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CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA CULTURAL PARA

2.2 A Divisão de Bibliotecas: projetos e ações

2.2.3 A Biblioteca Circulante

A Biblioteca Circulante nos moldes do Departamento de Cultura foi a primeira instalada no Brasil, constituindo-se em um serviço de responsabilidade da Biblioteca Pública Municipal que, de fato, circulava. Em uma ação inovadora para o seu tempo, carros foram adquiridos pela Divisão de Bibliotecas e circulavam pelas ruas da cidade de São Paulo com parte do acervo da Biblioteca Pública Municipal. Mário de Andrade explicou a proposta da Biblioteca Circulante em um ofício de solicitação de compra dos automóveis que foi enviado para o prefeito Fábio Prado. Esse documento apresenta que:

Essas bibliotecas circulantes têm dois objetivos principais: 1 – destinam-se a levar o livro solicitado por empréstimo até a residência do leitor que o solicitou;

2 – destinam-se a proporcionar aos frequentadores dos parques uma leitura imediata, dando assim ao farniente uma orientação cultural. (ANDRADE, 1935 apud BARBATO JÚNIOR, 2004, p. 169)

A exposição de Mário de Andrade sobre os objetivos da Biblioteca Circulante são claros: levar o livro ao leitor e promover uma orientação cultural. A proposta de levar o livro ao leitor está dentro daquela perspectiva de popularizar a leitura e os livros na cidade de São Paulo, colocada como uma das principais finalidades da instalação da Divisão de Bibliotecas pelo Ato Municipal no 861. Nessa linha de pensamento, Luís Milanesi considera que as bibliotecas do Departamento de Cultura “[...] tinham a função de popularizar o patrimônio cultural [...]” (MILANESI, 1993, p. 62). Com relação à orientação cultural, como já discutido neste capítulo, a política cultural do

Departamento de Cultura tinha uma preocupação específica com relação ao número de imigrantes instalados na cidade.

O acervo da Biblioteca Circulante era parte do acervo da Biblioteca Pública Municipal. Não encontramos um documento que explicite quais materiais compunham os acervos disponibilizados ao público nos automóveis. No entanto, num esboço feito por Mário de Andrade sobre o Departamento de Cultura, o então diretor da biblioteca fez o seguinte comentário: “Nas Bibliotecas Circulantes nenhum livro em língua estrangeira, nem sexista” (SÃO PAULO, 2003, p. 34). Interessante notar tal posição de Mário de Andrade para a composição do acervo da Biblioteca Circulante. Tal proposta estava coesa com a política cultural do Departamento de Cultura, uma vez que a não exposição de obras estrangeiras visava a difusão do português, na linha da problemática das questões relacionadas à identidade nacional. O único documento sobre o acervo da Biblioteca Circulante a que tivemos acesso no arquivo da Biblioteca Mário de Andrade diz respeito aos assuntos das obras consultadas. Abaixo, imagem do documento com as estatísticas de uso dos materiais da Biblioteca Circulante no ano de 1936:

Figura 2.29 – Estatísticas da Biblioteca Circulante de 1936. (Acervo Biblioteca Mário de Andrade)

No documento “Estatística da Biblioteca Circulante 1936” vemos que o assunto Literatura Infantil é o material mais consultado, seguido de Romances Policiais. Tal

constatação demonstra que era expressivo o uso da Biblioteca Circulante por crianças e jovens. Esse índice apresentava tal resultado devido à instalação dessas bibliotecas nos Parques Infantis. Ainda nesse documento de estatística, notamos que revistas e jornais também eram itens de grande consulta na Biblioteca Circulante. Provavelmente pelo pouco tempo de permanência dessas bibliotecas nos bairros, esses materiais eram os que atendiam à leitura rápida dos usuários.

Figura 2.30 – Praça da Estação da Luz – Folheto de Divulgação – 1936. (Acervo Biblioteca

InfantoJuvenil Monteiro Lobato)

Havia certa desconfiança da sociedade com relação a esse serviço, uma vez que a biblioteca estava instalada em um automóvel. Segundo May Brooking Negrão, a partir de agosto de 1935a imprensa começou a noticiar o serviço do “carro biblioteca” a ser implantado pela Biblioteca Municipal (NEGRÃO, 1983, p. 65).

