• Nenhum resultado encontrado

ALBA, UNASUL: uma política externa autônoma?

Capítulo 4 ANTIIMPERIALISMO

4.3 ALBA, UNASUL: uma política externa autônoma?

Algumas análises buscam definir o antiimperialismo do governo Chávez a partir da sua expressão política, principalmente no que se refere à independência e à soberania nacional e regional. Neste sentido, os esforços de integração e cooperação regionais representariam um enfrentamento em relação à situação de dependência.

Segundo Vigenani e Ramanzani Jr.,

Nas produções acadêmicas latino-americana e brasileira sobre Relações Internacionais, a autonomia é uma noção que se refere a uma política externa livre dos constrangimentos impostos pelos países poderosos, tanto como um objetivo a ser perseguido na ação externa, quanto como um conceito explicativo das opções internacionais (VIGEVANI; RAMANZANI JR, 2014, p.520).

Ademais, na América Latina a autonomia está relacionada à questão da libertação nacional:

A noção de autonomia é caracterizada pela capacidade do Estado para implementar decisões baseadas em seus próprios objetivos, sem interferência ou restrição exterior, e pela habilidade em controlar as consequências internas de processos ou eventos produzidos além de suas fronteiras (VIGEVANI; RAMANZANI JR, 2014, p.522).

Essas análises olham menos para os aspectos econômicos da política internacional e mais para os aspectos políticos da mesma.

O governo Chávez priorizou a construção de mecanismos alternativos de política externa. A criação da ALBA (Alternativa bolivariana para os povos de nossa América), em 2004, foi um dos grandes objetivos da política externa neste período. Ela tinha como pressuposto se contrapor ao projeto proposto pelos EUA na ALCA. Para isso envolveu atores nacionais soberanos e acabou gerando uma reconfiguração das relações internacionais no âmbito regional, na medida em que ampliou o poder e a segurança dos países envolvidos. O bloco define-se pela crítica ao neoliberalismo e o direito à autodeterminação e soberania nacional (tanto no campo político, quanto econômico).

A ALBA foi uma proposta de Chávez na 3°Cúpula dos Chefes de estados e governos em 2001 no Caribe. Em 2004 ocorreu a primeira cúpula do organismo que tinha como países membros a Venezuela e Cuba. Outros países que aderiram ao bloco posteriormente foram a Bolívia, a Nicarágua, Honduras, São Vicente e Granadinas, Equador, Antígua e Barbuda.

Com o objetivo de integração regional, a ALBA privilegia a dimensão social em detrimento da econômica, o que é próprio dos processos integracionistas regionais de regionalismo aberto. Um dos exemplos é o programa de importação de médicos cubanos e o de erradicação do analfabetismo (ABULQUERQUE; SCHENEGOSKI, 2014, p.78).

A crise do neoliberalismo projetou na região forças de esquerda e centro-esquerda que modificaram amplamente o paradigma de integração. De um enfoque comercialista busca-se outro onde se prioriza a redução das assimetrias, a promoção do desenvolvimento e erradicação da pobreza; a construção de alternativas monetárias ao dólar; a integração física e energética; a defesa dos recursos naturais e as soberanias alimentar, produtiva, científica, cultural e militar. Novos processos de integração se desenvolvem revelando ascensão de um capitalismo de Estado de base popular na região, com forte acento na temática da soberania. Isto implica o fortalecimento do planejamento público e das empresas estatais e a articulação crescente entre as dimensões política, social e econômica nos novos processos de integração. UNASUL, ALBA, Banco do Sul103 e CELAC104 são exemplos de outras formas de integração que expressam esta nova periodização histórica da região (MARTINS, 2013, p.14).

Para os autores inscritos nesta vertente de análise, a Venezuela chavista faz parte de um movimento antisistêmico na medida em que possui um potencial revolucionário das periferias do capitalismo. A ALBA é vista por estes teóricos como uma proposta

103 Banco do Sul é um fundo monetário e de empréstimos da UNASUL com objetivo de financiar programas

sociais e de infra-estrutura.

