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A atualização do debate sobre o imperialismo

Capítulo 4 ANTIIMPERIALISMO

4.1 O imperialismo como etapa do capitalismo

4.1.2 A atualização do debate sobre o imperialismo

Ao analisar o imperialismo no final da década de 1970, Poulantzas retoma a conceituação leninista, destacando a tendência para a queda na taxa de lucro e caracterizando o imperialismo pela proeminência da exportação de capitais sobre a simples exportação de mercadorias, na fase do capitalismo monopolista (Poulantzas, 1975, p.49).

Mais recentemente, na tentativa de atualizar o conceito de imperialismo, Chesnais afirma que com a virada da década de 1970 para a década de 1980, os países da OCDE iniciaram um processo de liberalização comercial, desregulamentação dos mercados e privatização das empresas estatais80 que repercutiu sobre o modo de funcionamento do capitalismo ao longo da década de 1990, gerando desemprego estrutural e precarização das relações de trabalho; crescimento dos rendimentos de origem financeira e reconstituição dos grupos rentistas; instabilidade econômica; deflação etc. (CHESNAIS, 1997).

O imperialismo constitui um processo ao mesmo tempo político e econômico, que não dilui os Estados nacionais, nem as relações de dominação e dependência política entre eles, como já havia afirmado Lênin no século passado. Para desempenhar a sua função, os Estados nacionais intervêm em todas as partes para inserir o capital (PETRAS, 2000, p.37).

Sob a hegemonia dos EUA, o imperialismo acaba organizando as relações de suas metrópoles por meio de uma estrutura de dominação e de dependência. Para isso, funciona em

80Cujo marco foi a ascensão dos governos neoliberais de Thatcher, em 1979, na Inglaterra, e de Reagan, em

1980, nos EUA.

81O SELA (Sistema económico latinoamericano y del Caribe) foi criado em 1975 com objetivo de ser um

organismo intergovernamental. É integrado por 27 países de América Latina e do Caribe, a saber: Argentina, Bahamas, Barbados, Belice, Bolivia, Brasil, Colombia, Costa Rica, Cuba, Chile, Ecuador, El Salvador, Guatemala, Guyana, Haití, Honduras, Jamaica, México, Nicaragua, Panamá, Paraguay, Perú, República Dominicana, Suriname, Trinidad y Tobago, Uruguay y Venezuela (http://www.sela.org/es/estados- miembros/venezuela/)

conexão com intermediários locais conectados por alianças militares e econômicas ou por laços bilaterais, beneficiando as frações de classes governantes de cada país. O Estado imperial norte-americano compõe-se de um conjunto de agências (como as instituições multilaterais FMI, BM, BIRD, OMC, ONU) e órgãos executivos do governo, que têm como função promover e proteger a expansão do capital além de suas fronteiras estatais e manter o equilíbrio na luta de classes e intraclasses. Para isso, dispõe de um aparato econômico, um coercitivo e outro ideológico que operam para facilitar a acumulação em escala mundial e favorecer a comunidade corporativa multinacional, cuja sede está no centro imperial (PETRAS, 1986). A hegemonia política, econômica e ideológica está sob direção da burguesia financeira internacional, em simbiose com a burguesia interna.

As intervenções estatais e o processo de militarização são elementos do surgimento do que Poulantzas chamou de “estatismo autoritário”. Trata-se de uma tendência ao reforço do Estado, principalmente em direção às lutas populares e ao perigo que ela representa para a hegemonia da fração da classe no “bloco no poder”, que está relacionado ao capitalismo monopolista e ao imperialismo (POULANTZAS, 2000, p.215). Por ter sua origem nas modificações estruturais das relações de produção capitalistas e nos processos de divisão social do trabalho, no plano mundial e nacional, simultaneamente, as transformações do Estado ocorrem no conjunto dos países capitalistas, como se observa na América Latina, com a emergência de uma nova forma de Estado dependente.

A América Latina foi a principal vítima do imperialismo. Para efetivar a política de criação de condições do capital financeiro, os Estados nacionais deveriam não só criar garantias de inversão do capital transnacional mediante regimes de propriedade, de comunicação e de intercâmbio adequados, mas criar condições de produção e reprodução (AGUILAR CASTRO, 2002). Surge, assim, uma nova classe de capitalistas transnacionais, dependentes do financiamento externo. Ocupam posições dominantes em uma diversidade de setores econômicos estratégicos e entretêm fortes relações com o aparato de Estado.

