• Nenhum resultado encontrado

Mapa 2 – Municípios atingidos pela Construção da Usina de Irapé

6. CONCLUSÕES

6.1. Da comunicação como facilitadora da interação entre grupos com interesses

A interação comunicativa no caso estudado apresenta características de um modelo simétrico de comunicação, ainda que com dificuldades e limitações, que fazem o processo se desenvolver na fronteira da assimetria, concedendo maior poder e controle à Cemig como interlocutor corporativo. Ainda assim, reconhece-se o espaço e participação das comunidades como agentes comunicativos no processo de relacionamento, com dificuldades para se comunicar e se colocar frente a seu interlocutor.

No geral o processo esteve baseado na estratégia central da comunicação da empresa de divulgação das atividades ligadas ao desenvolvimento da Usina de Irapé, com o objetivo de minimizar as informações contrárias à barragem, que geraram tantas dificuldades à empresa. A ação principal de comunicação foi o contato cara-a-cara, no cotidiano das comunidades, entrando no espaço delas, na sintonia delas, mas com objetivo da empresa e o Termo de Acordo de pano de fundo que delimitou as ‘regras’ do relacionamento, as ações a serem cumpridas, e a posição dos sujeitos no processo.

O processo de interação comunicativa acontece num contexto delimitado pelo desenvolvimento de programas e projetos – sócio ambientais – estipulados no Plano de Controle Ambiental e o Termo de Acordo. Nesse cenário, identificaram-se os dois interlocutores principais, a Cemig e as comunidades atingidas, reconhecendo a existência de outros sujeitos chamados aqui de ‘vozes mediadoras’, que foram chave no processo de interação, ajudando no conflito e na solução do mesmo, estimulando o processo de relacionamento entre a empresa e as comunidades. Ainda assim, o papel dessas vozes mediadoras é um desafio para uma outra pesquisa, sendo que, pelo volume de informação e o tempo que implicou delimitar o processo entre os sujeitos principais, as vozes mediadoras ocuparam pouca atenção e análise na presente pesquisa, ainda que se reconheça a sua importância no processo.

Em relação aos interlocutores principais, identifica-se que a Cemig entra no processo com o objetivo de viabilizar o andamento da construção da Usina. A empresa se confunde no seu papel de empreendedora, investidora, estado, vizinha, protetora e viabilizadora de uma melhora na qualidade de vida da população, passando de ser a inimiga que quer acabar com a região, ameaçando suas vidas e pertences, a ser a sua amiga que deu casa, terras, e formar parte do cotidiano das comunidades. Essa mudança na percepção da atuação da empresa é uma conseqüência do processo de comunicação com as comunidades. Finalmente, a empresa

é vista como uma organização de grande porte, com poder econômico, capaz de cumprir seus objetivos comerciais, sem importar o custo, por que ‘tem o poder de conseguir o que quer’.

Por sua parte, as comunidades tinham o objetivo de garantir o respeito de seus direitos, na luta pela utilização do espaço ambiental. Observa-se uma tendência de ‘relação paternalista’ com a empresa, onde os moradores esperam dela sempre uma solução. A atenção e benefícios obtidos no processo, além da cercania resultado do processo de comunicação face-a-face, gerou nas comunidades dependência da empresa, que ao sair da região, faz sentir as comunidades em abandono. Durante o processo de interação comunicativa, as comunidades são reconhecidas como cidadãos com direitos e poder de participação. Ainda que o espaço de participação tenha sido controlado pela empresa, a inclusão das comunidades no processo de discussão e negociação é uma conquista da Comissão de Atingidos, grupo organizado para defender os direitos cidadãos das famílias atingidas. Sem uma política socialmente responsável da empresa, a interação teria se limitado ao cumprimento legal do Termo de Acordo, que não considera o relacionamento face-a-face como uma condição a ser cumprida.

Sendo assim, no cenário do relacionamento Cemig – comunidades, a empresa está no papel principal, com domínio do espaço, e as comunidades, ainda que gozam de um espaço importante, acabam ficando sempre sob a vontade da organização, num papel de demandante, atingido, protegido, dependentes.

Por sua vez, as ‘vozes mediadoras’ estimularam, ao mesmo tempo em que atrapalharam, a interação comunicativa entre a empresa e as comunidades. O mapa de vozes mediadoras está constituído por sujeitos sociais - prefeituras, estado, ONGs – e as vozes internas - sujeitos ligados à construção da barragem, como por exemplo, empreiteiros sub- contratados da Cemig. Acredita-se que as limitações e dificuldades, mais especificamente as vozes contrárias, estimularam a atuação socialmente responsável. Aliás, sem elas a empresa não teria procurado uma atuação voltada para a viabilização da interação e negociação com as

comunidades, nem tivesse sido parte do processo de interação comunicativa no projeto de Irapé.

