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A biografia de Lin Yutang e análise das suas teorias da

4.1 PREFÁCIO DA TRADUÇÃO DE DHAMMAPADA,

4.7.1 A biografia de Lin Yutang e análise das suas teorias da

4.7.1 A biografia de Lin Yutang e análise das suas teorias da tradução

Lin Yutang foi um escritor literário e tradutor que fez muitas contribuições para a evolução das teorias da tradução na China nos anos 30.

Em 1895, Lin nasceu na província de Fujian. O seu pai era um pastor, por isso Lin estudou numa escola religiosa no ensino fundamental e recebeu muita influência da cultura ocidental desde pequeno. Em 1912, estudou no curso de Inglês na Universidade de São João67, em Shanghai. Foi estudar na Universidade de Harvard, nos EUA, em 1919. Mais tarde, estudou Linguística na Universidade de Leipzig, na Alemanha. A sua formação acadêmica fez com que tivesse um bom domínio de inglês e de linguística, o que o ajudou muito na sua prática tradutória.

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“Conversação livre” é uma coluna do “Jornal de Shanghai” (Shen Bao), jornal mais antigo da China.

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St. John's University, fundada pelos missionários americanos em Shanghai em 1879.

Durante a sua carreira tradutória, Lin escreveu muitos artigos sobre a teoria da tradução e o mais famoso deles foi “Sobre a tradução”, publicado em 1933, no qual declarou:

Na verdade, as questões sobre a tradução são geralmente relacionadas com a psicologia do tradutor ou com o texto para ser traduzido. Por isso, as questões da tradução são questões da língua e da psicologia. Caso queiramos uma solução relativamente objetiva sobre essas questões, devemos usar a análise da língua e da psicologia como fundamento do argumento.

Lin foi o primeiro tradutor na China a considerar o estudo da Linguística e o da Psicologia como bases para a análise teórica da tradução. Antes disso, os textos teóricos sobre a tradução geralmente eram apenas baseados nas experiências pessoais dos tradutores. Esse texto de Lin elevou os textos chineses sobre a teoria da tradução a um nível mais acadêmico e mais objetivo.

No texto, Lin propôs os três critérios da tradução dele: “O primeiro é o critério da fidelidade, o segundo é o da fluência e o terceiro é o da beleza”. Segundo ele, os seus critérios são quase equivalentes aos critérios de “fidelidade, compreensibilidade e elegância” de Yan Fu, porém existem diferenças. A “fluência” é equivalente à “compreensibilidade”, mas uma tradução, além de ser compreensível, deve ser fluente em chinês. A fluência está relacionada com o costume de como uma língua é falada. Para Lin, uma tradução escrita com linguagem ocidentalizada pode ser gramaticalmente correta, mas não estará em conformidade com o costume de língua chinesa e consequentemente não será fluente. Os leitores chineses podem até compreender o significado do texto traduzido, mas com certeza não falam dessa forma. Isso é o que Lin chama de parecer chinês, mas na verdade não ser e parecer fluente mas na verdade não ser. O critério de “fluência” de Lin, em certa forma, desenvolveu e enriqueceu o critério de “compreensibilidade” de Yan Fu.

A fluência no critério de Lin tem o mesmo significado da fluência no critério de “fidelidade mesmo à custa de fluência”, proposto por Lu Xun. Os dois concordam que o uso de novos vocábulos ou formas linguísticas de outras línguas em chinês na realização da tradução pode deixar a linguagem de tradução não fluente. Entretanto, Lin Yutang e Lu

Xun têm opiniões opostas sobre esta questão. Para Lu, a fluência é uma característica da tradução que não é prioritária quando o objetivo é atingir a fidelidade da tradução. E quando a sua tradução tem, como uma das funções, o enriquecimento da língua chinesa, o uso da linguagem não muito fluente é tolerável ou até intencional por ser um método para usar formas linguísticas introduzidas para o chinês, as quais são muito úteis para a modernização da língua. Nessa perspectiva, a tradução desempenha uma função importante para a evolução da língua chinesa, além das suas outras funções. Por outro lado, Lin Yutang considera isso como uma questão diferente da ocidentalização ou modernização da língua. Para ele, quando for uma tradução, deve-se usar o chinês fluente conforme o costume da língua chinesa. A tradução não é uma exceção para usar o chinês ocidentalizado ou introduzir novas formas linguísticas de outras línguas. Lin Yutang acha que a ocidentalização da língua pode somente focalizar na introdução de novos vocábulos, mas Lu Xun e Qu Qiubai são mais abertos para aceitar diversas formas de introdução. Na verdade, no seu texto, Lin Yutang não discutiu muito sobre essa questão, por ter espaço limitado68 e por não ser foco do seu texto.