O chamado “Consenso de Washington”, de 1989/90 tinha como objetivo debilitar as nações latino-americanas por meio da diminuição do papel do Estado na economia, estabelecendo a desregulamentação, a abertura econômica e a privatização de empresas estatais como condição sine qua non para a renegociação da dívida externa (MONIZ BANDEIRA, 2003 p.475). Em suma, estas políticas acabaram aprofundando os laços de dependência dos países da região ao capital imperialista norte-americano.

Em contrapartida, na tentativa de criar laços regionais de poder, a América Latina criou o Mercosul (Mercado do Cone Sul), nos moldes da UE, com vistas a eliminar as

restrições do comércio e estabelecer uma tarifa externa comum para possibilitar a livre circulação de bens e serviços e fatores produtivos (MONIZ BANDEIRA, 2003, p.484). Outras formas de unificação das forças dos países dependentes já haviam se formado. Por exemplo, aquelas formas traduzidas não só pelo fortalecimento e radicalização das reivindicações do bloco dos não-alinhados nas Nações Unidas, mas pela formação de cartéis de países exportadores e na tentativa de desenvolver mecanismos de integração regionais ou sub-regionais, como a criação de corporações multinacionais através de capitais estatais integrados. Algumas destas tentativas são, por exemplo: SELA81, Naviera del Caribe82, Pacto Andino83, OPEP84, etc.

Na tentativa de limitar o papel do Mercosul e abrir o comércio na região, o NAFTA, sob a liderança dos EUA, propôs a implementação da ALCA (Área de livre comércio das Américas), uma zona que assegura a máxima liberdade para o livre comércio sem permitir a livre movimentação da força de trabalho dentro de seu perímetro e sem a adoção de uma tarifa externa comum ou de um pacote comercial comum. Desta forma, a ALCA possibilitaria um incremento nas exportações, uma compensação do déficit comercial dos EUA com outras regiões às custas da América Latina, formalizaria a Doutrina Monroe em sua dimensão econômica, possibilitaria ainda a expansão do domínio dos EUA sobre o mercado da América do Sul e subordinaria os Estados da sub-região às suas diretrizes político-militares.

Enquanto a ALCA era concebida como simples área de livre comércio, o Mercosul era uma união aduaneira, que estipularia tarifas mais altas para os Estados não- associados. O Mercosul pretendia evoluir para um mercado comum e isto não convinha ao imperialismo, uma vez que, provavelmente, afirmaria a identidade latino-americana como separada e, se necessário, oposta à dos EUA e ao NAFTA (MONIZ BANDEIRA, 2003, p.584).

Ademais as forças armadas de Washington, por meio da proliferação militar- industrial, buscam sufocar qualquer luta contra a ordem imperial e assegurar às suas

81O SELA (Sistema económico latinoamericano y del Caribe) foi criado em 1975 com objetivo de ser um

organismo intergovernamental. É integrado por 27 países de América Latina e do Caribe, a saber: Argentina, Bahamas, Barbados, Belice, Bolivia, Brasil, Colombia, Costa Rica, Cuba, Chile, Ecuador, El Salvador, Guatemala, Guyana, Haití, Honduras, Jamaica, México, Nicaragua, Panamá, Paraguay, Perú, República Dominicana, Suriname, Trinidad y Tobago, Uruguay y Venezuela (http://www.sela.org/es/estados- miembros/venezuela/)

82Empresa de transporte marítimo.

83Atualmente conhecida como Comunidade Andina de Nações, é um bloco econômico da América do Sul

(Bolivia, Equador, Peru e Colômbia).

multinacionais a extração da mais-valia; além de praticar intervenções militares para derrotar regimes desobedientes (para concretizar a crescente militarização, as intervenções e os golpes, os EUA utilizam a ONU como organismo político legitimador).

Esta prática cresceu em quase todos os países, com notável exceção da Venezuela e Cuba (CHOMSKY, 2006). O governo Chávez foi caracterizado como um “regime desobediente”, o que levou à uma tentativa de destituir o governo constitucional por meio do golpe de Estado, apoiado pelos EUA em 2002.

Resta-nos saber, portanto, como estas questões foram desenvolvidas durante o governo Chávez. Houve um aprofundamento das políticas imperialistas ou um enfrentamento político-ideológico em direção à principal potência imperialista? Sabemos que um dos legados do governo Chávez foi o discurso antiimperialista, principalmente antiestadunidense. Seu governo foi altamente marcado pelos inflados discursos. A questão que devemos examinar é se as relações imperialistas do país na Venezuela ficaram- ou não- prejudicadas com o governo Chávez.