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Burguesia de estado, burguesia nacional, burguesia interna?

Capítulo 6 CAPITALISMO DE ESTADO

6.3 Burguesia de estado, burguesia nacional, burguesia interna?

Para respondermos às questões levantadas acima, precisamos entender mais detalhadamente quais são as frações do capital que se beneficiam do governo Chávez. Seria uma burguesia nacional? A burguesia nacional é uma fração autóctone que, a partir de certo grau de contradições com o imperialismo estrangeiro, pode agir na luta anti-imperialista (POULANTZAS, 1975a). A política econômica do chavismo contempla interesses de frações da burguesia local. Entretanto, estes setores não fazem parte da burguesia nacional na medida em que não são independentes do capital internacional imperialista. Mais ainda, o desenvolvimento das forças produtivas neste país dependente não logrou as condições de se criar uma burguesia nacional, mas a ideologia nacionalista foi absorvida por setores das Forças Armadas ligadas ao bolivarianismo.

A tese do capitalismo de Estado nos fornece uma importante contribuição para pensarmos o governo Chávez no que se refere a constituição da burocracia de Estado como classe social, a burguesia de Estado. Apesar de a categoria de burguesia de estado em Bettelheim ter sido criada para analisar a sociedade soviética, esta categoria pode ser

transposta para analisar a formação social venezuelana. Trata-se, como vimos, de um país com um parque industrial pouco desenvolvido, com uma economia de enclave mineiro e onde o Estado sempre ocupou papel central.

Além disso, alguns autores utilizaram a categoria de capitalismo de Estado para analisar a América Latina e a África nos anos 70 e 80. Para estes, em países semi- industrializados, a participação do Estado na esfera produtiva é determinante e a burocracia é uma das únicas camadas organizadas da sociedade, assim sendo, a análise da burocracia soviética é transposta para dar conta destas formações sociais. As categorias de burguesia de estado e capitalismo de Estado foram utilizadas para analisar a inexistência ou fraqueza da burguesia nacional destes países, onde a burocracia termina por dispor de um poder devido à importância do setor produtivo do Estado (QUIJANO; MARTINS; PEREIRA; Apud HIRATA, 1980, p.52).

Ademais, em países dependentes do capital estrangeiro, cujas relações com o centro do imperialismo se dão em virtude das formas que assumem as importações de capitais estrangeiros e o processo de industrialização dependente, devido ao atual processo de internacionalização da produção e do capital, há o predomínio da fração da burguesia interna, composta por setores produtivos - indústria de bens de consumo e setor de indústria de construção - mas que também se estendem a áreas que dependem deste processo de industrialização como transportes, circuitos de distribuição (capital comercial) ou mesmo de serviços (principalmente turismo) (POULANTZAS, 1976, p.37).

Nestes países dependentes, sem uma burguesia nacional constituída, as Forças Armadas (ou parte dela) tendem a assumir uma condição de força social progressista como é o caso de Alvarado no Peru, Torrijos no Panamá, do tenentismo no Brasil, Nasser no Egito, Ataturk na Turquia, etc. Na Venezuela, o aparato militar caracterizou grande parte do chavismo. Apesar de haver conflitos no interior das F.A. na Venezuela, principalmente em relação ao golpe de estado de 2002, quando parte dos militares (principalmente os de alta patente), apoiaram o golpe e outros de baixa patente contribuíram para o retorno do presidente Chávez, o grupo “nacionalista”, sob o comando de Chávez, era hegemônico, em detrimento dos grupos pró-imperialismo, derrotados politicamente. O grupo militar chavista, bolivariano, com uma ideologia nacionalista, passa a defender políticas voltadas ao desenvolvimento nacional e o crescimento do papel do Estado na economia. Desta forma, passa a se aliar com setores da burguesia local, principalmente ligados ao pequeno e médio capital, o que acabou gerando conflitos com o capital internacional.

Por ser dependente do capital estrangeiro, a fração da burguesia interna apresenta contradições importantes com o imperialismo porque se sente frustrada na repartição do bolo da exploração das massas, ou seja, a transferência da mais-valia se faz em detrimento dela e a favor do capital estrangeiro e seus respectivos agentes, chamados por Poulantzas de burguesia compradora. Porém, sua fraqueza política demonstra que ela não pode assumir, na maior parte do tempo, a hegemonia política sobre o bloco no poder, que é da burguesia financeira. Para romper com a própria configuração dominante do bloco, ela precisa do Estado, que permite uma solução negociada e permanente através da representação orgânica das diversas classes e frações no bloco no poder.

Com o fortalecimento do Estado por meio do maior controle sobre a riqueza nacional, o governo Chávez passou a impulsionar setores que pudessem acumular forças e apoio na confrontação política que estava enfrentando entre os anos de 2001 e 2003. Com a melhoria da economia nacional e a vitória no referendo revogatório em 2004, o governo passou a impulsionar as pequenas e médias indústrias através de financiamentos e estes setores passaram a se aliar ao chavismo.

Se impulsa la pequeña y mediana industria a traves de financiamientos preferenciales y masivos, del compre nacional, de las rondas de negocios de PyMEs y cooperativas con las empresas públicas (...) estos grupos pueden considerarse aliados del gobierno (LACABANA, 2006, p.347)

Ademais, o governo passa a investir em produção de alimentos com base na soberania nacional. Para isso, reapropriou as terras públicas que haviam sido apropriadas ao longo dos anos pelos setores dominantes terratenentes, gerando um conflito com estes setores.

Na área industrial, criou o Ministério de Industrias ligeras y de Industrias basicas de forma separada, iniciando uma política de reindustrialização que impulsionou a recuperação das indústrias que sofreram as consequencias negativas da abertura econômica neoliberal dos anos 1990 e a diversificação produtiva com base na internacionalização do petróleo. “En este sentido se visualiza un sector de la burguesia que no pertenece a la fracción dominante tradicional que se transforma en aliado del proyecto de transformaciones en marcha” (LACABANA, 2006, p.350).

Na área petrolífera, os altos funcionários controlam todos os contratos (de aluguel de ferramentas para extração e exploração, os chamados taladros). No setor de importação de alimentos, que cresceu devido à crise de abastecimento em 2009, a burocracia controla as importações por meio da PDVAL (subsidiária da PDVSA) que distribui alimentos a preços subsidiados no programa social Mercal (mercados estatais), o que desestabilizou a rede de