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Com a auto-suficiência energética do Norte de Minas, haveria o desenvolvimento dos municípios mais próximos, como o caso de Grão Mogol, onde a Companhia Vale do Rio Doce teria interesse em instalar duas serrarias, aproveitando a existência de matéria prima oriunda do reflorestamento; o que, por sua vez, poderia incrementar a indústria moveleira. Além disso, a construção da usina propiciaria a melhoria das estradas e infra- estrutura regional, o desenvolvimento da irrigação e a exploração turística do lado formado com a barragem. Outro ponto positivo seria a geração de empregos diretos e indiretos e o incremento do comércio pela formação de uma comunidade em torno da construção da barragem (LEMOS, 1999:152).

Segundo Cevallos (2006), o Brasil é um dos países de América Latina com maior quantidade de usinas elétricas do mundo, aproximadamente 60022 e, da mesma forma que outros países da região, não está livre de pressões e movimentos anti-barragem. Frente a uma realidade onde as usinas hidroelétricas são preferidas em relação a outras fontes de energia poluidoras, num momento crítico para o Brasil em que não está garantida a oferta elétrica a partir de 2008, o setor considera importante levar a sério os impactos sócio-ambientais, procurando equilíbrio entre as necessidades energéticas e os efeitos dos projetos, onde “escutar as populações atingidas” parece ser uma possível via de solução.

As populações diretamente afetadas com a construção das barragens perdem a base material de suas existências, e as condições ambientais apropriadas à sua forma de produção e subsistência, além das suas referencias culturais e simbólicas, redes de parentesco, memória coletiva, etc.; ainda que, ao mesmo tempo, com o processo de reassentamento, ganharam melhores condições de vida, serviços básico como eletricidade, água encanada, controle de esgotos, melhoras nas vias de acesso, etc. Mas, como explicam ZHOURI & OLIVEIRA (2005:56), a construção da usina implicou na mudança não só do local de moradia das famílias afetadas por causa do enchimento do reservatório, mas mexeu com a base da segurança das pessoas: o lugar onde moram, sendo que os ganhos matérias nem sempre são vistos como tais.

Segundo as autoras, esse processo de incremento do aspecto negocial-lucrativo da empresa suportado por uma ideologia de desenvolvimento ‘redentor’, às custas da expropriação compulsória de comunidades locais inteiras sentindo atropeladas em seus direitos territoriais e de cidadania, dá visibilidade aos diferentes interesses daqueles que, para fins desta pesquisa, são os principais sujeitos interlocutores. ZHOURI & OLIVEIRA (2005)

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As barragens, segundo contam ZHOURI & OLIVEIRA (2005:51), já desalojaram mais de 200 mil famílias no Brasil, equivalente a um milhão de pessoas de segmentos sociais vulneráveis, em sua maioria populações ribeirinhas, inundando 3,4 milhões de hectares de terras férteis e florestas.

explicam como este confronto de dois agentes sociais gera um conflito ou uma luta pelo direto ao espaço ambiental tradicionalmente ocupado, caracterizada por elas como uma “luta pela apropriação material e simbólica da natureza, pela definição e reconhecimento dos significados, atribuídos ao território em que se opõem imagens de pobreza e fartura” (Ibid.).

A partir do impacto sócio ambiental da obra na região de Irapé e pelo marco legal (contemporâneo) no qual se desenvolve a obra, a CEMIG vê-se obrigada a se preocupar com a sorte das comunidades envolvidas pelos seu projeto de construção de barragens e a investir na recomposição geográfica e desenvolvimento social dessas comunidades, uma prática que faz parte do histórico da empresa (consultar anexo 2), mas que no caso teve uma dimensão diferencial a partir da constituição da equipe de comunicação que entrou na região, que deu ao processo uma característica dialógica, de destaca em relação aos outros processo de reassentamento.

