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Análise de Política Externa: Brasil de Cordeiro a Chacal

3.1. As Mudanças Estruturais e a Política Externa Brasileira

3.1.2. A Bipolaridade Equilibrada e a Transição de Cordeiro para Chacal (1970-1989)

O início dos anos sessenta é reconhecido pelo período da Política Externa Independente e coincide com a percepção de que o equilíbrio de poder estava próximo, principalmente pela queda no poder norte-americano e pelo crescimento do poder Soviético. A percepção do aumento do poder soviético acompanha duas políticas principais – a espacial e a nuclear. A Crise dos mísseis de Cuba 1962 marcou o auge da instabilidade da Guerra Fria, após esta crise são deflagradas ações internacionais para conter a expansão ou proliferação das armas atômicas. A resolução das crises marcam a necessidade de entendimento entre as superpotências e o início das práticas de “distensão” ou deténte que acompanham as negociações sobre armas nucleares. O crescimento no relacionamento diplomático e a percepção de equilíbrio de poder passa a ser mais nítida pelos outros atores, como as potências médias. Neste contexto foi firmado o Tratado de Não-Proliferação de Armas Atômicas (TNP) em 1968 pelas potências do CS-ONU (EUA, URSS, China, França e Reino Unido). Durante os anos setenta ainda seria firmado o SALT-I, que previa o “congelamento” dos arsenais nucleares das superpotências.

Em paralelo a este processo de equilibração de poder no sistema internacional ocorreu a ampliação do crescimento econômico do Brasil. Ele foi baseado na transformação

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da sua economia que passou a produzir bens de consumo não duráveis e intermediários, e que no decorrer dos anos setenta passaria a produzir bens de capital, completando o seu parque produtivo. A produção de manufaturas cresce e as suas exportações também crescem com relação aos dados do período anterior no qual a maioria das exportações estavam ligados aos produtos primários ou commodities. Para visualizar estes dados é importante avaliar o gráfico 10 que demonstra o crescimento das exportações de manufaturados e a queda dos básicos no decorrer desta década. Assim, a estrutura internacional apresenta um cenário de equilíbrio e o crescimento de poder do poder nacional altera a forma de inserção internacional, que passa a estar identificada com a de uma potência intermediária com interesses revisionistas limitados.

Gráfico 10. Exportações do Brasil de 1964-2012

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (2012).13

Incrementos de capacidades materiais não justificam mudanças de posicionamentos em política externa quando levadas em conta sem as mudanças na distribuição ao nível estrutural. É o sistema internacional que apresenta oportunidades e desafios aos atores, em resposta a estas mudanças é que ocorrem as principais alterações na condução da política

13 http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=5&menu=1846&refr=608, acessado em

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externa de atores intermediários. Assim, que mudanças ocorrem na política externa brasileira no período dos anos 70 até o final dos anos 80 em adequação ao equilíbrio de poder?

Ao se analisar as teorizações principais sobre o período é possível identificar que há maior ênfase na busca pela autonomia e em práticas com objetivos revisionistas de influência terceiro-mundista. A transição da bipolaridade desequilibrada para a bipolaridade equilibrada coincide com a mudança de orientação da sua política externa, pois passa de uma prática nítida de “cordeiro” por meio do «bandwagoning» tradicional para a adoção de práticas de indiferença e de revisionismo limitado que compreende as estratégias dos “chacais” no sistema internacional.

Assim, a estratégia principal é marcada pela busca de “autonomia pela distância”. Segundo Vigevani e Cepaluni (2007: 283) ela consiste em: “uma política de não-aceitação automática dos regimes internacionais prevalecentes e, sobretudo, a crença no desenvolvimento parcialmente autárquico, voltado para a ênfase no mercado interno; consequentemente, uma diplomacia que se contrapõe a certos aspectos da agenda das grandes potências para se preservar a soberania do Estado Nacional”. Neste período inicia- se a diversificação em “eixos” da política externa brasileira, que passou a orientar-se para outras regiões como as do “Leste” – Oriente Médio e do “Sul” – América Latina, África e Ásia do Sul (Vizentini, 2006; Pecequilo, 2008).

Segundo Hirst (2009) a partir dos anos setenta o Brasil passa a adotar uma política de “autonomia” com relação aos Estados Unidos. Ela viria acompanhada de maior ativismo internacional em defesa da não intervenção, da soberania dos estados, pela autodeterminação dos povos e pela resolução pacífica de controvérsias. Estas novas “bandeiras” da política externa são de orientação terceiro-mundista, pois “em busca de autonomia e universalismo, o novo projeto de política internacional do Brasil pressupunha o fim do alinhamento automático aos Estados Unidos, o abandono dos condicionamentos ideológicos impostos pela Guerra Fria e a identificação com o Terceiro Mundo” (Hirst, 2009: 48). No entanto, cabe destacar que nunca ingressou no movimentos dos não-alinhados.

A diversificação da política externa, o fim do alinhamento e um maior protagonismo levou Lima (2005) a marcar este período como o de “globalismo”. As oportunidades sistêmicas promovidas pelo equilíbrio de poder por um lado e o incremento de poder por outro são fatores que coincidem para permitir ações de abandono do «bandwagoning»

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tradicional e a adoção de práticas menos voltadas ao «status quo». A atuação do Brasil em acordo com isto é identificada nas negociações sobre o Meio Ambiente (1972), no Gatt (1973) e sobre os direitos do Mar (1974). O projeto era assumir a liderança do “terceiro- mundo” na busca de tratamento “especial” pelos EUA (Hirst, 2009: 47).

