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Fluxograma 2 – Diferentes percepções sobre a crise

2.2 ESTADO REGULADOR/AVALIADOR: DUAS FACES DA MESMA MOEDA

2.2.2 A Avaliação enquanto uma dimensão do currículo

Outro foco de atenção por parte dos estudos avaliativos se refere ao currículo, que passa a ter grande importância para o fenômeno educativo e, portanto, passivel também de ser avaliado.

As raízes da avaliação de currículo estão centradas em estudos exaustivos de programas educacionais, também seguindo o caminho da produção americana, sendo que no Brasil, isto se dá apenas na década de 1970. Saul (2006) afirma que o modelo oficial de avaliação de currículo, utilizado pelo Ministério da Educação data de 1973 e tem suas raízes em Stufflebeam (1968), com o enfoque voltado na avaliação para a tomada de decisão; Scriven (1967), enfocando a avaliação de mérito; Parlett e Hamilton (1972) enfocando a avaliação iluminativa e Stake (1967 a 1984), com enfoque para a avaliação responsiva. Estes dois últimos considerados adeptos da abordagem qualitativa. Segundo a mesma autora o artigo intitulado: “A abordagem etnográfica: uma nova perspectiva na avaliação educacional”, de autoria de Marli André inaugura no final da década de 1970 os estudos acerca de propostas de avaliação de currículo voltadas para a abordagem qualitativa.

Em função do reconhecimento de que a abordagem quantitativista, através de seus testes padronizados, não dava conta de responder as demandas envolvendo professores e alunos, bem como, ensino e aprendizagem; buscaram-se modelos alternativos ancorados por

diferentes pressupostos éticos, epistemológicos e teóricos compreendidos como um enfoque/abordagem qualitativa, que aqui resumo a partir de Gomez (1983 apud SAUL, 2006):

a) O ato de avaliar é sempre intencional e, portanto, não é neutro.

b) Há que se considerar no ato de avaliar o contexto em que está se dando, negando comparações prévias, observáveis e quantificáveis.

c) Não se devem priorizar apenas os objetivos da avaliação, mas, o processo, negando, pois generalizações estatísticas e valorizando as análises e as interpretações.

d) Há que se ater à pluralidade metodológica que leve em conta as transformações ao longo do processo.

e) O resultado, o produto final da avaliação deve servir para todos que dela fazem parte.

Faz-se necessário registrar que uma abordagem qualitativa não impede a utilização de dados quantitativos, assim como as diferentes abordagens não garantem uma relação democrática entre avaliador e avaliado em diferentes campos da avaliação, seja nos programas educacionais, nos currículos e/ou instituições, uma vez que segundo Hoffmann (2009, p. 35), “[...] o autoritarismo da avaliação emerge do próprio planejamento do ensino que se efetiva (da educação infantil à universidade) sem a reflexão necessária sobre o significado das propostas pedagógicas envolvidas (avaliação de currículo)”.

Saul (2006), ao criar um novo paradigma, o da avaliação emancipatória, se apoia em três vertentes teórico-metodológicas: a avaliação democrática (classificação política dos estudos avaliativos com base em Barry Mac Donald); a crítica institucional e criação coletiva (com base na concepção freireana de conscientização); e a pesquisa participante (com base em estudos de Orlando Fals Borda). Como explicita o próprio nome, a avaliação emancipatória tem como conceitos básicos a emancipação, a decisão democrática, a transformação e a crítica educativa. Saul (2006, p. 61) a caracteriza como:

Um processo de descrição, análise e crítica de uma dada realidade, visando transformá-la. Destina-se à avaliação de programas educacionais ou sociais. Ela está situada numa vertente político-pedagógica cujo interesse primordial é emancipador, ou seja, libertador, visando provocar a crítica, de modo a libertar o sujeito de condicionantes deterministas. O compromisso principal desta avaliação é o de fazer com que as pessoas direta ou indiretamente envolvidas em uma ação educacional escrevam a sua “própria história” e gerem as suas próprias alternativas de ação.

O paradigma da avaliação emancipatória foi sintetizado pela autora conforme reprodução abaixo com destaque para as características e a descrição das mesmas:

Quadro 1 – O paradigma da avaliação emancipatória

Características Descrição

Natureza da avaliação Processo de análise critica de uma dada realidade visando a sua transformação.

Enfoque

Qualitativo.

Praxiológico: busca apreender o fenômeno em seus movimentos e em sua relação com a realidade, objetivando a sua transformação e não apenas sua descrição.

Interesse Emancipador, ou seja, libertador; visa provocar a crítica, libertando o sujeito de condicionamentos determinados.

Vertentes Político-pedagógico

Compromissos

Propiciar que pessoas direta ou indiretamente atingidas por uma ação educacional escrevam a sua própria história.

O avaliador se compromete com a “causa” dos grupos que se propõem a avaliar. Conceitos básicos Emancipação. Decisão democrática. Transformação. Critica educativa.

Objetivos “Iluminar” o caminho da transformação.

Beneficiar audiências em termos de torná-las autodeterminantes. Alvos da avaliação Programas educacionais ou sociais

Pressupostos metodológicos

Antidogmatismo.

Autenticidade e compromisso

Restituição sistemática (direito à informação). Ritmo e equilíbrio da ação-reflexão

Momentos da avaliação Descrição da realidade Crítica da realidade Criação coletiva Procedimentos Dialógico. Participante

Utilização de técnicas do tipo: entrevistas livres, debates. Procedimentos Dialógico. Participante

Utilização de técnicas do tipo: entrevistas livres, debates. Tipos de dados Predominantemente qualitativos.

Utilizam-se também dados quantitativos

Papel do avaliador Coordenador e orientador do trabalho avaliativo. O avaliador, preferentemente, pertence à equipe que planeja e desenvolve um programa

Requisitos do avaliador Experiência em pesquisa e em avaliação. Habilidade de relacionamento interpessoal Fonte: Saul (2006, p. 64)

Reconhecidamente trata-se de um novo olhar, de uma leitura nova, acerca das práticas avaliativas e que embora tenha sido realizada pela autora no contexto da reformulação de um programa de pós-graduação44, o mesmo pode servir de base para todo e qualquer

empreendimento avaliativo (resguardando as proporções), que tenha por princípio a lógica da transformação e que se contraponha a ideia de uma avaliação de caráter classificatório e burocrático, descontínuo, segmentado e parcelado.