• Nenhum resultado encontrado

A ausência do sujeito e o desenodamento de Hays 

Para Hays, a cidade aparece na pena de Aldo Rossi como o Outro da 

arquitetura, leia-se, o grande outro da arquitetura. Mais uma vez, Hays insiste  em tomar elementos da conceitografia freudiana e lacaniana a partir de um  gestual de acoplamento dos qualificadores “arquitetura” ou “arquitetônico”,  algo repetidamente empenhado em todo o livro. Conforme nos diz Hays,  “[...] a soma ideal de todos os planos ou laminados – essa fusão impensável –  é o que Rossi chama de ‘Cidade’, que eu capitalizo aqui para indicar seu status  singular, quase mítico. Pois a cidade é o grande Outro da arquitetura – a  ordem do próprio simbólico social-arquitetônico operando por trás do  imaginário tipológico.” (HAYS, 2019, p. 33) 58

Para além da imprecisão dos gestos aproximativos de Hays, vale apontar  alguns elementos desta passagem. Primeiramente o caráter mítico da cidade  frente à prática arquitetônica, ideia que aparece com a perspectiva que Hays  faz da noção de Outro, campo da linguagem, lugar da fala e da cultura,  segundo Lacan. Este aspecto mítico pode ser interessante para pensar esse  lugar primordial da própria emergência da arquitetura, mas ao destacar esse 

58 “Typology here becomes not just a third term so much as a mobile mechanism of production  and analysis that can move through all of these levels. And the ideal sum of all the planes, or  laminates – that unthinkable conflation – is what Rossi calls the “City”, which I capitalize here to  signal its singular, almost mythical, status. For the City is architecture’s big Other – the order of  the architectural-social Symbolic itself operating behind the typological Imaginary.” 

Outro de seu aspecto material, gestual que Hays propõe a partir da leitura de  Rossi, o autor acaba por dar ao Outro um caráter de exterioridade e 

virtualidade radicais, de difícil sustentação lógica na trama teórica lacaniana,  como já apontado aqui. Conforme pode-se notar neste trecho:  

Uma cidade, é claro, é um objeto sócio-material que podemos  experimentar e estudar diretamente, a realidade mais concreta com a  qual a arquitetura lida. Mas para Rossi, a cidade é uma abstração  invisível e ausente, uma estrutura autônoma e pressuposicional, uma  rede de pura virtualidade que, no entanto, produz não apenas formas,  mas também humores, atmosferas e afeição. (HAYS, 2010, p. 33). 59

A leitura que Hays faz da noção de cidade em Aldo Rossi, aproximando-a da  noção de Outro em Lacan e forjando o que o arquiteto estadunidense chama  de Outro arquitetônico, leva-o a mais um problema teórico, agora à respeito  da noção central para a teoria psicanalítica: o inconsciente. Hays interpretará  que, 

Para Rossi, a cidade é algo como um inconsciente arquitetônico – o  Outro como a personificação da substância social e o local do  inconsciente. [...] Além disso, é importante acrescentar que Rossi,  como Lacan, insiste que esse inconsciente não é precisamente  subjetivo, não é algo com qualquer composição psíquica individual.  Antes, o inconsciente arquitetônico é externo e coletivo, no domínio e  no material da própria significação. (HAYS, 2010, p. 33-34) 60

Curioso notar aqui a colocação do Outro como a “personificação” e o “local”  do inconsciente, na medida em que ambos os termos apontam para a tal  realidade sócio-material que Hays diz estar ausente da construção rossiana.  Para além da aparente contradição, fica ainda patente a formulação do autor  59 “A city, of course, is a socialmaterial object that we can experience and study directly, the most  concrete of realities that architecture deals with. But for Rossi the City is an invisible and absent  abstraction, an autonomous and presuppositional structure, a network of pure virtuality that  nevertheless produces not only forms but also moods, atmospheres, and affection.”  

60 “For Rossi the City is something very like an architectural unconscious – the Other as both  embodiment of the social substance and the site of the unconscious. In this regard it is  interesting to recall Lacan’s famous quip, ‘The best image to sum up the unconscious is 

Baltimore in the early morning.’ But with this it is important to add that Rossi, like Lacan, insists  that this unconscious is precisely not subjective, not something with any individual psychic  makeup. Rather, the architectural unconscious is outside and collective, in the domain and  material of signification itself.” 

estadunidense, que teria lido em Lacan, que o inconsciente seria externo e  coletivo. Esta leitura pode ser refutada, na medida em que apesar de Lacan  realmente sustentar que o inconsciente não é individual, ele está 

completamente imbricado com a noção de sujeito, sujeito do inconsciente,  sujeito desejante, sujeito cindido pelo fato mesmo de ser atravessado pela  linguagem, cujos significantes primevos emergem na relação com o Outro. O  inconsciente, portanto, não estaria nem dentro nem fora do sujeito ou do  Outro.  

Apontamos nesta leitura crítica que é justamente a ausência da discussão do  sujeito em Lacan, que torna aguda a imprecisão da abordagem teórica  psicanalítica que Hays faz de sua vanguarda tardia. A consequência desta  ausência do sujeito em sua teoria acaba por se evidenciar na separação que o  autor faz dos registros subjetivos lacanianos em sua tríade (RSI), colocando a  cidade como eminentemente o lugar do simbólico na arquitetura que 

operaria “por trás” da tipologia eminentemente imaginária.  

Aqui, mais uma vez, o autor desconsidera o apelo topológico do nó  borromeano na teoria lacaniana. Para além das proeminências simbólicas  e/ou imaginárias da leitura que Hays faz dos conceitos rossianos, é inegável a  imprecisão de afirmar que o simbólico operaria “por trás” do imaginário. A  leitura que Hays faz do aparato conceitual de Rossi abdica da noção de Real,  circunscrevendo toda a formulação rossiana em aspectos simbólicos e  imaginários.