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4.1 PREFÁCIO DA TRADUÇÃO DE DHAMMAPADA,

4.6.3 A tradução do texto feita pela autora

Tradução Rígida e a Natureza Classista da Literatura I

As pessoas do grupo literário de apoio à publicação do Periódico “Xin Yue” (Lua Crescente) estão falando que a venda do periódico tem melhorado. Parece que isso é verdade. Eu, uma das pessoas que tem pouca socialização, já tenho visto o seu número 6 e 7 do Volume 2 – uma edição combinada – nas mãos de alguns amigos

jovens. Lendo o periódico casualmente, notei que muitos dos seus textos são artigos sobre a “Liberdade de expressão” ou romances. Perto do final do periódico há o artigo do Sr. Liang Shiqiu “Comentários sobre a ‘tradução rígida’ do Sr. Lu Xun”, argumentando que (a tradução rígida) é “quase tradução morta”. Depois de constatar que “a tradução morta certamente não pode ser estimulada”, citou três extratos da minha tradução e o que falei no posfácio da “Arte e Crítica”:

“Porém, por causa da competência limitada do tradutor e da própria deficiência da língua chinesa, a tradução feita é obscura e há muitas coisas difíceis de entender nela. Caso as frases complexas sejam quebradas, perde-se o estilo original. A meu ver, além da tradução rígida como essa, a única solução é amarrar as mãos. E a única esperança que resta é a boa vontade dos leitores de fazerem o sacrifício de ler todo o texto.”

O Sr. Liang inseriu círculos ao redor dessas palavras com cuidado, enquanto a palavra “tradução rígida” já estava circulada. Depois, fez “críticas rigorosas”: “Nós fizemos o sacrifício de ler todo o texto, mas não ganhamos nada com isso. Então qual é a diferença entre ‘tradução rígida’ e ‘tradução morta’?”

No prefácio da edição inaugural de “Xin Yue”, diz-se que esta sociedade não é um grupo organizado. Nos artigos, palavras tais como “organizações” e “grupos” também são condenadas. Entretanto, a sociedade é organizada. Pelo menos os artigos desta edição sobre política ressonam um com o outro. E o artigo sobre arte, no qual aparece o seguinte parágrafo, é um dos resultados do artigo “A literatura tem natureza classista?” do Sr. Liang: “… mas infelizmente, não consigo entender nenhum livro deste tipo … o que me faz sentir mais dificuldade são as palavras usadas, … quase mais difícil de entender do que livros do céu58 … Até agora ainda não há um chinês que tenha conseguido escrever um texto, com palavras que os chineses entendam, para explicar a teoria da literatura proletária para nós.” De novo, há círculos ao redor dessas frases, mas para não causar incômodo na impressão do presente texto, não vou desenhá-los aqui. Enfim, o Sr. Liang se considera o representante de todos os chineses. Como ele não consegue entender esses livros, nenhum chinês os entenderia. Por isso esses livros não devem existir na China e afirmou que “esta tendência tem que ser impedida”.

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“Livros do céu” é uma expressão chinesa, que literalmente significa livros escritos por deuses. Geralmente é usado metaforicamente para descrever textos ou palavras difíceis de entender.

Não posso falar pelos tradutores de outros “livros do céu”, mas em minha opinião, este assunto não é tão simples. Primeiro, o Sr. Liang acha que fez “o sacrifício de ler todo o texto”, mas se ele realmente fez esse sacrifício e se ele conseguiu ler tudo ainda está em questão. Uma das características de membros da Sociedade Xin Yue é dizer que fará o sacrifício, mas na verdade não consegue fazer porque é muito incompetente. Segundo, o Sr. Liang acha que representa todos os chineses, mas se isso inclui todos os chineses mais talentosos é outra questão. Essa questão pode ser explicada pelo artigo “A literatura tem natureza classista?”. Há razões para dizer que a palavra Proletary não deva ser transliterada, mas traduzida pelo sentido. Porém, Sr. Liang, o crítico, disse: “Basta consultar o dicionário que se pode perceber que esta palavra não tem significado muito respeitável. Segundo o Dicionário Webster’s, o significado de Proletary é: A citizen of the lowest class who served the state not with propertybut only by having children… O proletariado de um país é a classe que faz nada além de dar luz a crianças! (Pelo menos durante a época romana)”. Na verdade não há necessidade de lutar por essa respeitabilidade. Pessoas com um pouco de senso comum não considerariam que estamos na época romana e que todos os proletários são romanos. Isso é como a palavra “Chemie”, transliterada como “Shemi Xue”. Nenhum leitor iria confundir essa palavra com “alchemy”. Também não vai verificar a raiz etimológica do caractere “Liang” quando lê o artigo escrito pelo Sr. “Liang” e achar que “ponte feita de uma única madeira”59

sabe escrever. Até “consultar o dicionário” (Dicionário Webster’s!) não ajuda o Sr. Liang. Suponho que não sejam todos os chineses como ele.

V

Neste ponto, posso falar novamente sobre a minha “tradução rígida”.

A pergunta lógica a ser deduzida seria: dado que a literatura proletária focaliza na propaganda e a propaganda deve ser compreensível para a maioria das pessoas, por que você traduziu os “livros do céu” teóricos cujas traduções são difíceis de entender? Não é igual como não traduzir?

