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A Prefeitura de São Paulo e o Departamento de Cultura

CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA CULTURAL PARA

2.1 O Departamento de Cultura e Recreação da Prefeitura de São Paulo

2.1.2 A Prefeitura de São Paulo e o Departamento de Cultura

Em 1934, Armando de Salles Oliveira convidou Fábio Prado para ser prefeito de São Paulo, e este, por sua vez, nomeou Paulo Duarte como seu assessor. Em uma conversa na casa do prefeito, Paulo Duarte expôs a ideia de criação do chamado “instituto” de cultura. Nesse encontro o prefeito mostrou que não havia motivos para barrar tal proposta. Com isso, Paulo Duarte contou a notícia para Mário de Andrade e organizou dados do projeto a ser apresentado ao prefeito. Com entusiasmo, Paulo Duarte relata a aprovação do projeto:

Mostrei o primeiro projeto a Fábio Prado. Nunca vi homem de negócios nem homem rico mais acessível às coisas inteligentes. Aprovou tudo, nem pestanejou quando lhe disse que, para começar, haveríamos de precisar pelo menos de uns cinco mil contos por ano! (DUARTE, 1977, p. 51)

Mesmo com a aceitação do primeiro projeto de Departamento de Cultura pelo prefeito, que esboçava o sistema de parques infantis, a restauração de monumentos históricos e as bibliotecas públicas, Paulo Duarte não se fez por satisfeito com o resultado. Realizou cópias do documento aprovado por Fábio Prado e enviou para avaliação e contribuições de Mário de Andrade e Paulo Barbosa de Campos, amigo e advogado. Quando Fábio Prado e Armando de Salles Oliveira aprovaram o plano

estruturado da fundação do Departamento Municipal de Cultura, Paulo Duarte impôs uma condição ao projeto: “[...] os funcionários superiores – chefes de Divisão e Secção – necessários seriam por êle indicados, os especialistas, por concurso” (DUARTE, 1977, p. 32).

Dessa forma, quando o ambiente político se fez presente, um grupo que envolvia amigos e pessoas com interesses comuns, principalmente ligados à arte e à cultura, estava formado. Mário de Andrade, além das relações com artistas do Movimento Modernista, também teve envolvimentos com pessoas ligadas à política, como o próprio Paulo Duarte. Portanto, o envolvimento desses indivíduos foi fundamental para a construção do projeto do Departamento de Cultura do Município de São Paulo. Como apresentado por Howard Becker (1988, p. 1), “[...] o trabalho artístico, como toda atividade humana, envolve a atividade conjunta de um número geralmente grande de pessoas”. Ou seja, a realização dessa política cultural para a cidade, sendo aqui considerada como um trabalho artesanal, envolveu um número de indivíduos que trouxeram as suas potencialidades intelectuais e de relacionamento para a construção do projeto.

No entanto, para não sermos ingênuos em nossa análise, também não podemos deixar de apresentar que havia uma elite intelectual em formação no país, em especial em São Paulo, que aos poucos se institucionalizou no cenário político-cultural. Elite esta que surgiu com o processo de imigração das famílias europeias para o Brasil, marcando o início da industrialização nas grandes cidades, além dos lucros realizados com a expansão do café pelo interior de São Paulo. Sobre o surgimento do Movimento Modernista no Brasil, Sérgio Miceli aponta que:

Tal como acontecia nos centros vanguardistas de produção da arte modernista, com feições cada vez mais internacionalizadas, também São Paulo, não se podem descolar as obras dos nossos artistas modernistas do conjunto significativo de iniciativas assumidas pelo grupo incrivelmente diferenciado de mecenas e colecionadores pertencentes a essa elite comprometida com os novos rumos da economia, da sociedade e da cultura no Estado. (MICELI, 2003, p. 15)

Como apresentado por Sérgio Miceli, existiu uma rede de relações que se configurou em torno de questões estéticas e de arte, assim como em torno de questões relativas aos novos rumos da economia e, futuramente, da política. Com isso, espaços

na política e na cultura foram se construindo por meio de interações que envolviam questões como, por exemplo, a origem social, as posições em cargos políticos e os destaques no campo artístico. Como bem apresentado por Pierre Bourdieu (1996):

