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A avaliação na Intervenção Precoce na Infância

3. Enquadramento teórico

3.1. Planeamento e Avaliação de Projectos

3.1.4. A avaliação na Intervenção Precoce na Infância

Como em qualquer programa de intervenção comunitária também nos programas de IPI a avaliação surge como uma necessidade sentida por várias razões pelos diversos intervenientes. Pelos profissionais e pelas famílias para saber se os serviços que prestam/recebem são os mais adequados e pelas entidades financiadoras e reguladoras para saberem se os serviços são eficazes, eficientes e sustentáveis para assim poderem fazer uma avaliação da relação custo-benefício que permita o planeamento e a rentabilização das respostas. ―O campo da intervenção precoce sofreu uma evolução considerável desde anos 60 até à actualidade, tanto em termos conceptuais, como em termos organizativos, legislativos, a nível dos modelos de prestação de serviços e das práticas, evolução essa que foi sendo acompanhada por modificações no que diz respeito aos objectivos e metodologias da avaliação dos programas.‖ (Tegethof, 2007:201) Actualmente a ―avaliação de programas de intervenção precoce deve ser mais do que simplesmente medir os resultados e efeitos desse programa. Deve ajudar os profissionais, os pais e os políticos a compreender as interacções, quase sempre complexas, entre as características das crianças e famílias, os objectivos das intervenções e o próprio processo e contexto do programa. Só dessa forma terá efeitos positivos na prestação efectiva de serviços.‖ (Pimentel, 2005:193)

As principais dificuldades na avaliação destes programas prendem-se com a especificidade da intervenção, que pretende ser individualizada para cada família/criança e simultaneamente abrangente ao intervir com/na criança, família e comunidade. Com as premissas de diversidade e simultaneamente especificidade de situações que requerem intervenções individualizadas, é fácil depreender que não existem ―receitas‖ para a IPI. De facto, cada caso é um caso e este é um factor que condiciona a avaliação destes programas.

As abordagens tradicionais à questão da avaliação na IPI, nomeadamente aquelas que se desenvolveram até meados dos anos 90 do século XX, incidiram essencialmente na avaliação do produto, uma vez que se preocupavam com a questão de saber se a intervenção era ou não eficaz. Uma abordagem deste tipo dificilmente se enquadra numa realidade com o grau de complexidade da IPI, já que ao valorizar um desenho de pesquisa experimental, são poucos os estudos que recorreram à comparação com um grupo de controlo seleccionado aleatoriamente, quer por razões ligadas a dificuldades na constituição das amostras devido à grande heterogeneidade dos sujeitos, quer por questões éticas. Também a evolução das práticas no campo da IPI com o incremento de uma intervenção centrada na família e na comunidade, desenvolvendo-se nos ambientes

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naturais de vida da criança e da família acentua a limitação deste tipo de avaliação. A avaliação deverá então ser descritiva e orientada para os processos, recorrendo a métodos qualitativos ou a metodologias mistas que proporcionam um conjunto de informação complementar que poderá constituir uma fonte mais eficaz de informação para o terreno. A defesa da utilização de métodos mistos na pesquisa desenvolvida no âmbito da IPI é, aliás, hoje partilhada por diversos autores. (Tegethof, 2007)

Seguindo esta linha de pensamento da dificuldade de avaliar os programas de IPI e nos desafios que ela coloca, Shonkoff (2004) reitera as limitações de investigações não experimentais e quasi-experimentais, a necessidade de estudos aleatórios e controlados para responder a questões causais, as barreiras logísticas e económicas que têm que ser ultrapassadas para realizar estudos longitudinais de alta qualidade e bem conduzidos e as preocupações éticas acerca da criação de grupos de controle de crianças vulneráveis e suas famílias sem intervenção. Este autor argumenta que o maior obstáculo à verdadeira informação decorrente da avaliação destes programas é mais uma questão política do que de ciência e que para se compreender esta questão é necessário reconhecer a diferença entre dois objectivos bem distintos da avaliação, a demanda pelo conhecimento para a compreensão ou a demanda do conhecimento para a defesa da IPI. A demanda pelo conhecimento para a compreensão da IPI deve então ser bem-vinda pelos fornecedores de serviços, pelos beneficiários e financiadores como uma fonte importante de novas ideias de como promover o desenvolvimento adequado das crianças. (Shonkoff, 2004)

Assim, é necessário demonstrar que abordagens específicas de intervenção são mais efectivas, que aspectos concretos de cada forma de intervenção levam a melhores resultados, que características dos programas são mais eficazes, assim como que características da criança e da família contribuem para a obtenção de melhores resultados. É a procura de uma maior implicação prática da investigação em IPI, uma investigação que se quer de qualidade e da qual saiam consequências directas para a melhoria das intervenções, também futuras. (Grupo de Atención Temprana, 2000:82) Segundo Bailey & Simeonsson (1988: 252, citados por Cruz, 2003), em IP a avaliação deve centrar-se no próprio processo de intervenção e procurar fornecer informação útil no sentido de proceder a uma melhoria do serviço prestado às crianças e famílias. (Cruz, Fontes e Carvalho, 2003:35)

Estas recomendações revertem para uma avaliação de processo envolvendo diferentes actores, os beneficiários e os profissionais bem como outros agentes da comunidade. Também em Portugal as recomendações/sugestões existentes da (ainda) pouca

