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A avaliac¸˜ao da numeracia e da autoefic´acia matem´atica em Portugal

No documento A Matemática na Imprensa Portuguesa (páginas 72-75)

1.3 A numeracia e o caso particular da numeracia dos jornalistas

1.3.3 A avaliac¸˜ao da numeracia e da autoefic´acia matem´atica em Portugal

A avaliac¸˜ao da numeracia, tal como definida por Gal (Neill, 2001), n˜ao tem sido objeto de estudos que integrem dados relativos a Portugal. Todavia, tˆem sido realizados v´arios estudos de literacia em Portugal, nos quais se procuram medir conceitos pr´oximos ao de numeracia, tais como competˆencias de c´alculo, n´ıveis de literacia quantitativa e de literacia matem´atica, em indiv´ıduos de v´arias faixas et´arias. Destacam-se, neste contexto, dois estudos de literacia de adultos, nomeadamente o Estudo Nacional de Literacia (ENL), realizado em 1996 por investigadores do Instituto de Ciˆencias Sociais da Universidade de Lisboa e coordenado por Ana Benavente e o International Adult Literacy Survey (IALS), um estudo internacional em que Portugal participou dois anos mais tarde. Salientam-se ainda os testes PISA, de ˆambito internacional e que tˆem como objetivo avaliar diferentes tipos de competˆencias em indiv´ıduos em idade escolar (15 anos). Em particular, a ´ultima edic¸˜ao deste teste, conduzida em 2012, teve como dom´ınio principal a avaliac¸˜ao do desempenho em matem´atica, `a semelhanc¸a do que ocorreu no ano de 2003.

O referido Estudo Nacional de Literacia (Benavente et al., 1996) teve como objetivo avaliar as competˆencias de leitura, de escrita e de c´alculo na populac¸˜ao portuguesa com idades compreendidas entre os 15 e 64 anos. Os autores classificaram as competˆencias dos portugueses em cinco n´ıveis distintos, de acordo com a progressiva dificuldade das tarefas que s˜ao capazes de resolver. No que se refere `as competˆencias de c´alculo, os cinco n´ıveis s˜ao os seguintes:

— N´ıvel 0: Incapacidade para resolver as tarefas indicadas;

— N´ıvel 1: Capacidade de resolver problemas que envolvem a realizac¸˜ao de um c´alculo aritm´etico simples, com indicac¸˜ao da operac¸˜ao e dos valores a serem usados;

— N´ıvel 2: Capacidade de resolver tarefas que envolvem uma sequˆencia de duas operac¸˜oes aritm´eticas elementares, facilmente identific´aveis, assim como os valores que se devem usar; — N´ıvel 3: Capacidade de resolver tarefas que requerem uso de m´ultiplas operac¸˜oes, em que o indiv´ıduo deve decidir que operac¸˜oes aritm´eticas realizar. Os valores s˜ao, normalmente, f´aceis de identificar;

— N´ıvel 4: Capacidade de resolver um problema que exige a an´alise de uma situac¸˜ao, “a selec¸˜ao dos dados relevantes e a escolha da sequˆencia apropriada das operac¸˜oes a efetuar”(Benavente et al., 1996).

Embora os resultados sobre os n´ıveis de literacia dos portugueses n˜ao sejam apresentados separadamante para cada uma das trˆes ´areas de competˆencia consideradas (leitura, escrita e c´alculo), os dados totais permitem concluir que a maioria dos portugueses apresenta n´ıveis de literacia 1 ou 2 (37% + 32,1%) e apenas 7,9% apresentam n´ıvel 4. ´E ainda importante referir que 10,3% dos portugueses apresenta n´ıvel 0.

Uma caracterizac¸˜ao dos indiv´ıduos permite compreender que, dentre os que obtiveram n´ıvel de literacia 2, a maioria concluiu a escolaridade apenas at´e ao 2ociclo do ensino b´asico e a maior

parte dos indiv´ıduos que obtiveram n´ıvel 1 conclu´ıram apenas o 1o ciclo do ensino b´asico. Para

al´em disso, observou-se ainda que quanto maior ´e a faixa et´aria dos inquiridos, menores se revelaram os n´ıveis de competˆencia.