Assim, a hierarquia real dos fatores explicativos impõe inverter a progressão adotada ordinariamente pelos analistas: é preciso perguntar não como tal escritor chegou a ser o que foi – com o risco de cair na ilusão retrospectiva de uma coerência reconstruída –, mas como, sendo dadas a sua origem social e as propriedades socialmente construídas que ele lhe devia, pôde ocupar, ou em certos casos, produzir as posições já feitas ou por fazer oferecidas por um estado determinado no campo literário (etc.) e dar, assim, uma expressão, mais ou menos completa e coerente das tomadas de posição que estavam inscritas em estado potencial nessas posições (por exemplo, no caso de Flaubert, as contradições inerentes à arte pela arte e, de maneira mais geral, à condição de artista). (BOURDIEU, 1996, p. 244)

Dessa forma, esse cenário cultural-político precisa ser analisado sob dois prismas. O primeiro, em que uma confluência de indivíduos com suas potencialidades intelectuais, artísticas etc. cooperaram para a promoção de uma iniciativa na qual o Estado seria o artífice da cultura. O segundo, em que essa elite emergente em São Paulo devido, principalmente, aos fatores econômicos começou a criar postos institucionais para se fazer perpetuar nas estruturas do Estado.

Outro aspecto político que precisa ser observado diz respeito à Revolução Constitucionalista de 1932. São Paulo se colocou frente às interferências do poder federal no estado e criou instituições para fazer valer o seu poderio econômico e político no país. Com a referida revolução e com a nomeação de Armando de Salles Oliveira, São Paulo passou a colocar em prática uma política que tinha por objetivo alcançar o governo federal. Segundo Elisabeth Abdanur:

Por essa razão, consideramos oportuno chamar de “ilustrados” este grupo da elite paulista que depois dos acontecimentos de 32 esteve representado no governo Armando Salles de Oliveira e na administração Fábio Prado. Entre 1933 e 1937, eles preparam as bases de um projeto de “unidade nacional” a partir de São Paulo que resolveria, segundo eles, os problemas políticos e os conflitos que a sociedade brasileira apresentava naquele momento. (ABDANUR, 1992, p. 4)

O jornal O Estado de S. Paulo, de 3 de março de 1936, em uma entrevista realizada com o prefeito Fábio Prado, destaca que o “Departamento de Cultura traz consigo um agravante de origem: a premeditação”. No artigo, essa postura do departamento é apresentada pelo prefeito colocando num mesmo patamar também o projeto que levou à criação da Universidade de São Paulo (1934). Fábio Prado diz: “Por isso que, ao tomar posse do governo da cidade, já trazíamos bem premeditada qualquer coisa parecida com o Departamento de Cultura” (O Estado de S. Paulo, 3 mar. de 1936, p. 5). Constata-se, a partir dessas reflexões, a existência de um projeto político para São Paulo que ganha forças com a Revolução de 1932, passa pela criação da Universidade de São Paulo (USP) e pelo Departamento de Cultura.

A Universidade de São Paulo surge antes do Departamento de Cultura e, com isso, serve como instituição formadora dos recursos humanos para a administração pública paulista que estava sendo criada pelo governo do estado e municipal. Na mesma entrevista ao jornal, Fábio Prado apresenta que “A Universidade de São Paulo precisava ter institutos colaboradores com a sua obra formidável”. No que diz respeito à literatura no campo das políticas culturais, a preocupação com os atores envolvidos (TEIXEIRA COELHO, 2004; GARCÍA CANCLINI, 1987; RUBIM, 2007) é fundamental para o bom desenvolvimento dos projetos. Não é possível realizar uma política cultural sem que seus atores tenham conhecimento das atividades a serem desenvolvidas. Dessa forma, o estado e a prefeitura criaram uma dependência mútua, a partir da formação de recursos humanos e a geração de uma instituição para absorver essa força de trabalho e, com isso, colocar em prática o projeto de São Paulo para o país.

Assim, uma análise política (BARBALHO, 2008) é parte importante para entender quais grupos do poder e ideias estiveram presentes na formulação da política cultural do Departamento de Cultura. Constata-se que há certa discordância com relação aos formuladores do projeto, mas Paulo Duarte foi colocado como um dos principais responsáveis por fazer um desenho do que viria a ser a política cultural para o município por meio do Departamento de Cultura, em 1935. Esse projeto contou com a participação de outros indivíduos, além das questões institucionais, o que demonstra os conflitos de

ideias e as relações de poder na produção e circulação dos significados simbólicos