104 Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos.é um organismo internacional de integração e

integracionista e independentista em relação aos grandes centros hegemônicos, em especial os EUA. Desta forma, é visto como o projeto mais ousado do ponto de vista da cooperação (ABULQUERQUE; SCHENEGOSKI, 2014).

Ademais,

esses programas de cooperação social dentro e fora da Venezuela também acabam por fortalecer o discurso venezuelano de identidade de interesses entre os países da região, ampliando a influência de Caracas entre os povos andinos e caribenhos. Digno de registro é a execução do projeto venezuelano que liga Caracas a Cuba por cabo de fibras óticas submarino ampliando o acesso à internet aos cubanos, realizado por uma empresa francesa e gerido pela empresa cubano- venezuelana Telecommunicaciones Gran Caribe SA. (ABULQUERQUE; SCHENEGOSKI, 2014, p.78).

A retórica antiimperialista é absorvida por grupos nacionalistas de esquerda e centro-esquerda que, pela primeira vez na Venezuela, assumem a direção da política externa e passam a defender a integração do Caribe e América Central. O discurso antiestadunidense advém da ideologia defendida pelos grupos que compõem o chavismo (ideologias de influência bolivariana, zamoriana e robsoniana).

Embora dirigida pelo ramo repressivo do aparelho do Estado, a política externa da Venezuela se confronta com a principal potência imperialista do planeta, os EUA. Com as divisas oriundas do petróleo o governo Chávez logrou desenvolver uma nova política externa onde a Venezuela ganhou o status de ator internacional mais relevante ante a comunidade internacional. Ademais, acabou gerando um aprimoramento do serviço exterior alinhado aos interesses e princípios da política externa do país (MIRANDA, 2013).

A crise econômica mundial de 2008 levou os países integrantes da ALBA a aprofundarem os mecanismos de cooperação regional sob uma nova dimensão:

los países del ALBA presentaron su propia propuesta de trans- formación de la arquitectura monetaria y financiera regional. Se trata de una propuesta basada, en último término, en un plan muy similar al que Keynes planteó durante las negociaciones de Bretton Woods como parte de su iniciativa de reformulación del orden económico internacional que debería regir tras la II Guerra Mundial y como forma de evitar los errores de naturaleza económica que habían alimentado el escenario conflictivo que acabó en aquella guerra (CEREZAL; SIMARRO; SOLER, 2013, p. 154).

A releitura das ideias de Keynes levou à criação do Sistema Unitario de Compensação Regional de Pagamentos (SUCRE), uma zona monetária entre os países membros da ALBA e Equador (ainda não pertencente ao bloco nesse momento), por meio de

uma moeda única, o SUCRE, além da criação de um fundo com aporte dos países membros. Con esta convicción formularon la propuesta de “constituir una zona económica y monetaria del ALBA- TCP”, que protegiese a sus economías “de la depredación del capital transnacional”, que fomentase “el desarrollo” de sus economías, constituyendo “un espacio liberado de las inoperantes instituciones financieras globales y del monopolio del dólar como moneda de intercambio y de reserva”. El objetivo último de la propuesta estaba claro: avanzar desde el proyecto de integración en el cuestionamiento de la arquitectura monetaria y financiera internacional que se encontraba en el origen de la crisis (CEREZAL; SIMARRO; SOLER, 2013, p.155).

O SUCRE visa a liberação do dólar nas transações regionais, entretanto os países da região necessitam formar reservas cambiais em dólar para fazer frente aos empréstimos internacionais públicos e privados (ABULQUERQUE; SCHENEGOSKI, 2014).

Tanto a criação da ALBA quanto do SUCRE sinaliza para um projeto de política externa mais independente frente à hegemonia estadounidense na região, ademais,

Firma de acuerdos desde el sector energético al militar con Brasil, nacimiento de una televisión latina -TeleSur- para contrarrestar la influencia de CNN, proyecto de creación de un Banco sudamericano para el desarrollo, intercambio intenso de petróleo y otros combustibles con Argentina, compra de bonos de deuda exterior de Buenos Aires, ingreso de Venezuela en el Mercado Común del Sur (Mercosur) el 9 de diciembre de 2005, nuevas alianzas con los grandes países emergentes como India, Suráfrica y China... Chávez rompió el «cordón sanitario» que Washington intentaba establecer alrededor de él (LEMOINE, 2005, p.21).

