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Alguns aspectos políticos e sociais do espaço rural onde se deu a construção do Coletivo das Trabalhadoras Rurais do Piauí

1. MOVIMENTOS SOCIAIS RURAIS NO BRASIL E A EMERGÊNCIA DO MOVIMENTO DAS MULHERES TRABALHADORAS RURAIS

2.1 Alguns aspectos políticos e sociais do espaço rural onde se deu a construção do Coletivo das Trabalhadoras Rurais do Piauí

O espaço rural vem passando por significativas mudanças quanto à sua caracterização como espaço de produção agrícola e como lugar de diferentes atores sociais. Tais mudanças nos levam a questionar a visão, alimentada em décadas anteriores, de que ali reside o atraso, a privação ao conforto, enfim, de um lugar homogêneo. Hoje, ao contrário, percebe-se como um lugar dinâmico, possível de abrigar vários sujeitos sociais e de proporcionar sua integração social, ou seja, não se trata mais apenas de lugar de produção agrícola, embora essa ainda seja sua mais forte característica. (WANDERLEY, 2001).

Na década de 1980, impulsionados pelo processo de redemocratização do país e pela esperança de que as liberdades políticas poderiam vir imbuídas de novos direitos, muitos atores sociais se organizaram no campo e na cidade. No campo, a luta girava, principalmente, em torno das questões da terra, conforme mencionei no capítulo anterior, da reforma agrária e das condições para morar e trabalhar. Com isso, multiplicaram-se as organizações sociais, os grupos, os movimentos, comprometidos ou não, com a luta dos trabalhadores. Por outro lado, aumentaram os conflitos entre o latifúndio e trabalhadores, a grilagem de terras e a resistência dos posseiros; desencadeou-se também o processo de ocupações das terras ociosas, sobretudo, por parte do movimento dos trabalhadores sem terra (MST).

Na zona rural do Piauí, a situação não era diferente: de um lado, aumentava o avanço da monocultura da soja e da cana-de-açúcar com elevado padrão de tecnificação, concentração de capital, de terra e de exploração da mão de obra do trabalhador (MORAES, 2009); de outro, as famílias, sem incentivo para a melhoria do solo, sem financiamento suficiente para produção que assegurasse a reprodução da força de trabalho do grupo familiar e sem uma reforma agrária que segurasse as famílias na terra, lutavam pela sobrevivência na agricultura familiar. (INCRA, 2005).

A história de luta das mulheres trabalhadoras rurais se inscreve no quadro compreendido no interior da conjuntura nacional da década de 1980, quando o processo de articulação entre sociedade civil e política tomava novo rumo. Assim, o nascimento do CMTR (PI) se insere no campo das mudanças ocorridas no âmbito nacional associadas aos elementos estruturais da região e ao avanço do movimento feminista, que questionava, cada vez mais, a opressão de gênero nos diferentes espaços sociais.

As mudanças no âmbito nacional se relacionavam ao processo de abertura política e ao fortalecimento da sociedade civil no empenho pela redemocratização, que conduziu o país à refundação da ordem democrática – a abertura que agilizou a reestruturação de forças políticas (DAGNINO, 2002). Esse processo representou o resgate do Estado de direito e das prerrogativas institucionais, culminando com a elaboração da Constituição de 1988, que põe em evidência temas como descentralização, reordenamento institucional, controle social e universalização dos direitos. A verdade é que as ações pela redemocratização ganharam força com o amplo movimento pelas eleições diretas, o qual alimentou a esperança das diferentes forças sociais de que a volta da liberdade de expressão, dos direitos de ir e vir e dos direitos civis chegasse, ao mesmo tempo, com a ampliação dos direitos políticos e sociais, de modo a garantir um padrão digno de vida.

Na metade dos anos 1980, a sociedade civil atingiu um grau de consolidação capaz de assimilar a pluralidade dos interesses dos diferentes sujeitos sociais, daí a proliferação dos diferentes movimentos empenhados em conquistar seu lugar legítimo no Estado democrático. De outra parte, o processo de expansão do capitalismo no campo estava calcado na expropriação do trabalhador rural e na concentração da terra, no sentido de se explorar a monocultura para exportação. Isso, de certo modo, mudou o conceito das grandes extensões de terras desocupadas

– tidas, por muito tempo, como sinônimo de atraso, desolação e isolamento do campo –, mas os efeitos dessa mudança pouco significou para melhoria da vida dos pobres (MARTINS,1986).

No Piauí, a terra estava concentrada nas mãos de poucos – herança do processo de colonização que lá elevou o latifúndio à condição de elemento natural imprescindível ao funcionamento do sistema econômico (SOUSA MARTINS, 2003) –; as relações econômicas e de gênero mantinham nítidos traços do período colonial; os pequenos agricultores agregados às grandes fazendas assumiam o trabalho submetidos ao sistema de arrendamento na agricultura de subsistência e na coleta dos produtos extrativistas, principalmente o coco babaçu, usado como complemento na renda familiar. Além do mais, a estrutura familiar se moldava segundo o padrão patriarcal, no qual o trabalho duro das mulheres se tornava invisível, e a sexualidade e a liberdade de movimento eram altamente controladas (THAYER, 2001).

