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A negatividade do objeto arquitetônico na vanguarda tardia 

A emergência de uma aproximação da linguística, da semiologia, ou ainda  dos estudos sobre a linguagem ao campo da arquitetura e os efeitos disso na  produção arquitetônica é o que faz o autor propor a “vanguarda tardia”, uma  categorização aparentemente contraditória. A arquitetura da vanguarda  tardia seria uma “reflexão sobre os fundamentos e os limites da própria  arquitetura” (HAYS, 2010, p.11). Tal arquitetura comporta em seu ​ethos​ toda a  trama de conotações contraditórias que o próprio vocativo inaugura:​ ​“de  intransigência e sobrevivência para além do que deveria ter terminado; de  um momento em uma trajetória maior para além do que se pode ir; da  técnica acumulada para o ponto de ruminação sombria; da negatividade  produtiva” (HAYS, 2010, p. 11). Importante demarcar neste trecho, para 36

35 “Such ontological ambitions were recognized even at the time; they are implicit in the  widespread and recurrent analogies between architecture and the ultimate system of  self-consciousness that is language.” 

36 “[...] of intransigence and survival beyond what should have ended; of a moment in a larger  trajectory beyond which one cannot go; of technique accumulated to the point of bleak  rumination; of productive negativity.”  

além das demais conotações que a noção de vanguarda tardia produz, o que o  autor chama de “negatividade produtiva”. Esta negatividade, segundo a 

leitura que se empenha aqui, estaria ligada à emergência da falta, da perda, da  ausência, presentes na própria estrutura da linguagem e que teria como  consequência direta a produção de um objeto também portador de uma  negatividade fundamental (que Lacan denominará de ​objeto a​). Conforme vai  nos dizer Hays, 

A introjeção da perda e da ausência da vanguarda tardia não significa  que o objeto arquitetônico é vazio, carente, livre de contato com o real  – como Tafuri e Rowe o têm -, mas sim que o objeto apresenta seu  conteúdo patológico diretamente; ele é a própria forma de onde uma  certa falta assume a existência, a forma necessária para imaginar uma  falta radical no próprio real. (HAYS, 2010, p. 11) 37

A negatividade em questão, portanto, diz mais da emergência da linguagem  como operador fundamental da arquitetura, do que da negação de uma  tradição, presente, segundo o autor, sobretudo nas vanguardas históricas  (vanguardas modernas). Poderíamos dizer com Hays, que o que se coloca na  produção destes arquitetos seria uma outra negatividade (o autor vai chamar  de “second-order negativity”), geradora de um objeto desprovido de direitos  (HAYS, 2010). Uma arquitetura que produz objetos clivados, em que está  posta a presença de uma ausência constituinte, uma arquitetura que se reflete  na própria arquitetura, ou, na própria Arquitetura, como vai grafar o 

arquiteto estadunidense, 

Neste ponto, [...] a arquitetura mais avançada força uma transdução  para cima, por assim dizer, para um plano mais elevado de abstração –  uma transição da negatividade dirigida para o exterior da vanguarda  histórica (que produziu um objeto arquitetônico que, através de certas  operações de desmistificação, se esforçou para resistir ou interromper  a própria situação que o trouxe à existência) para uma negatividade de  segunda ordem, uma arquitetura refletindo sobre a Arquitetura (cujo 

37 “The late avant-garde’s introjection of loss and absence means not that architectural object is  empty, lacking, freed of contact of the real – as Tafuri and Rowe have it – but rather that the  object renders its pathological content directly; it is the very form which a certain lack assumes  existence, the form necessary to imagine a radical lack in the real itself.” 

objeto conseqüentemente se torna dividido internamente, como  veremos). (HAYS, 2010, p. 13) 38

Este é um ponto crucial para o desenvolvimento subsequente da narrativa de  Hays. O estatuto do objeto da arquitetura é pauta central para se pensar  possíveis relações entre o aporte teórico psicanalítico e o campo 

arquitetônico, na medida em que é este estatuto que nos leva diretamente  para a dialética do desejo proposta por Lacan. Com isso, a trama conceitual  da pesquisa se dá a partir das contribuições lacanianas sobre a estruturação  subjetiva com a tríade RSI – Real-Simbólico-Imaginário – e a relação do  sujeito com o objeto ​a​, que em termos aproximativos, instaura o que vai se  chamar de fantasia, suporte fundamental para o movimento desejante do  sujeito inconsciente. 

Hays demarca que a perda de direitos do objeto não significa seu  desaparecimento. O objeto é anulado como coisa imediata para ser  reconcebido como um elemento mediador, em que emergem tanto uma  materialidade quanto um processo. Como nos dirá Hays, “o objeto-em-si se  tornará um objeto-diferente-de-si, um significante voltado para os próprios  códigos e convenções disciplinares que autorizam todos os objetos 

arquitetônicos – tornando-se Simbólico no sentido de Lacan” (HAYS, 2010, 39

p. 13). Ainda em termos lacanianos, o objeto se desloca de sua face imaginária  para sua face simbólica, sendo este movimento o que instaura a mediação  com a dimensão real do objeto, na medida em que este real não é passível de  ser simbolizado, já que seria exatamente aquilo que escapa ao fazer com a  linguagem, algo para além e aquém da linguagem. 

38 “At this point, [...], the most advanced architecture forces a transduction upward, as it were, to a  higher plane of abstraction – a transition from the outward-directed negativity of the historical  avant-garde (which produced an architectural object that, through certain demystifying  operations, strived to resist or disrupt the very situation that brought in into being) to a  second-order negativity, an architecture reflecting on Architecture (whose object consequently  becomes internally split, as we will see).” 

39

​“The object-in-itself becomes an object-different-from-itself, a signifier directed toward the  very disciplinary codes and conventions that authorize all architectural objects – it becomes  Symbolic in Lacan’s sense.”