Nesse aspecto, a perspectiva linguística de Lin Yutang, apesar de ter suas importâncias significativas para o desenvolvimento das teorias da tradução na China, demonstrou uma das suas limitações, por considerar meramente a natureza linguística da tradução, ignorando a sua natureza funcional. Como as abordagens recentes do funcionalismo demonstram, tradução não é somente uma questão linguística, mas uma ação humana com intenção e função. A análise linguística e a psicológica são importantes para a tradução, mas não as únicas formas para entender esse processo complexo. Tradutores podem adotar métodos diferentes da tradução dependendo da função e intenção da tradução. Além disso, a língua não é algo morto e fixo. Ao invés, línguas humanas estão sempre em desenvolvimento. E a tradução, como uma forma que emprega as línguas, tem participação inevitável e inegável na evolução das línguas.

O critério que foi mais argumentado no artigo de Lin Yutang foi o de fidelidade, o qual ele resumiu em quatro significados: primeiro, a fidelidade não é a tradução palavra por palavra; segundo, a fidelidade deve transmitir o tom emocional do texto original; terceiro, a fidelidade é relativa e não absoluta; quarto, a fidelidade deve ser atingida através da tradução fluente. Durante a discussão sobre essa questão, Lin Yutang

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O seu texto foi publicado como prefácio do livro “Teorias sobre a tradução”, editado por Wu Shutian.

apresentou suas opiniões sobre a tradução palavra por palavra e a tradução oração por oração, os dois conceitos que usou para substituir a tradução literal e a tradução liberal.

Segundo Lin Yutang (1933, In: LUO, 1984, p. 421), o “tradutor tem responsabilidade de entender cada palavra do texto original, mas não responsabilidade de traduzir todas as palavras”. Com diversos exemplos que apresentou no seu texto, Lin Yutang mostrou que o método da tradução palavra por palavra é errado e não pode ser adotado para a realização da tradução, porque esse método considera que o significado das palavras é fixo e independente do resto do texto, enquanto na verdade o significado das palavras é flexível e muda muito conforme o contexto do texto no qual estão inseridas. Por isso, deve-se traduzir oração por oração, porque a psicologia da tradução deve ser igual à psicologia da redação, que é ter primeiro um conceito geral na mente e depois tentar formá-lo com uma combinação de palavras, de acordo com o costume e a gramática da língua de chegada. Lin Yutang foi um dos primeiros tradutores na China que apresentaram a ideia da importância do “contexto do texto” e da “coerência” de uma palavra com as outras no texto para a compreensão do significado da palavra e do texto como um todo.

O segundo significado de fidelidade definido por Lin Yutang é a transmissão do tom emocional do texto original. Aqui Lin Yutang usou o termo linguístico “tom emocional” (Gefühlston) para descrever as emoções que as palavras carregam, além do sentido lógico, ou seja, a implicação da palavra. Qualquer palavra tem emoção e o uso da linguagem não serve apenas para transferir informações, mas também para comunicar emoções. Segundo Lin Yutang, na realização da tradução, especialmente de obras artísticas como poemas, o tradutor deve saber usar a implicação da palavra e deixar os leitores tão emocionados com a tradução quanto ficariam com a obra original.

No terceiro significado da fidelidade, que é de fidelidade relativa, Lin Yutang resumiu a questão da beleza da tradução em cinco aspectos: beleza de som, beleza de significado, beleza de emoção, beleza de espírito e beleza de gênero textual. Por causa das diferenças entre língua de chegada e de origem e outros fatores, tais como as diferenças culturais e de costume entre o país de origem da obra original e o país de chegada da tradução, é quase impossível uma tradução manter todas essas cinco belezas do texto original. Baseado nessa perspectiva, Lin Yutang declarou que é impossível uma tradução atingir 100% da fidelidade.