Os conflitos na região norte do Estado começaram a se agravar em decorrência da elevação das taxas cobradas pelos latifundiários aos trabalhadores pelo uso da terra.Isso diminuiu a possibilidade de as famílias se manterem nas áreas de trabalho, o que estimulou a migração de membros das famílias para os centros urbanos bem como a luta pela posse da terra e pelo controle dos produtos extrativistas (ADAD E LIMA, 1987).

Estudos realizados no Estado, na década de 1980, revelaram que o Piauí apresentava estrutura fundiária e distribuição de renda no campo das mais concentradas do Nordeste. Segundo Adad e Lima (1983)

[...] Entre os anos 1960 a 1980 o crescimento da concentração fundiária no Piauí foi mais intenso que no total da região, com base no índice de GINI, calculado com os dados do IBGE do ano de 1983, o índice de concentração ao uso da terra no Estado cresceu de 0, 7835 para 0, 8652, enquanto na região Nordeste o aumento foi de 0,8006 para 0,8196. Nesse período, a política de aproveitamento das terras públicas estaduais estava sob a responsabilidade da Companhia de Desenvolvimento do Estado do Piauí (COMDEPI). No intuito de promover o desenvolvimento econômico no Estado, a COMDEPI alienou através das empresas agropecuárias grandes extensões de terras públicas. (ADAD E LIMA 1983, p. 84- 85).

Assim, ampliou-se a concentração de terras nas mãos de poucos, porém com reduzida produtividade ou totalmente ociosas. Enquanto isso, os pequenos agricultores, a maioria sem terra, continuavam trabalhando sob o sistema de arrendamento ou de posse.

A situação do pequeno produtor e família era agravada pelo fato de a agricultura de subsistência não contar com incentivo suficiente para poder intensificar a produção e repor a força de trabalho. Resultado: desagregação da família pela expulsão de seus membros para a periferia das cidades ou abandono das pequenas unidades de produção. Por outro lado, as famílias impedidas de acesso a terra, pelo caráter concentracionista do Estado e pela elevação dos preços, iam instalando-se em áreas devolutas ou em propriedades abandonadas (Ibid).

Isso acarretou a concentração das famílias dos trabalhadores em algumas áreas, a exemplo da região norte do Estado, que passou a contar com maior número de “posseiros, 62,5%, arrendatários, 57,1%, e parceiros, 92,5%”, o que contribuiu para, em tal região, se iniciarem grandes conflitos pela posse da terra. A principal causa dos conflitos deveu-se às grilagens, ou seja, os grileiros cercavam as grandes áreas, proibiam as atividades extrativas e a caça e começavam a cobrar renda aos posseiros desavisados, além de usarem de violência para retirá-los dessas áreas (ADAD E LIMA, 1983, p. 86).

Não cabe aqui analisar os conflitos daí surgidos, por não ser o foco deste estudo, mas trazer subsídios para delinear a situação conjuntural em que viviam os trabalhadores rurais a qual trouxe à tona a problemática da mulher rural.

A luta pela posse da terra e pela apropriação de seus frutos se deu associada à proposta de renovação sindical estruturada fora da instituição, o que originou um grupo de oposição em busca da implantação de nova política voltada aos interesses daqueles que o sindicato devia representar. Propunha-se substituir os dirigentes representantes dos interesses da classe dominante por legítimos representantes da categoria por meio de eleições. Para tanto, tal grupo encontrou apoio necessário em alguns setores da Igreja Católica em cujas bases se estruturava o debate em torno da problemática da classe trabalhadora. Isso pode ser compreendido por duas vias: de um lado, o descompromisso do sindicato, que, naquele momento, não conseguia ser um espaço para o debate e para a luta; de outro lado, alguns setores da Igreja Católica vinham destacando-se pelo trabalho exercido em defesa dos trabalhadores. Além do mais, outros órgãos haviam sido criados para assessorá-los, a exemplo do Centro de Educação Popular Esperantinense (Cepes) ( MEDEIROS, 1996).

Na CPT é que os trabalhadores conseguiram reunir-se para exteriorizar suas insatisfações, debater os problemas e organizar o confronto com os sindicatos pelegos no enfrentamento do latifúndio no campo. Foram esses trabalhadores e instituições que contribuíram para as

mudanças sindicais, inclusive chegaram a ocupar a direção dos sindicatos em alguns municípios (JOSÉ MEDEIROS, 1996). Exatamente em tal processo e reflexões reside o embrião da luta das trabalhadoras rurais, quando também o feminismo está em processo de expansão em âmbito nacional. Os grupos de mulheres já surgiam no campo e na cidade, conforme análise no capítulo anterior, e as questões de opressão referentes às mulheres começavam a ganhar visibilidade. Eram as próprias mulheres que, algumas vezes, traziam para o debate público (na academia, nos grupos e movimentos sociais ou na imprensa escrita, ou televisiva) o que antes se restringia ao âmbito do lar: a opressão, a violência, a negação da mulher como sujeito de direito (PINTO, 2003).

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