• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 2 POPULISMO

2.3. O chavismo é um governo populista?

Uma vez apresentadas as teses das correntes que se baseiam no populismo para caracterizar o governo Chávez, cabe indagarmos em que medida podemos falar em populismo na Venezuela chavista. Apesar das diferenças apontadas entre as correntes, a questão da

liderança e do personalismo de Chávez está presente em todas as vertentes teóricas do populismo chavista. Mas as análises do governo Chávez a partir da categoria de populismo como relação líder/massa desenvolvida por Weber se prendem à questão do carisma, da relação pessoal do líder (Chávez) com as massas (chavistas), sem com isso relacionar o populismo com uma prática de classe. Por outro lado, demonstram como esta relação personalista do líder acaba levando a um autoritarismo e à centralização do poder no executivo nacional, como por exemplo por meio das políticas das Missiones, que serviram de elo entre o líder e as massas. Ademais,

En todas las elecciones, tanto sean nacionales, regionales, locales o referendos, Chávez ha sido la figura principal bien porque se ha relegitimado en el cargo —como en el 2000 y en la reelección de 2006— o porque su liderazgo ha servido como «porta aviones» para los miembros de su elite política, quienes poco pueden competir con él. En el caso de los referendos, en todos ha operado la lógica de votar a favor o en contra de Chávez. De esta forma, se ha operado una relegitimación permanente del líder donde los partidos han sido apenas una parte de la plataforma que moviliza a las bases. Desde 2006, la tendencia a la personalización que la lógica plebiscitaria ha ido imponiendo se ha exacerbado. Luego de las elecciones regionales y locales de noviembre de 2008, el Presidente se dirigió a su partido: «He visto que algunos dicen que este triunfo se debió a tal o cual partido. Se equivocan, este triunfo es de Chávez y de nadie más» (LÓPEZ MAYA; PANZARELLI, 2011, p.48)

Os autores que se baseiam no chamado “populismo radical”, principalmente em Laclau, buscam demonstrar as potencialidades do governo Chávez, como por exemplo, a busca pela criação de mecanismos de participação popular e políticas que satisfaçam as demandas das minorias no país gerando uma maior distribuição da renda. Por outro lado, esta última corrente está fortemente marcada pela questão do discurso como forma de mobilização e organização política das classes dominadas. Ademais, ao relacionar a categoria de populismo ao discurso absorvido por Chávez do “povo”, com as diferentes políticas e o aprofundamento da democracia, estes autores acabam também não analisando o populismo como política e prática de classe.

O termo populismo há anos se perdeu como categoria de análise socio-histórica e acabou assumindo um sentido pejorativo, ou seja, qualquer governo ou regime político que seja caracterizado como populista já está condenado de antemão. “É a cristalização do prejuízo contra qualquer corrente política ou de pensamento que possua a intervenção estatal na economia, que promova uma política social (MEDINA, 2005, p.29).

O próprio Chávez rechaçou a caracterização de seu governo como populista, em uma entrevista:

Soy nacionalista, no chauvinista. Soy un nacionalista a lo bolivariano (...) Los nacionalismos, en tanto no sean negadores y perversos, son sanos en el mundo globalizado de hoy para mantener nuestras fuerzas internas, nuestras tradiciones, y no ser absorvidos por la aldea global. Populismo, en cambio, es cuando alguien, a nombre del pueblo y hablando por el pueblo, le clava la daga al pueblo (...) Es una degeneración de la democracia (CHÁVEZ, 1999)54.

Assim, apesar de muitos intelectuais identificarem o chavismo com o populismo radical, este conceito não pode ser aplicado cientificamente ao chavismo sem cair, com isso, em um “viés de desprezo e condenatório” (ZUBIRI, 2012, p.26).

A noção de populismo proposta pelos autores aqui apresentados, tanto de influência weberiana quanto laclauniana, nos ajuda a pensar algumas questões relevantes sobre a Venezuela contemporânea. Diferentemente do que é denominado neopopulismo, o governo Chávez foi eleito democraticamente com um discurso anti-neoliberal e seguiu uma agenda alinhada com este discurso contando, para isso, com as classes populares. Também diferentemente do populismo clássico, nos primeiros anos de mandato, o chavismo não contou com uma classe operária forte e organizada em grandes sindicatos, pelo contrário, estes estavam nas mãos das classes dominantes tradicionais, já tinham se deslegitimado e estavam perdendo força dado o aumento do mercado de trabalho informal (LACABANA, 2006).