No que se refere `a situac¸˜ao profissional, verifica-se que os n´ıveis mais baixos de competˆencia de c´alculo se encontram entre os desempregados ou dom´esticos, bem como nos reformados. Nota-se ainda que os n´ıveis de competˆencia tˆem uma distribuic¸˜ao desigual, sendo que a regi˜ao de Lisboa e Vale do Tejo ´e a que apresenta um melhor perfil de literacia (nas suas trˆes componentes) e o Alentejo e o Centro s˜ao as zonas com n´ıveis de literacia mais baixos. Relativamente `as percec¸˜oes dos indiv´ıduos sobre as suas competˆencias, observa-se que 62% dos inquiridos consideram n˜ao saber realizar operac¸˜oes aritm´eticas e 26% classificam as capacidades nesse dom´ınio como “fracas”, enquanto que apenas 11% as consideram “razo´aveis”e somente 1% as consideram “boas”. Por´em, no que se refere `a auto-percec¸˜ao sobre a adequac¸˜ao das suas competˆencias de c´alculo `as exigˆencias do trabalho, a maioria dos indiv´ıduos com n´ıvel 1 ou 2 consideram que elas s˜ao plenamente suficientes.

´E ainda curioso verificar que o desejo de melhorar as competˆencias de c´alculo existe na maioria dos inquiridos de n´ıvel 2, 3 ou 4 mas, ao inv´es, ´e menos expressiva nos inquiridos de n´ıvel 1 ou 0. Em acr´escimo, s˜ao tamb´em os indiv´ıduos com maior n´ıvel de competˆencias de c´alculo que reconhecem a necessidade de utilizar tais competˆencias em situac¸˜oes do quotidiano, seja para fazer compras, gerir a conta banc´aria, consumir em restaurantes e caf´es ou gerir o orc¸amento familiar.

quantitativa dos portugueses, verifica-se que 41,6% tˆem n´ıvel de literacia quantitativa 0 ou 1, 30,2% tˆem n´ıvel 2, 23% tˆem n´ıvel 3 (quando de acordo com o ENL seriam 12,7%) e 5,2% tˆem n´ıvel 4 ou 5 (referido em ( ´Avila, 2005)). Outros dados relativos a este estudo permitem ainda apurar que, entre 22 dos pa´ıses participantes, Portugal ´e o pen´ultimo classificado em termos de n´ıvel de literacia quantitativa, sendo que apenas o Chile ocupa uma posic¸˜ao inferior. Esta situac¸˜ao permite concluir que, na altura em que o estudo foi realizado, existia um fraco desempenho dos portugueses em termos de conhecimento e aplicac¸˜ao de informac¸˜ao quantitativa e, assim como nos resultados do ENL, tamb´em nos do IALS se constata que ´e entre os indiv´ıduos com mais idade que as competˆencias quantitativas s˜ao mais baixas, o que est´a relacionado com o seu pr´oprio perfil escolar.

Uma justificac¸˜ao para os baixos n´ıveis de literacia (e da literacia quantitativa em particular) na populac¸˜ao adulta portuguesa encontra-se, de acordo com ´Avila, na tardia democratizac¸˜ao da escola quando se compara Portugal com pa´ıses do Norte e Centro da Europa, para al´em das diferenc¸as entre estes pa´ıses ao n´ıvel da intensidade da intervenc¸˜ao do estado na alfabetizac¸˜ao durante os s´eculos XIX e XX ( ´Avila, 2005). No entanto, ´e importante notar que os dados destes estudos tˆem mais de 10 anos, pelo que podem ter alguma distorc¸˜ao face ao cen´ario atual. Em faixas et´arias mais jovens, considera-se o PISA como um teste de competˆencias de referˆencia internacional. Em particular, os dados relativos ao teste de 2012, que procura avaliar o n´ıvel de literacia matem´atica43como primeiro dom´ınio, apresentam um cen´ario animador

para Portugal. Eles indicam que os alunos portugueses obtiveram uma pontuac¸˜ao m´edia de 487 pontos44, 21 pontos acima do resultado obtido em 2003 e situando Portugal dentro da

m´edia global. Em termos de posic¸˜ao comparativa com os outros pa´ıses participantes, Portugal ocupa a 23a posic¸˜ao, entre 65 pa´ıses.

Comparando os n´ıveis de proficiˆencia em ambos os sexos em 2012 constata-se ainda que os rapazes apresentam um desempenho ligeiramente superior ao das raparigas no que concerne aos n´ıveis453, 4, 5 e 6 de desempenho46. Entre 2003 e 2012 verifica-se ainda uma diminuic¸˜ao

na percentagem de alunos portugueses com baixa proficiˆencia (n´ıveis <1, 1 e 2) e um aumento da percentagem daqueles que apresentam n´ıveis 4, 5 e 6. Especificamente, 22,8% dos alunos

43No documento relativo ao estudo, literacia matem´atica ´e definida como “a capacidade que os indiv´ıduos

tˆem para formularem, aplicarem e interpretarem a matem´atica em contextos variados. Implica raciocinar matematicamente e usar conceitos matem´aticos, processos, factos e ferramentas para descrever, explicar e prever fen´omenos. Contribui para que os indiv´ıduos reconhec¸am o papel que a matem´atica desempenha no mundo e para que cidad˜aos empenhados e reflexivos possam fazer julgamentos bem fundamentados (OCDE, 2013).