Todavia, apesar da política externa deste período constituir-se por um distanciamento maior e uma prática revisionista limitada, os objetivos e as formas ainda relacionavam-se preferencialmente com a superpotência ocidental. De tal modo que o comportamento que se identifica é o de um revisionismo limitado à espera de lucros das possíveis mudanças na ordem internacional. Neste período ele passa a oscilar entre os interesses norte-americanos ao nível regional e os do rival representado pela potência do “Leste” ao nível mundial. O “embrião” do “chacal” que realiza um «bandwagoning for profit» reside aqui. E este comportamento consiste em ter como

the primary goal of jackal bandwagoning is profit. Specifically, revisionist states bandwagon to share in the spoils of victory. Because unlimited–aims revisionist powers cannot bandwagon (they are the bandwagon), offensive bandwagoning is done exclusively by lesser aggressors, what I call limited–aims revisionist states. Typically, the lesser aggressor reaches an agreement with the unlimited–aims revisionist leader on spheres of influence, in exchange for which the junior partner supports the revisionist leader in its expansionist aims. Just as the lion attracts jackals, a powerful revisionist state or coalition attracts opportunistic revisionist powers (Schweller, 1998: 72).

Como forma de evidenciar as ações do país na bipolaridade equilibrada e definir o estabelecimento da primeira fase de comportamento como Chacal I, veja-se o gráfico 11:

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Gráfico 11. A Bipolaridade Equilibrada e as Estratégias da PEB (1970-1989)

Elaboração do Autor.

Evidencia-se a correlação entre as mudanças estruturais, as mudanças no poder do estado e as adaptações da política externa. No entanto, as percepções de poder por si só não conduzem a estas mudanças, adicionalmente devem ser levadas em conta as preferências e prioridades ao nível nacional. Não obstante, o objetivo desta parte é demonstrar que os estados respondem aos efeitos estruturais em função de suas capacidades materiais. Desta forma, as preferências atuarão como intervenientes desse relacionamento entre estrutura- estado.

As respostas do Brasil até agora demonstram leituras positivas da distribuição de poder internacional e quando for possível distancia-se do exclusivismo das relações com o ator mais poderoso de seu hemisfério. Esta estratégia pode ser percebida quando leva-se em conta os pressupostos do realismo, pois mesmo que ele perceba os interesses do ator de maior relevo como benignos ele representa a sua maior ameaça a sobrevivência. Estas respostas, logo, são em função do elevado grau de ameaça externa. De tal modo que irá rivalizar com os Estados Unidos sempre que existirem os seguintes fatores: oportunidades estruturais, percepção de incremento de seu poder material, ambição por autonomia de atuação externa e a presença de um ator revisionista que se aproxime da América Latina.

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Em função da equilibração de poder e do incremento de suas capacidades ele passa a atuar de forma distinta no jogo de poder dos anos 70-80, desta forma é necessária a elaboração de novo gráfico que atualize a atuação do Brasil e também dos principais atores. No gráfico 12 demonstra-se as modificações que ocorreram no período posterior a Segunda Guerra e após a estabilização da Guerra Fria. Cabe destacar as principais mudanças de categorias que acompanham os interesses e a distribuição de poder relativo. Assim, os EUA modificam sua posição de indiferença para assumir o protagonismo da nova ordem e atuar definitivamente em prol do «status quo». Por outro lado há mudança de posicionamento da União Soviética que passa de “raposa” a “lobo”, pois deixa sua posição de “espera” pela nova ordem para um posicionamento expansionista com objetivos revisionistas ilimitados. A queda no poder da Alemanha e sua divisão político-territorial conduzem ao posicionamento da Alemanha Ocidental ao lado dos defensores do «status quo». O mesmo ocorre com Japão que passa de “chacal” a “coruja”, que pretende ser vigilante asiático pela ordem estabelecida na ligação direta com os Estados Unidos após a derrota na guerra.

Gráfico 12. O Brasil no “Jogo de Poder” dos anos 70

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Com relação ao posicionamento do Brasil já ficaram estabelecidas as razões do revisionismo limitado e do enquadramento como “chacal”. Cabe destacar que o seu revisionismo é com menor ênfase e de limitadas proporções. O grau de revisionismo é afetado pelo poder que concentra, isto fica nítido pela impossibilidade teórica de existir uma potência média com objetivos ilimitados de revisionismo (Schweller, 1998). Pode-se exemplificar com as políticas do Irã atual: mesmo que pretenda discursivamente uma prática expansionista e de revisionismo ilimitado, não deflagra práticas agressivas como invasão maciça de territórios. Para adotar práticas de revisionismo ilimitado e partir para conquista de territórios é necessário ter capacidades materiais acima do nível das potências médias, isto é, de grandes potências, e ter uma grande aceitação de riscos (Schweller, 2008).

As tendências principais da política externa brasileira entre 1970 e 1989 mantêm-se e a autonomia pela distância caracteriza a ambição principal. Assim, a estabilização da distribuição de poder “abre” brechas para uma atuação ao nível global distinta daquela do período anterior e que como veremos será distinta a ser implementada na atual unipolaridade. O retorno dos Estados Unidos como ator de maior poder no SI, a ausência de ator revisionista, bem como a relativa queda nas capacidades materiais do Brasil atuam como limitantes de sua atuação internacional. Há o retorno ao regionalismo (MERCOSUL), uma atuação menos revisionista em acordo com as preferências norte-americanas e um regresso das relações prioritárias com o “Norte”.