A Unasul (União de Nações latino-americanas), por sua vez, é uma organização de integração regional sul-americana criada em 2008. Atuou em conflitos políticos regionais como na crise entre Colombia e Venezuela em 2010, no Equador também em 2010, na Bolívia em 2008, no Paraguai com a deposição do presidente Lugo em 2012, etc. A COSIPLAN (Conselho de Infra-estrutura e Planejamento da UNASUL) atua tanto na área de integração regional em infra-estrutura quanto de recursos naturais105.

O aprofundamento da Unasul demonstra também a busca de maior autonomia do país visando a integração sul-americana:

Diferentemente do Mercosul, a Unasul surge num contexto de

105 UNASUL. http://www.itamaraty.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=688:uniao-de-

diversidades na região. Diversidades aceitas, mas que não trazem como objetivo a integração econômica, descartando-se qualquer proposta de mercado comum. A Unasul não visa a política externa comum; busca superar diferenças, sem desconhecê-las, mantendo um espaço de interlocução (VIGEVANNI; RAMANZANI JR., 2014, p.535).

A tentativa de articular autonomia com cooperação regional e integração sul- americana levou países da região a pensarem na necessidade de instituições de financiamento. Em 2009, foi assinado o Convênio do Banco do Sul entre Brasil, Argentina, Bolívia, Equador, Paraguai, Uruguai e Venezuela. Isso porque os fundos nacionais não poderiam financiar as empresas estrangeiras fora do país.

A IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana lançada no ano 2000), estruturada sob a égide do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), da Corporação Andina de Fomento (CAF) e do Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata) tornou-se em 2010 “o órgão técnico do Conselho de Infraestrutura e Planejamento (Cosiplan) da Unasul, passando a receber diretrizes políticas dos governos dos países da Unasul” (VIGEVANNI; RAMANZANI JR., 2014, p.535).

Há um esforço no sentido de associar os objetivos de redução da pobreza e das desigualdades sociais, presentes no Tratado Constitutivo da Unasul, com a desecuritização de alguns desafios enfrentados pelos países. Há a busca de construção de instrumentos que permitam maior confiança nas relações entre os próprios países, fortalecendo a ideia de segurança regional combinada com a preservação da autonomia nacional dos Estados (VIGEVANNI; RAMANZANI JR., 2014, p.539).

Conforme vimos, o governo Chávez buscou desenvolver uma política externa ativa, voltada principalmente para a região sul-americana. Esta nova posição internacional levou a uma maior autonomia do país por meio da criação dos diversos mecanismos de integração e cooperação regionais. Entretanto,

A relação com os EUA continua sendo vital para economia venezuelana. Na prática, as relações entre os dois países na área comercial são pragmáticas. O aumento da diversificação das relações, no sentido de diminuir a dependência com relação a Washington, ainda não proporcionaram à Venezuela uma maior independência econômica (MIRANDA, 2013, p.35).

Assim, os recursos financeiros que ainda são o maior impeditivo para a política externa mais autônoma da região por meio da ALBA, o que acaba mantendo grande parte da política externa bolivariana no plano teórico.

Além disso, nos últimos anos de mandato o governo Chávez tem dado um giro à direita, principalmente quanto à relação com o presidente da Colômbia. Em nome da defesa/segurança nacional, o presidente venezuelano, entregou combatentes (exilados de esquerda e de guerrilhas) à Colômbia e prometeu, junto à OEA, apoiar o regime ilegítimo de Honduras (PETRAS, 2011).

Uma outra vertente de análise que busca analisar o enfrentamento promovido por Chávez em relação aos EUA e sua política integracionista, característicos de um governo nacionalista e antiimperialista, é aquela que se ampara na teoria gramsciana, o que discutiremos no próximo subtópico.