44A avaliac¸˜ao no PISA utiliza uma escala que tem como m´edia 500 pontos e um desvio-padr˜ao de 100 pontos. 45Os n´ıveis de proficiˆencia no PISA s˜ao 6: o n´ıvel 1 corresponde a pontuac¸˜oes inferiores ou iguais a 358 pontos;

o n´ıvel 1 corresponde a pontuac¸˜oes entre 358 e 420 pontos; o n´ıvel 2 corresponde a pontuac¸˜oes acima de 420 pontos e at´e 482 pontos; o n´ıvel 3 corresponde a pontuac¸˜oes superiores a 482 pontos e inferiores ou iguais a 545; o n´ıvel 4 corresponde a pontuac¸˜oes entre 545 (exclusive) e 607 (inclusive); o n´ıvel 5 corresponde a pontuac¸˜oes superiores a 607 e inferiores ou iguais a 669 e, por fim, o n´ıvel 6 corresponde a pontuac¸˜oes superiores a 669.

46Note-se que, na amostra utilizada, 49,9% s˜ao raparigas e 50,1% s˜ao rapazes. ´E, portanto, uma amostra

apresentam n´ıvel de proficiˆencia 2; 24% apresentam n´ıvel 3; 17,7% apresentam n´ıvel 4; 8,5% apresentam n´ıvel 5 e 2,1% apresentam n´ıvel 6. Por´em, e ainda assim, quase metade dos indiv´ıduos apresenta n´ıveis de proficiˆencia abaixo de 3, que ´e o n´ıvel m´edio dos pa´ıses da OCDE.

A par da literacia matem´atica, tamb´em a autoefic´acia matem´atica tem sido estudada em Portugal, principalmente em contextos acad´emicos restritos. Em particular, Neves e Faria (2007) realizaram um estudo com 207 alunos do 9o e do 10o anos de escolaridade e com

idades compreendidas entre os 14 e 18 anos, com o objetivo de analisar, entre outras relac¸˜oes, a associac¸˜ao que existe entre a autoefic´acia matem´atica dos alunos e o seu rendimento na disciplina de matem´atica. Com base nos resultados obtidos conclu´ıram que quanto maior for a autoefic´acia matem´atica dos alunos, melhor o seu rendimento a matem´atica e tamb´em que quanto maior for o n´ıvel de escolaridade dos alunos, maior a sua autoefic´acia matem´atica. Num outro estudo, conduzido por Susana Coimbra (2000) com um conjunto de 449 alunos do 9o ano e com idades entre os 13 e os 19 anos, a autora verificou que os alunos com

n´ıvel socioecon´omico mais alto apresentaram valores de autoefic´acia superiores aos dos outros alunos, assim como os alunos com os melhores resultados em disciplinas t´ecnicas e tecnol´ogicas. Verificou ainda que os rapazes de meios n˜ao urbanos apresentam autoefic´acia matem´atica superior `as raparigas que vivem num meio semelhante mas, ao inv´es, as raparigas de meios urbanos apresentam autoefic´acia matem´atica superior `a dos rapazes que vivem tamb´em em meio urbano.

Por sua vez, N´adia Calac¸a, que estudou a autoefic´acia matem´atica em 450 alunos do 9oe 12o

anos de v´arias escolas da Regi˜ao Aut´onoma da Madeira, tirou tamb´em conclus˜oes quanto a diferenc¸as de autoefic´acia matem´atica de acordo com o g´enero e verificou que os rapazes do grupo estudado apresentam autoefic´acia superior `as raparigas.

Destes estudos importa realc¸ar que apoiam a teoria de Bandura na medida em que concluem que existe uma relac¸˜ao direta entre a autoefic´acia matem´atica e o rendimento escolar. Em particular, observou-se ainda que o n´ıvel socioecon´omico dos alunos tem influˆencia no seu n´ıvel de autoefic´acia. No entanto, compreende-se que a relac¸˜ao de outras vari´aveis tais como o g´enero com o n´ıvel de autoefic´acia n˜ao ´e pass´ıvel de ser generalizada a partir dos dados dos estudos, uma vez que existem outras vari´aveis que afetam tal relac¸˜ao.

No documento A Matemática na Imprensa Portuguesa (páginas 72-75)