A minha resposta é: traduzi para mim, para alguns críticos autoproclamados de literatura proletária e para alguns leitores que,

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Liang é um sobrenome chinês cujo significado da raiz etimológica é ponte feita de uma única madeira.

apesar das dificuldades, procuram entender um pouco dessa teoria, ao invés de seguir o caminho mais fácil.

A partir do ano retrasado, têm aparecido muitos ataques a mim. Em qualquer publicação, é inevitável ver o nome “Lu Xun”. De acordo com o que os autores falaram nessas publicações, eles parecem escritores de literatura revolucionária. Tenho lido alguns desses textos e aos poucos, comecei a ter a impressão que há muita coisa sem sentido. O bisturi deles não conseguiu cortar no lugar certo e as suas balas também não causaram ferimento fatal. Por exemplo, até agora a classe a qual eu pertenço não está determinada. Às vezes é a classe com pouca propriedade, às vezes a “burguesia”, ocasionalmente “resquícios feudais” ou até considerada como orangotango (vide “Correspondência com Tóquio” da Revista “Criação Mensal”). Uma vez, até a cor dos meus dentes foi o alvo de ataque verbal. Numa sociedade assim, é muito provável que haja resquícios feudais que exibem o seu talento, mas em nenhuma vista materialista da história eles são considerados equivalentes a orangotangos. Também não há evidência que dentes amarelos danifiquem a revolução proletária. Por causa disso, eu penso que há muito poucas teorias deste tipo, que fornecem referências úteis, fazendo com que as pessoas fiquem confusas. Temos que, inevitavelmente, dissecar e mastigar os inimigos. Mas caso sigamos um livro didático de anatomia e um de culinária, a estrutura e o sabor que teremos serão relativamente mais claros e deliciosos. As pessoas geralmente comparam o mítico herói Prometeu a um revolucionário, porque ele roubou o fogo do céu para o ser humano e, apesar de ter sido punido por Zeus, não se arrependeu. Os dois têm a mesma persistência. Mas a minha ideia original de roubar o fogo de outros países é cozinhar a carne do meu próprio corpo, esperando que, caso tenha um bom gosto, os que me mastigarem possam obter mais benefícios e que eu não tenha abandonado o meu corpo por nada. O meu ponto de partida foi totalmente interesse pessoal, junto com o desejo de um cidadão comum por luxo e a “vingança” de tirar devagar um bisturi e empurrá-lo no coração das pessoas que dissecam. O Sr. Liang disse que “eles querem vingança”! Na verdade, aqueles que querem vingança podem ser também encontrados nos “resquícios feudais”. Quero ser útil na sociedade, mas o que o público vê ainda é fogo e luz. Assim, o primeiro livro com o qual combati foi “Políticas literárias”, porque nele podem ser encontrados argumentos de diversas escolas. Agora o Sr. Zheng Boqi executa uma gráfica, imprimindo peças de teatro de Hauptmann e da Sra. Gregory. Há algum tempo, quando ele ainda era um revolucionário literário, na revista “Vida literária”, que ele mesmo editou, zombou de

mim por ter traduzido o livro Políticas Literárias com intenção de ficar famoso e afirmou que infelizmente o livro já havia sido traduzido por outra pessoa antes. Não acho que alguém possa ganhar fama por traduzir somente um livro, pois assim seria muito fácil de ser um revolucionário literário. Há um jornal pequeno que disse que a minha tradução de “Sobre arte” foi uma ação de rendição. Sim, ações de rendição são bem comuns. Mas se o Sr. Cheng Fangwu já saiu do Japão e foi para Paris, para quem vou pedir rendição? No presente ano, há outra forma de falar isso. Tanto em “Explorer” quanto em “Ficções modernas” foi usada a expressão “mudança da direção”. Em algumas revistas do Japão que li, essa expressão foi usada por Kataoka Teppei, um membro anterior da escola neo-sensacionista, e acho que foi bem usada. Na verdade, essas diversas expressões mostram um erro antigo que as pessoas geralmente cometem quando olham somente para o sentido superficial, sem pensar muito. Traduzir um livro sobre a literatura proletária não constitui prova da orientação ideológica do tradutor. Mas caso realize uma tradução distorcida, isso seria suficiente para causar danos. As minhas traduções de livros também são dedicadas a esses críticos de literatura proletária que fazem julgamentos precoces, porque eles têm a responsabilidade de estudar duramente essas teorias ao invés de seguir um caminho mais fácil.

Estou confiante de que não realizei tradução distorcida deliberadamente. Rio quando acerto no ferimento dos críticos que não admiro e aguento a dor quando o meu ferimento é acertado. Mas me recuso a aumentar ou diminuir um pouco o texto original e isso também é uma das razões pelas quais insisto na “tradução rígida”. Claro, devem surgir tradutores melhores que conseguirão fazer uma tradução não distorcida, e nem “rígida” ou “morta”. Quando isso acontecer, as minhas traduções serão substituídas. Só preciso preencher a lacuna entre a “inexistência” da tradução e a “tradução relativamente boa”.

4.6.4 O texto original de “Retradução é indispensável” de Lu Xun