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Fluxograma 2 – Diferentes percepções sobre a crise

2.2 ESTADO REGULADOR/AVALIADOR: DUAS FACES DA MESMA MOEDA

2.2.1 A Avaliação enquanto uma dimensão da aprendizagem

Por ser tradicionalmente o objeto mais frequente de análise a avaliação da aprendizagem contém uma literatura vasta, na qual o conhecimento como medida e/ou avaliação do rendimento escolar, remonta às primeiras décadas do século XX, com testes educacionais mensuráveis desenvolvidos pelo americano Robert Thorndike, tendo grande aceitação por toda a sociedade acadêmica. Ressalta-se que a trajetória de avaliação da aprendizagem no Brasil tem raízes no movimento de prática avaliativa americano, o que Dias Sobrinho (2003) divide em períodos. O primeiro é conhecido como pré-Tyler que tinha como característica a mensuração de capacidades mentais e físicas dos alunos com vistas à seleção e classificação dos mesmos; experiência inaugurada pela Universidade de Columbia nos Estados Unidos, de caráter eminentemente técnico. A denominação a esse período diz respeito ao autor Ralph Tyler, que cunhou a expressão avaliação educacional e que tem como marca o enfoque comportamentalista, “[...] que resume o processo avaliativo à verificação de mudanças ocorridas, previamente delineadas em objetivos definidos pelo professor” (HOFFMANN, 2009, p. 34).

Ainda segundo Dias Sobrinho (2003) foi com Tyler e Smith, no desenvolvimento da “avaliação por objetivos”, que a prática avaliativa ganhou força, uma vez que agrega a descrição de critérios referentes ao fracasso e ao sucesso escolar, voltados para o paradigma da racionalidade científica em conformidade com a ideologia utilitarista industrial, ou seja, a escola/educação em sintonia com o desenvolvimento econômico. Tempo, êxito, percentual de sucesso etc. servirão de índice para diagnosticar a eficiência da escola, assim no segundo período:

A avaliação é referida como um processo de aperfeiçoamento contínuo de um programa e se volta para a reformulação de currículos, para o estabelecimento dos objetivos educacionais a serem cumpridos previamente, as diferenças individuais e para a constituição de normas regionais ou nacionais [...] a concepção dos objetivos como organizadores os constitui como guias de conteúdos, metodologias e instrumentos avaliativos, o que possibilita caracterizar a proposta de Tyler como um “modelo” de avaliação. [...] Ela se manifesta na modalidade accountability, atualmente muito praticada, que pode ser entendida como a responsabilidade de demonstrar eficiência e produtividade. Por exercer funções reguladoras e classificatórias, é hoje em dia amplamente utilizada por governos e agências contratadas por eles (DIAS SOBRINHO, 2003, p. 21).

O terceiro período chamado de era da inocência (1945-1957) é considerado amorfo, onde tanto o ato de avaliar como a própria educação são desacreditadas, mesmo tendo publicações de Tyler como fundamentais para o próximo período.

No período subsequente (1958-1972) registra-se a necessidade de avaliar não só alunos, mas as escolas como um todo, incluindo também professores, e metodologias, assim como estratégias de ensino. Denominado de período do realismo, ficou estabelecido que as próprias escolas americanas respondessem pela relação entre o baixo rendimento escolar e o financiamento público. Em função disso a obrigatoriedade de montar programas para reverter o quadro à luz da relação custo/benefício se tornou frequente. Daí a percepção de que avaliar apenas os alunos não dava conta de tal empreitada, era fundamental uma mudança de postura. Registra-se nesse período certo abandono pelas pesquisas de cunho meramente quantitativista, e um apelo a práticas voltadas para enfoques qualitativos, deixando de se valorizar apenas os objetivos e passando a focar na tomada de decisões. Scrivem em 1967 apresenta grande contribuição ao fazer a distinção entre avaliação formativa (processo) e avaliação somativa (resultados).

Freitas et al. (2009) chamam atenção para a existência de duas grandes categorias postas no contexto da organização escolar: avaliação/objetivos e conteúdos/métodos e a subordinação da última sobre a primeira e afirmam:

Os objetivos permanecem embutidos na situação de ensino-aprendizagem e na própria avaliação e terminam decidindo o destino do aluno, já que é a avaliação que define se ele terá ou não acesso a mais conteúdos e a qual conteúdo. É esta posição da avaliação como reguladora de quais estudantes poderão ter acesso aos novos conteúdos no futuro, que faz dela uma categoria central no processo pedagógico da escola atual. Este é o conceito predominante na prática pedagógica voltado para a classificação e seleção (FREITAS et al. 2009, p. 16).

O 5º período, considerado mais consistente por Dias Sobrinho (2003) é denominado de profissionalismo (1973), ou seja, constitui-se na profissionalização da avaliação. Remanescente das contribuições de Scrivem e Cronbach, a partir de 1967, com a criação inclusive de cursos superiores de formação em avaliação por algumas universidades, onde as atividades acadêmicas bem como a produção teórica em torno da avaliação ganham força. O enfoque qualitativo definitivamente se estabelece e a titulação de avaliadores torna-se crescente. “Como resultado dos avanços teóricos surge a meta-avaliação ou avaliação das avaliações [...]. A contribuição essencial desse momento foi caracterizar a avaliação como um julgamento de valor” (DIAS SOBRINHO, 2003, p. 27).

O autor chama atenção para as contribuições de Joint Comittee, Blomm, Hastings e Madaus, que tornam a avaliação simbioticamente parte integrante do processo ensino- aprendizagem, entretanto adverte:

O campo da avaliação, ao crescer em complexidade e se inserir mais declaradamente no âmbito político e social, incorporou as contradições, que não são meramente epistemológicas, mas, sobretudo, resultam de distintas concepções de mundo. [...] A ética sendo a fundadora do sujeito, assegura também a subjetividade do outro; reconhece a alteridade; realiza-se, portanto, num meio social e intersubjetivo. A avaliação passa a incorporar, então, a negociação como um de seus valores e procedimentos centrais (DIAS SOBRINHO, 2003, p. 27).

Há claramente uma mudança de paradigma, uma construção de novos significados, e no bojo, conflitos epistemológicos, que resultam também num novo conceito de aprendizagem, que deve ser pautado na prática da continuidade do processo, ou seja, a avaliação além de ser contínua “[...] tem a finalidade de orientar a inclusão e o acesso contínuo de todos a todos os conteúdos. Esta é ao mesmo tempo, a contradição e a possibilidade existentes no processo de avaliação de aprendizagem” (FREITAS et al. 2009, p.16).