Como já foi dito boa parte da energia produzida pela CEMIG é de base hídrica e tem feito parte da história da empresa o investir na construção de barragens. Desalojar populações, talvez possa ser dito que, historicamente, era tratado pela CEMIG como uma tecnicalidade a mais do processo de construção de barragens até a decisão de construção de Usina de Irapé.

O maior impacto do empreendimento de Irapé referia-se ao meio sócio-econômico, não apenas pelo deslocamento compulsório de cerca de 3.000 pessoas, mas também pelo acréscimo de 3.900 pessoas à região (cerca de 2.500 trabalhadores e famílias e mais 1.400 pessoas em busca de oportunidades de emprego). Este aumento populacional deveria pressionar os serviços básicos e a infra-estrutura urbana já precária dos povoados, deteriorando-os ainda mais (LEMOS, 1999:190).

Além dos impactos relativos à mudança da dinâmica social (a partir do deslocamento da população) e dos impactos ambientais na flora e fauna, a construção da Usina de Irapé altera o ritmo e modo de subsistência da população, ao inundar as áreas conhecidas como de

vazante, que são porções de terras que se encontram às margens dos rios. Como o Vale possui baixo índice pluviométrico, concentrado entre os meses de novembro e fevereiro, as áreas de vazante surgem no período da seca (março – outubro), quando o rio tem sua vazão diminuída. As variações do volume da água no leito do rio permitem que essas áreas sejam naturalmente fertilizadas, sem a necessidade da adição de adubos ou corretivos para o solo. Com isso, a apropriação dessas terras se torna de extrema importância para as comunidades ribeirinhas, pois são nelas que as famílias desempenham a agricultura de base familiar na época de escassez das chuvas. Com o represamento do rio, o fluxo normal de sedimentos orgânicos que fertilizam as margens do rio, também à jusante, perde esta característica natural. Assim, tanto à montante como à jusante, as áreas ribeirinhas são inviabilizadas para a agricultura. Na jusante, ocorre de forma mais drástica por um trecho de 24 km até o encontro do rio Jequitinhonha com o rio Vacaria, quando o rio retoma uma vazão razoável. Nesta extensão, 254 famílias são diretamente prejudicadas, uma vez que elas dependem do rio Jequitinhonha para diversos fins, inclusive para abastecimento de água (ZUCARELLI, 2006:70).

4.2. Duas das comunidades interlocutoras da Cemig: Peixe Crú e Santa Maria

Já foi dito que, para a realização da presente pesquisa, foram selecionadas para um estudo em profundidade de sua situação de sujeito interlocutor, duas das comunidades diretamente atingidas, uma em cada margem do rio. Na escolha das comunidades foram consideradas as condições de acesso, as suas características, além do grau de resistência dos moradores das comunidades durante o processo de negociação pela implementação do empreendimento. As comunidades escolhidas representam casos opostos; uma das comunidades -Peixe Cru- , tem características urbanas e é a que recebeu maior atenção por parte da empresa, devido às condições impostas por lei que obrigaram a empresa a realizar a sua relocação total respeitando integralmente os padrões urbanos vigentes. A outra

comunidade, Santa Maria, tem características rurais e é das que teve menos atenção por parte da empresa, seja por representar a tendência na maioria das comunidades que foram reassentadas, seja pelo fato de ser a comunidade que teve condições de ser reassentada o mais próximo possível de seu local original.

A comunidade reassentada de Santa Maria, situada na margem esquerda do rio e localizada no município de Botumirim, é vizinha da Vila Santa Cruz, onde originalmente morava a maioria das famílias reassentadas que foram atingidas nas suas terras de cultivo e produção. A dinâmica de cultivo familiar faz com que muitas das famílias, antes do reassentamento, tivessem moradias na Vila Santa Cruz e moradias na margem do rio que foi atingida pelo reservatório. Assim, na hora da negociação com a CEMIG, a maioria de suas famílias escolheu ficar no reassentamento a ser constituído na Fazenda Santa Maria, aproveitando a sua proximidade da vila de Santa Cruz.