Para defender a sua afirmação de fidelidade relativa, no texto traduzido na seção 4.7.2, Lin Yutang usou o exemplo de um trecho do poema chinês “Viagem na vila Shan Xi”, escrito pelo poeta Lu You: “山 重 水 复 疑 无 路 , 柳 暗 花 明 又 一 村”. Caso o trecho seja traduzido empregando o método palavra por palavra, a tradução seria: “Montanhas repetidas e águas repetidas que deixam dúvida se há caminhos, salgueiros escuros e flores brilhantes mais uma aldeia”. Uma tradução assim transfere somente o conteúdo do poema original, mas não é capz de construir a mesma cena que a obra original descreve na mente dos leitores chineses, ou seja, não consegue manter a beleza de som, de emoção, de gênero textual e, menos ainda, de espírito do poema. Caso seja empregado o método da tradução oração por oração, que busca manter o estilo original, acho que podemos chegar como resultado a uma tradução assim: “Depois de intermináveis montanhas e rios que deixam dúvida se existe um caminho de saída, de repente alguém encontra a sombra de um salgueiro, flores brilhantes e uma aldeia adorável”69

. Quando comparada com a primeira tradução, a segunda tradução, além de ter uma linguagem mais fluente e bonita, mantém a beleza de emoção por ter usado palavras como “intermináveis” e “de repente” para demonstrar a emoção de surpresa e de alegria que o poeta sentiu quando escreveu o poema. Porém, ainda se perde o espírito do poema original, além da beleza de som e de gênero textual, por causa das culturas diferentes. Essa cena de uma aldeia com salgueiros e flores lindas escondida no meio de muitas montanhas e rios para os chineses é uma cena do paraíso, mas para os leitores estrangeiros é no máximo uma cena bonita de natureza. Por isso, tradutores como Lin Yutang e Chen Xiying declararam que é quase impossível de se fazer uma tradução totalmente fiel.

Considerando que a palavra “elegância” não abrange toda a relação entre a tradução e textos artísticos, Lin Yutang propôs a “beleza” como o seu terceiro critério da tradução e como a responsabilidade do tradutor à arte. Uma grande diferença entre a “elegância” de Yan Fu e a “beleza” de Lin Yutang é no uso da linguagem. Para Yan Fu, apenas o chinês clássico é elegante e por isso pode ser usado para traduzir qualquer tipo de obra. Essa prática de Yan Fu de usar sempre o chinês clássico na tradução desconsiderando as próprias características da

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A tradução da autora foi feita com base na versão em inglês de Hillary Clinton: “After endless mountains and rivers that leave doubt whether there is a path out, suddenly one encounters the shade of a willow, bright flowers and a lovely village”.

linguagem da obra original foi claramente criticada e chamada de “tradução casual” por Lin Yutang. O critério “beleza” proposto por Lin Yutang está associado com a capacidade de uma tradução demonstrar o valor artístico da linguagem do texto original e não com a elegância na língua de chegada que o tradutor escolheu para realizar a tradução. Além disso, a beleza da linguagem não necessariamente se refere ao estilo elegante.

O critério da beleza de Lin Yutang destacou a natureza artística da tradução, mas se limitou também somente à tradução de textos artísticos. Além de tratar o trabalho de tradução como um tipo de arte, Lin também considera a tradução como produção – e não reprodução, como muitos outros tradutores chineses, entre os quais merece destaque Lu Xun. Porém, a sua discussão sobre a questão da beleza e da arte da tradução foi apresentada de forma muito “breve” (a própria palavra usada por Lin) nesse artigo, sem perspectiva muito nova.

Nas seções seguintes, 4.7.2 e 4.7.3, são apresentados o texto original e a tradução do texto “Sobre a tradução”, de Lin Yutang. Esse texto foi escolhido por ser um artigo que enfatiza a perspectiva linguística sobre os métodos da tradução, enquanto muitos outros textos teóricos chineses são baseados principalmente nas experiências e perspectivas pessoais dos tradutores. Tendo sido desenvolvida com base na teoria de Yan Fu, a teoria de Lin Yutang, além de apresentar três critérios (fidelidade, fluência e beleza), destaca-se por sua discussão sobre a tradução palavra por palavra e a tradução oração por oração. O conteúdo desse texto serve como base para a análise das teorias de Lin Yutang feita na presente seção e para as análises realizadas nas seções 5.3.2 e 5.3.3 sobre os métodos de tradução.

4.7.2 Texto original de “Sobre a tradução” de Lin Yutang