grande celebração em 2006 e 2007: em 2006, a história de luta de Maria Rosalina dos Santos, sócia- fundadora do CMTR(PI), mereceu o prêmio Margarida Alves concedido a Carlos Alexandre Barboza, pesquisador. Em 2007, duas trabalhadoras rurais do CMTR(PI) concorreram ao prêmio Margarida Alves na categoria “memória”, promovido pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) e Secretaria Especial de Política para as Mulheres. Ambas as trabalhadoras – Francisca das Chagas e Maria Aparecida Alves – foram premiadas, causa de muita alegria para o Coletivo, principalmente, pela visibilidade das trabalhadoras rurais do Piauí. Nesse mesmo ano, o Coletivo integrou a terceira Marcha das Margaridas,realizada em agosto de 2007, em Brasília, com a participação de 50.000 mulheres contra a fome, a pobreza, a violência sexista. O CMTR (PI) participou, ainda, da equipe de capacitação de educadoras, para trabalhar

com mulheres trabalhadoras rurais do Nordeste, do programa de formação de educadoras durante dois anos, e foi co-autora do livro A Estrada da Sabedoria na pessoa de Maria Aparecida Alves. A obra foi organizada pelo Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste durante o ano 2006.

Encerrou-se o ano de 2007 com um seminário estadual sobre políticas públicas para as mulheres, com o objetivo de fortalecer a organização e participação da entidade. O evento contou com a presença de 80 mulheres dos municípios. Em seguida, realizou-se a assembleia do CMTR (PI) em torno do tema “empoderamento da trabalhadora rural nos espaços de poder” a fim também de prepará-las e encorajá-las para a participação político-partidária nas eleições de 2008.

A avaliação delas referente às ações desenvolvidas no ano de 2007 foi positiva, porque o CMTR(PI) se reanimou com a possibilidade de rearticular os grupos de trabalho, reabriu a sede que estivera, por algum tempo, quase fechada e contratou uma secretária e uma assessora técnica e contábil.

Nesse contexto, o CMTR (PI) ampliou sua parceria para além das organizações populares, como a Caritas, CPT, Cepes, dentre outras. Conta hoje com o apoio da Delegacia Regional do Trabalho, da Secretaria Estadual de Planejamento por meio do Programa de Combate à Pobreza Rural e do Programa de Saúde da Família vinculada à da Secretaria de Ação Social do Estado, e com o apoio da Coordenadoria Estadual de Direitos Humanos e Juventude. Quanto à Diretoria de Política para as Mulheres, o apoio se dá de varias formas: assessoria, parceria em determinadas atividades, divulgação dos eventos, infraestrutura para realização de encontros, dentre outras.

Em 2008, ano da conclusão da pesquisa de campo, comemoraram-se os 20 anos de caminhada do CMTR(PI). Participei de algumas atividades tanto durante a preparação, com assessoria nas oficinas nos municípios, quanto durante o seminário comemorativo, realizado de 7 a 9 de novembro de 2008.

A programação constou de 10 oficinas educativas nos diferentes municípios, nas quais se debateram temas que, segundo as mulheres, viriam contribuir para o empoderamento social, econômico e político. Para isso, no entendimento delas, seria necessária capacitação contínua sobre a participação na política, na economia e nas relações sociais. E ainda: como gerar mudanças na condição de vida de cada uma e de suas famílias. De acordo com uma das

mulheres, “hoje trabalhar o desenvolvimento sem a participação direta de nós, mulheres trabalhadoras rurais, é impossível”. Essa consciência, que é crescente nas trabalhadoras, manifesta-se nos relatórios e depoimentos, sobretudo, das participantes das oficinas municipais as quais nesse ano, aconteceram com 300 trabalhadoras rurais a discutir o tema “participação política, geração de renda e saúde da mulher.”(Lídia). Na fala de uma delas, é possível apreender o que elas pensam de si a esse respeito:

A mulher hoje está preparada para participar. A vida inteira, em nossas famílias, passamos administrando o mínimo de recurso para suprir a necessidade dela. Demonstramos que sabemos administrar o dinheiro do PRONAF, quando o governo confiou e criou uma linha de crédito para nós, a dificuldade maior é que os homens do poder tem medo de nossa presença e dificultam ainda muito a nossa participação. (Hilda)

O CMTR (PI) buscou estimular, sobretudo nesse mesmo ano, a participação direta nos espaços de poder, disponibilizando seus nomes para candidatura nos respectivos municípios, bem como proporcionando informações básicas para vivenciarem o processo eleitoral de 2008. Buscou subsidiar a “construção do discurso e plataforma da campanha e a prática política, incorporando à busca do aperfeiçoamento da democracia, as perspectiva de gênero, raça e etnia” (CMTR (PI) RELATÓRIO DAS ATIVIDADES DE 2008). Ainda no mesmo ano, Maria Rosalina dos Santos, do município de Queimada Nova, a qual já havia sido candidata a prefeita no pleito anterior, conseguiu eleger-se vereadora pelo Partido dos Trabalhadores.

Durante a pesquisa de campo, constatei que, apesar das dificuldades, havia um clima de festa nesse período. Foram 10 meses de intenso diálogo e mobilização das mulheres, articulação de entidades parceiras, organização de infraestrutura para a comemoração de “20 anos de sonhos e realizações” do CMTR (PI). A ideia inicial das diretoras era mobilizar todas as mulheres que já haviam participado do Coletivo nas diferentes regiões, de modo a propiciar-lhes análise da sua história de luta e inclusão social e a estimular as mulheres e o movimento a partir dos grupos de base, enfim, a celebrar festivamente os 20 anos de caminhada. Então, foram convidadas para a comemoração 108 mulheres, lideranças rurais de 36 municípios das sete regiões do Estado, bem como representantes mulheres e homens das entidades parceiras do Piauí e da região Nordeste.

O seminário teve como tema geral “Mulher trabalhadora rural ontem e hoje”, ou seja, ênfase na vida das mulheres antes e do depois do movimento. Deu-se relevância também à temática da mão de obra escrava exportada pelo Piauí para outros Estados bem como para o

tráfico internacional de mulheres – realidade que merece atenção de todos os segmentos comprometidos com a defesa dos direitos humanos. Outro ponto de destaque na programação foi a análise da conjuntura social, política e econômica do país.

O evento – dinâmico e profundamente participativo – foi noticiado pela imprensa local como relevante na luta pela cidadania das mulheres trabalhadoras rurais do Estado e pela efetivação da democracia. O acontecimento contou com a participação de autoridades governamentais – sobretudo deputados e deputadas parceiros na caminhada do Coletivo – e as entidades parceiras mencionadas ao longo da tese.Em clima de muita alegria, encerrou-se o seminário com a noite cultural, cuja programação constou da homenagem por parte do Coletivo às pessoas ou entidades que foram destaque pela colaboração com o CMTR(PI) durante os 20 anos de caminhada. Dentre as pessoas homenageadas, ressalto Antonia Fernandes de Amorim (Suzana), uma das idealizadoras do Coletivo, a qual empresta seu nome à sede da entidade. Por fim, fez-se justa homenagem póstuma a Nazaré Flor26, cantando-se a canção de sua autoria “Essa luta não é fácil, mas vai ter que acontecer, a mulher organizada tem que chegar ao poder”.

E assim se foram duas décadas de muita luta, sofrimento e desafios que revelaram, sobretudo, a capacidade de resistência das mulheres na conquista da cidadania. A postura assumida depois do seminário comemorativo tem demonstrado que elas não estão acomodadas na conquista da autonomia financeira das trabalhadoras rurais; ao contrário, isso levou o Coletivo a, estrategicamente, priorizar para o triênio 2009-2012 a implantação e o acompanhamento de nove projetos de geração de renda nos municípios onde sua presença é mais atuante. Oficialmente o quadro de sócias continua em torno de 60. O CMTR(PI) atinge, diretamente pelas suas ações formativas, a média de 450 mulheres entre lideranças e grupos de base.

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