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investigação na área se encaminham neste sentido da avaliação de processo, como referem Ruivo e Almeida (2002) ―seria ainda necessário desenvolver um sistema de avaliação contínua das práticas no terreno no sentido de uma verdadeira avaliação de processo.‖ (Ruivo e Almeida, 2002:25) Tenta-se assim ultrapassar visões parcelares da realidade com as avaliações de programas de Intervenção Precoce baseados em medidas estreitas e pontuais que conduzem a constatações espúrias sobre a sua eficácia. (Almeida, 2004:71)

Como tem vindo a ser referido, um dos objectivos últimos da avaliação de programas é promover tomadas de decisão válidas para a sua execução e melhoria. Para apoiar tomadas de decisão significativas é então lógico que a avaliação deva envolver as pessoas que vão sofrer os impactos dessas tomadas de decisão e as que vão ser responsabilizadas pela implementação de quaisquer adequações propostas às práticas, nomeadamente as famílias, os técnicos e representantes da comunidade. (Division for Early Childhood of the Council for Exceptional Children, 2007)

Apesar da já referida evidência da necessidade de uma variabilidade de fontes para avaliar um programa, existe um consenso quase universal que a satisfação dos pais é um componente chave para qualquer avaliação de qualquer programa de IPI. (Bailey, Hebbeler, Scarborough, Spiker e Mallik, 2004:888)

Actualmente o sucesso das práticas profissionais na IPI é medido tendencialmente em termos dos níveis de integração, participação e autonomia da criança nos diferentes contextos sociais, da qualidade de vida e da satisfação das famílias, bem como da acessibilidade a diferentes contextos ou coordenação de diversas instituições. Estas variáveis não podem ser enquadradas numa avaliação puramente quantitativa de processos profissionais que são implementados nem podem ser medidas utilizando apenas parâmetros descontextualizados de actividade, como o QI ou o grau de espasticidade. O desejo de introduzir critérios qualitativos que permitam comparar práticas profissionais de acordo com as bases teóricas que lhes estão subjacentes parece ser um desejo comum partilhado pela maioria das pessoas envolvidas na IPI. (Ponte, 2008:26-27)

A International Society on Early Intervention criou um instrumento de avaliação para avaliar a gestão da qualidade e as melhores práticas nos centros de IPI em 2009. Este instrumento, o Standard Forms for Quality Measurements é um guia para avaliar a participação, a transparência e a reflexividade nos centros de IPI em diferentes níveis, conceptual, estrutural, processos, resultados e sustentabilidade. Para a avaliação de processo são definidas como questões-chave a definição dos processos, a tomada

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conjunta de decisões, as funções/responsabilidades e a gestão da informação que serão avaliadas pelo formulário apresentado na Tabela 4. (Pretis, 2009)

Estas avaliações ao nível dos programas fornecem uma visão rica de como o esforço global foi realizado e o que ele significou para as populações-alvo e para a comunidade. (Fisher, Lalich, e Coulton, 2008:201)

Tab. 4: Formulário Avaliação Processo

PARTICIPAÇÃO SIM NÃO PARCIAL Comentários Indicadores C1 A família/criança e significativos participam em cada nível do

processo?

Como?

C2 As preocupações dos pais são levadas a sério?

C3 Os processos reflectem as necessidades da criança, dos pais e significativos?

C4 Os pais dão consentimento para os processos

C5 Outros aspectos relevantes

TRANSPARÊNCIA SIM NÃO PARCIAL Comentários Indicadores C6 Os pais são informados acerca

de todos os passos do processo Como?

C7 Todos os processos são descritos e documentados

Descrição dos processos C8 Todos os documentos

relacionados com a família são acessíveis aos pais

REFLEXIVIDADE SIM NÃO PARCIAL Comentários Indicadores C9 Os processos representam os

termos chave do conceito

Como?

C10 Os elementos relevantes discutem e partilham periodicamente os processos em curso em equipa C11 Outros aspectos relevantes

Fonte: adaptado de Standard Forms for Quality Measurements disponível em

http://depts.washington.edu/isei/ptrl/upload/Standard_Forms_of_Evaluation.pdf

Olhando para as várias dimensões da avaliação, na intervenção social e também no caso concreto da Intervenção Precoce, faz então sentido uma avaliação que não seja apenas uma medição de resultados (orientada para objectivos), mas que se debruce também sobre os processos. Sendo uma avaliação na perspectiva dos dinamizadores, interna, realizada por um dos técnicos do projecto, tem as vantagens de ―que as aprendizagens e

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os contributos se incorporem nos agentes, o volume de informação produzida e tornada disponível e a facilidade em controlar a responsabilidade do avaliador face aos resultados e consequências da avaliação.‖ (Capucha, Almeida, Pedroso e Silva, 1996:13)

Comporta também alguns riscos, ―como sejam: um envolvimento tão acentuado que a avaliação se confunde com a intervenção e se torna auto-justificação do processo (dificuldade de distanciação crítica), dificuldade de envolver técnicos, parceiros e destinatários da intervenção, o que normalmente só se consegue com algum prejuízo da exigência metodológica; dificuldade da afirmação da autoridade do avaliador face aos responsáveis.‖ (Capucha, Almeida, Pedroso e Silva, 1996:13) Impõe-se então a vigilância epistemológica na investigação do próprio investigador na realização deste trabalho, como já referido anteriormente.