No meio do processo, um ator importante identificado durante a pesquisa, é o comunicador: a simpatia e amizade gerada entre ‘ele’ e as famílias, demonstram o papel chave que teve no processo de relacionamento. Segundo análise da pesquisa, é o comunicador quem facilita a relação e entendimento entre os interlocutores principais, sendo então, um ator chave como viabilizador da comunicação e a negociação das partes. Neste sentido, o comunicador teve um papel chave como interlocutor. É ele quem consegue manter o dialogo e a comunicação boca a boca no dia-a-dia, mas a dificuldade se encontra no fluxo da comunicação comunidade-comunicador-empresa, sendo que nem sempre a empresa consegue perceber – entender – o que a comunidade está dizendo, e que é levado ou encaminhado pelo comunicador.

O relacionamento entre os sujeitos, esteve permeado pelo conflito. A luta pelo espaço ambiental, como foi apresentado na presente pesquisa, gerou um relacionamento conflitado, estimulado pela presença de vozes mediadores, contrárias à construção da barragem. Identifica-se que nem sempre o que é conflito para as comunidades, nem sempre é conflitante aos olhos da empresa. Assim, para a Cemig é motivo de conflito a existência de diferenças, a presença na região de grupos contrários à barragem. Já para as comunidades, é conflitante a falta de clareza em relação ao processo de negociação, questões problemáticas do cotidiano que vêm da dessa mudança do estilo de vida.

Em resumo, o processo foi baseado na negociação prévia, resultado da relação conflitante que se dá no inicio do projeto, sendo o Termo de Acordo, junto com a entrada da presença do comunicador na região, os viabilizadores de uma comunicação mais simétrica que ajudou na diminuição do conflito, e na agilização do empreendimento.

O processo de comunicação esteve cheio de desafios e limitações, como a distância e as formas de acesso às comunidades, as diferenças culturais dos sujeitos envolvidos, com diferentes visões de mundo, e delimitação e identificação de espaços e formas de comunicação viáveis, segundo as características sócio econômicas da região e da população, assim como as tendências de consumo e uso da mídia regional.

A comunicação entre a Cemig e as comunidades se dá num processo de interação que pode ser caracterizado como ‘pontilhado’. Quer dizer, o fluxo não é ‘limpo’ nem igual entre os interlocutores. Existiram dificuldades de fluxo da comunicação das comunidades à empresa, se comparada com o fluxo dinâmico da empresa às comunidades. Quer disser, o modelo simétrico existe enquanto intento de diálogo entre os sujeitos, mas a empresa continua se comunicando numa tendência assimétrica, sem saber sempre como escutar às comunidades, nem como receber a sua voz e o que fazer como ela. Já as comunidades, não tem como não escutar à empresa, sendo que ela está presente no seu espaço cotidiano e lugar de moradia.

As ações específicas desenvolvidas dentro da estratégia de comunicação estiveram ligadas ao contato com a população das comunidades, levando informações diretamente às famílias. Esse tipo de ações ajuda a caracterizar o processo de comunicação como uma tentativa de um sistema simétrico de comunicação entre a empresa e as comunidades. É intenção da empresa abrir espaço ao entendimento por parte dos atingidos pela dimensão do projeto de Irapé, com a intenção, é claro, de viabilizar o máximo possível o andamento da obra sem contratempos. Apesar de que o objetivo corporativo seja a motivação principal da estratégia de comunicação, o processo abre espaço a uma forma de interação e participação dos públicos num âmbito do ‘negócio da empresa’.

O Termo de Acordo, é o cenário onde os sujeitos se posicionam, se colocam um frente ao outro se relacionando num espaço de procura de sentido, racionalidade, inteligibilidade, intercompreensão, em procura da cooperação social, a produção e a recepção coordenadas,

características de uma interação comunicativa, do ponto de vista da perspectiva praxiológica (QUÉRÉ, 1991) e do modelo da comunicação simétrica de GRUNIG e HUNTER.

Este tipo de interação lembra um dos elementos chave do modelo praxiológico da comunicação (QUÉRÉ, 1991), onde os sujeitos se reconhecem como sujeitos de diálogo, não monológicos, uma tendência observada no processo de interação comunicativa de Irapé, onde a empresa reconhece aos moradores na sua condição de cidadãos com direitos, e tenta dialogar com os seus membros, na procura do entendimento das partes. O sistema de ‘controle’ ou de termos de acordo, que envolve a participação de terceiros no processo de negociação dos interlocutores, é considerado por GRUNIG e GRUNIG (1992:311) como uma característica do modelo simétrico.