Como modo de funcionamento dessa biblioteca, o Departamento de Cultura adaptou um carro da época e colocou caixas de livros que seriam levadas para empréstimos nos bairros. Em entrevista à May Brooking, Rubens Borba de Moraes informou que foi Paulo Duarte quem conseguiu a doação do carro da Companhia Ford para adaptar e acomodar uma biblioteca. Ainda, que essa biblioteca começou a funcionar em fevereiro de 1936, indo ao Jardim da Luz, aos Parques Siqueira Campos e D. Pedro II e à Praça da República (NEGRÃO, 1983, p. 65). Os materiais disponibilizados no veículo eram livros, jornais, revistas, além de cadeiras de lona para conforto do público.

A escolha dos bairros para atendimento pela Biblioteca Circulante era feita de acordo com o levantamento de dados realizado pela Divisão de Documentação Social, sendo os primeiros atendidos aqueles com a presença dos Parques Infantis. O prefeito Fábio Prado expôs ao jornal O Estado de São Paulo a sua impressão sobre a Biblioteca Circulante:

Era esquisitice para dinamarqueses ou escandinavos. Em todo caso, foram feitas as primeiras experiências. Pois ninguém sabe do sucesso da biblioteca circulante. Já passou uma semana estacionada no Jardim da Luz, outra semana na praça da República, e até domingo que vem, lá ficará ela no Parque Pedro II, ao dispor de todos os que ali andarem. (O

Estado de S. Paulo, 5 mar. 1936, p. 4)

Os resultados de uso da Biblioteca Circulante eram apresentados nos jornais da época. Segundo a Folha da Noite, de 5 de junho de 1936, cerca de 70 pessoas foram atendidas diariamente durante uma quinzena naquele ano. O jornal O Estado de S.

Paulo, em 2 de dezembro de 1937, publicou que 1.238 pessoas procuraram a Biblioteca

Circulante, sendo realizadas 1.645 consultas às obras.

Em entrevista aos alunos da ECA/USP (1972), Rubens Borba de Moraes relata que havia um plano do Departamento de Cultura para adaptar mais carros com a Biblioteca Circulante. Que o objetivo principal do projeto era fazer com que a população dos bairros conhecesse e tivesse acesso às ações que estavam sendo realizadas pelo Departamento de Cultura. Além disso, que em alguns anos seriam instaladas as Bibliotecas Populares nos bairros atendidos pelo serviço.

Abaixo, imagem que demonstra o projeto proposto para o carro da Biblioteca Circulante:

Figura 2.31 – Projeto da Biblioteca Circulante (São Paulo, 2003)

Assim, a Biblioteca Circulante da Divisão de Bibliotecas do Departamento de Cultura foi uma inovação para a época no Brasil. Levar livros aos leitores e aos bairros era um atendimento coerente com as finalidades do Departamento de Cultura, na linha

explicativa de “levar a cultura às massas”, como exposto por Antonio Candido da introdução do livro de Paulo Duarte. Mas precisamos observar o lado orientador da política cultural do Departamento de Cultura, que no caso das Bibliotecas Circulantes era realizado pelo critério de seleção e disponibilização das obras nos acervos dos carros, além da preocupação com as obras em língua estrangeira. A preocupação com o conteúdo do acervo das Bibliotecas Circulantes pode ser aproximada às discussões de política cultural de Michel de Certeau, quando este apresenta que as políticas culturais trabalham com intervenções que podem “corrigir ou modificar o processo em curso” (CERTEAU, 1995, p. 193). O processo em curso que encontramos no momento foi a chegada de imigrantes à cidade de São Paulo. Dessa forma, era preciso interferir nessa esfera, além de orientar culturalmente os filhos desses imigrantes que frequentavam os parques infantis.

Outro equipamento cultural foi planejado pelo Departamento de Cultura, sob a responsabilidade da Divisão de Biblioteca, que tinha como objetivo atender aos bairros e os imigrantes: as bibliotecas populares.