Por outro lado, durante todos os anos de governo, Chávez foi a grande liderança do partido e do movimento. As organizações sociais variaram durante o governo Chávez, criadas de cima para baixo, algumas delas tiveram mais autonomia que outras, entretanto todas elas foram criadas para legitimar a liderança do presidente Chávez:

(...) organizaciones sociopolíticas creadas fuera del mvr, ligadas directamente a la defensa del presidente y con propósitos electorales como los Círculos Bolivarianos, las Unidades de Batalla Electoral y los Batallones Electorales. Estas organizaciones reforzaron el verticalismo y el personalismo político en torno a Chávez. En otra dimensión, se impulsaron organizaciones sociales en los barrios populares urbanos y en el campo dirigidas a gestionar con el Estado servicios públicos en las comunidades. Mesas Técnicas de Agua, Comités de Tierra Urbana o Rural, Comités de Salud, Madres del Barrio y otras constituyeron la base de un tejido social novedoso con distintos grados de autonomía y con el fin de concretar en la práctica

el derecho constitucional a la participación en la gestión de políticas públicas. Estas «comunidades organizadas» experimentaban para encontrar modalidades más eficientes al propósito de inclusión, autodesarrollo y solución a gravísimos problemas en el acceso a los servicios públicos impulsando una importante dinámica «de abajo hacia arriba» que generó el entusiasmo popular y explica la legitimidad que el presidente adquirió entre los sectores de ingresos bajos durante estos años (LÓPEZ MAYA; PANZARELLI, 2011, p.52).

A proximidade do governo Chávez na Venezuela com o fenômeno do populismo pode ser feita se buscarmos o caráter de classe deste governo, como proposto por Weffort e, posteriormente, por Saes e Boito, para o caso brasileiro. Conforme essa perspectiva, o populismo constitui uma ideologia pequeno-burguesa e uma prática política industrializante dirigida pela burocracia de estado, civil e militar, apoiada em amplos setores das classes populares. A burocracia assume papel de força social capaz de definir e de se organizar em torno de objetivos políticos específicos, assumindo a direção política devido a uma crise de hegemonia (BOITO, 1984, p.21). Ademais, enquanto uma ideologia política pequeno- burguesa, o populismo promove o culto ao estado protetor, um tipo de estatismo reformista superficial e uma identificação dos setores populares ao aparelho de Estado burguês (fetiche do Estado) (BOITO, 2005). Sabemos que as classes populares que apóiam o governo Chávez fetichizam o estado quando veem a burocracia como neutra, capaz de proteger e levar a cabo a transformação que almejam. Cabe salientar que esta fetichização do Estado não é desprovida de base concreta, pois as reformas políticas foram de fato empreendidas, principalmente no que se refere a uma maior distribuição de renda.

Ademais, como veremos sobretudo nos capítulos 5 e 6, a base social do chavismo é difusa e agrega desde setores informais, desempregados, camponeses, até setores médios e Forças Armadas. A relação das bases chavistas com o executivo nacional era muito próxima, muito centralizada na figura do presidente Chávez, mesmo depois de sua morte. Esta relação acabou prejudicando a organização mais descentralizada e autônoma das classes populares. As manifestações chavistas são organizadas de cima para baixo e centralizadas nos últimos anos na cúpula do PSUV, o que acaba contribuindo com as críticas acerca da concentração e hierarquização do poder. Além disso, há uma disputa sindical no país por meio da antiga CTV e a nova central sindical criada durante o governo Chávez, a CBST. Houve certa debilidade partidária durante o governo Chávez, mas isso se deu até os anos 2006. A partir deste período, os partidos se reorganizaram e passaram a disputar as eleições. O governo Chávez buscou implementar um projeto voltado para áreas de infra-estrutura (construção de metrôs, casas,

hospitais, etc.) por meio de acordos internacionais. O desenvolvimento industrial se deu com dependência ao capital estrangeiro e uma participação popular controlada. Ainda assim, gerou grandes conflitos com as antigas frações tradicionais do capital, principalmente nos primeiros anos de governo, após a aprovação das Leis Habilitantes (Hidrocarbonetos, Terras, Pesca etc.).

A melhoria nas condições de vida, principalmente advinda do controle sobre a renda petroleira, levaram a diversos debates acerca do processo em curso ao longo do governo Chávez. Para alguns teóricos, trata-se na verdade, de um processo revolucionário, de construção do Socialismo. De todo modo, um Socialismo de novo tipo, o Socialismo do Século XXI, como veremos no próximo capítulo.