O papel dos agentes envolvidos na interação comunicativa, é o reconhecimento da empresa no seu papel de cidadão na interação com os membros das comunidades, cidadãos com direitos. Segundo a versão da empresa é ela que motiva e estimula a participação dos moradores em espaços públicos de discussão permitindo o reconhecimento de seus próprios direitos. Já para as comunidades, é a partir das associações comunitárias, da Comissão de Atingidos que eles conseguem ter um espaço de cidadania, participação e discussão de seus interesses com a empresa, ainda que não da forma que eles queriam, segundo seus próprios relatos. Como não se acompanhou o processo de negociação desde o inicio da obra, é difícil afirmar na presente pesquisa qual dos dois agentes estimulou a participação no primeiro lugar, mas o que se observa, é uma dinâmica de interação entre sujeitos cidadãos, com características do que seria um diálogo entre dois sujeitos: um fala, o outro responde, cada um tenta persuadir ao outro no processo de negociação velando pelos seus interesses, e a partir desse processo reconhecido tanto por QUERE (1991) na sua perspectiva praxiológica da comunicação, quanto por GRUNIG E HUNT (1984) no modelo simétrico de duas- mãos, é viabilizada a interação comunicativa enquanto prática de responsabilidade social. Isto por que

cada uma das partes consegue, ainda que em dimensões diferenciadas, colocar-se frente ao outro como sujeito cidadã com direitos e deveres, ser escutado – o que não implica que seja 100% compreendido – numa dinâmica de comunicação em procura do bem comum, a partir dos interesses das duas partes principais envolvidas no processo.

Reconhece-se no caso estudado, que a comunicação cara-a-cara estimulou e viabilizou o diálogo entre os sujeitos, contendo características de uma comunicação simétrica de duas mãos, sendo que, à luz da teoria de GRUNIG e HUNT (1984): 1) viabilizou o relacionamento e a negociação; 2) gerou confiança entre os sujeitos; 3) debilitou as vozes contrarias; 4) minimizou o conflito; 5) viabilizou o cumprimento do objetivo corporativo; 6) estimulou a existência de uma relação com um grau de dependência/paternalismo por parte das comunidades.

Este tipo de interação lembra também, um dos elementos chave do modelo praxiológico da comunicação (QUÉRÉ, 1991), onde os sujeitos se reconhecem como sujeitos de diálogo, não monológico, uma tendência observada no processo de interação comunicativa de Irapé, onde a empresa reconhece aos moradores na sua condição de cidadãos com direitos, e tenta dialogar com os seus membros, na procura do entendimento das partes.

Com tudo, algumas características da comunicação assimétrica, estão presentes no relacionamento da empresa com as comunidades, sendo que o processo de interação comunicativa, se encontra nas margens entre um modelo e outro, com maior presença de simetria, ainda que com características assimétricas como: 1) o processo beneficiou o controle por parte da empresa, tanto do processo quanto do conteúdo; 2) o fluxo da comunicação é pontilhado: fluido da empresa às comunidades, diluído das comunidade à empresa.

Algumas características gerais observadas no caso estudado, dizem respeito à diferença observada nas duas comunidades. Identificou-se sim uma diferença na percepção das comunidades sobre a sua relação com a empresa.

No Peixe Cru, comunidade que teve maior atenção por parte da Cemig, os moradores identificam-se mais com a empresa, com o objetivo da empresa, e a existência de conflito é menor se comparado com a comunidade de Santa Maria.

Já em Santa Maria, os moradores ainda apresentam maior resistência às ações da Cemig na região. Essa diferença faz pensar que quanto mais estreito o relacionamento da empresa com a comunidade, maior é o grau de confiança, com maiores possibilidades de viabilizar o objetivo corporativo, e a existência de menos conflito.

Vale ressaltar que a comunidade é um interlocutor especial, que exige formas diferentes de interação em relação aos outros stakeholders. O caso estudado faz pensar nas comunidades como grupo de interesse da empresa, diferenciado de outros grupos de relacionamento ou stakeholders – consumidores, investidores, mídia, etc. Trabalhar com as comunidades implica se envolver com a cotidianidade, com a individualidade das pessoas, exigindo ações de comunicação não massivas segundo as características de cada grupo. Por isso que o que se apresentou como mais efetivo para a empresa, para viabilizar o entendimento e a comunicação com os moradores reassentados, foi a comunicação face-a-face que permitiu justamente identificar as diferenças e singularidades de cada família afetada.

Um aspecto ligado ao relacionamento com a comunidade, é o grau de confiança gerado entre os sujeitos. Quanto mais simétrica for a comunicação, maior o grau de êxito do objetivo da interação, e maiores possibilidades de uma ação socialmente responsável, a partir da viabilização do diálogo, a transparência e o respeito dos interesses do outro. Nesse sentido, considera-se que o relacionamento cara-a-cara viabilizou o diálogo a partir de uma comunicação simétrica, onde, segundo GRUNIG e GRUNIG (1992) ‘o aspecto ético diferencial do modelo simétrico de duas – mãos é a defesa dos interesses dos interlocutores, trabalhando num marco de reconhecimento de ‘motivações misturadas’.

6.2. Do processo de comunicação no relacionamento Cemig-comunidades, enquanto ação