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As Capacidades Materiais e a Política Externa Brasileira

4.1. As Capacidades Materiais e o Processo Decisório em Política Externa

A hipótese central desta tese questiona se as limitadas capacidades materiais dos atores médios afetam a sua política externa. Cabe inicialmente avaliar de que forma elas podem afetar a inserção internacional de um estado. Por isso é necessário diferencia-as dos recursos e dos instrumentos. Os recursos são os bens “latentes” de um estado, como por exemplo, sua população, os recursos naturais e ambientais, dentre outros que se relacionam com aspectos físicos presentes em um território soberano. Além disso, estão ligados a tradição e ao histórico das relações internacionais. Por outro lado, os instrumentos são as formas “disponíveis” aos atores para relacionarem-se no sistema internacional. Dentre eles pode-se citar os quatro principais - a diplomacia, a economia, o militar e o cultural (Hill, 2003: 138). Mais, “coercive (hard) strategies draw on instruments from the first three categories, and persuasive (soft) strategies may use all four. Endless varieties of technique exist for any given instrument, none of wich should be allowed to run ahead of capabilities. Each instrument has its own distinctive problems of agency”. As capacidades, por seu turno, ligam os recursos aos instrumentos no processo decisório em política externa. Portanto, a implementação da política externa consiste em transformar recursos (latentes) em capacidades (tangíveis), as quais definirão os instrumentos (Hill, 2003: 137).

Além disso, as capacidades materiais participam do relacionamento entre os estados e o sistema internacional. Na seção anterior demonstrou-se como o sistema internacional e sua distribuição de poder pode afetar a política externa de um ator intermediário. Cabe destacar, contudo, que as capacidades se relacionam com a autonomia de ação de um estado.

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Por conseguinte, quanto mais poder detêm, mais autônoma pode ser sua política externa, pois estará sujeito a menores constrangimentos e terá maiores instrumentos para atuar no sistema internacional. Logo, elas influenciam como os atores definem suas estratégias, tanto pela percepção de sua distribuição internacional, quanto pela definição de seus meios de poder. Nos termos de Waltz (2002: 265): “(…) o poder fornece os meios para mantermos a nossa autonomia face à força que os outros exercem. (…) maior poder permite maiores raios de acção, enquanto deixa incertas as resultantes da acção. (…) os mais poderosos gozam margens mais largas de segurança ao lidarem com os menos poderosos e têm mais a dizer sobre que jogos serão jogados e como”.

É objetivo comum dos estados limitar os efeitos restritivos da estrutura internacional. Por esta razão poder e autonomia estão diretamente relacionados. De forma simplificada o gráfico abaixo demonstra que as grandes potências detêm mais poder do que as médias e intermediárias, logo, maior grau de autonomia:

Gráfico 21. A Distribuição de Capacidades

Elaboração do autor (dados do CINC).

Como exemplos da relação entre poder e autonomia pode-se citar a ampliação da participação internacional chinesa nas últimas décadas, que se deparou com restrições menores e contou com mais instrumentos do que o Brasil, por exemplo. De mesma forma a autonomia dos Estados Unidos é maior do que as dos demais, isto se manifesta pelo domínio que detêm dos “jogos” de poder no sistema internacional, conforme Waltz (2002).

EUA China Brasil Africa do Sul Argentina

Grandes Potências Potências Médias Maior Poder Maior Autonomia Menor Poder Menor Autonomia

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Assim, os atores com mais poder sofrem menos com os efeitos restritivos e suas ações podem influir no sistema. Por outro lado, os atores menores sofrem mais constrangimentos de ação e afetam de forma menos relevante o sistema internacional. De tal modo, para o caso do Brasil os condicionamentos externos afetam suas possibilidades de atuação internacional, como vimos no capítulo anterior. Por isso busca-se identificar quais são os instrumentos e meios que estão disponíveis para ele efetivar a sua política externa.

Entretanto, o tema das capacidades materiais e sua distribuição internacional é fonte de disputas dentro do realismo. Em especial, pode-se citar que em função delas é que giram as discussões sobre a manutenção da unipolaridade (Layne, 1993; Wohlforth, 2012). A indefinição dos termos a serem medidos (ex.: ênfase demasiada no poder econômico), o uso indefinido dos conceitos (ex.: usar sem distinção hegemonia, unipolaridade e Pax Americana), a proposição de argumentos não refutáveis (ex.: formação espontânea do equilíbrio de poder) e o uso de mecanismos causais que não sejam claros (ex.: como a unipolaridade força os estados a incrementar poder) são alguns dos problemas encontrados por Wohlforth (2012: 219-222) nas proposições teóricas recentes do realismo sobre a unipolaridade. É importante guardar estes aspectos para que não sejam cometidos os mesmos erros.

Em suma, o que se propõe nesta parte da tese é avaliar os dois principais componentes das capacidades materiais de um estado – econômicas e militares, com o fim de questionar se há incremento delas pelo Brasil e se elas conduziram as mudanças recentes em sua política externa. Por outro lado, busca-se perceber se a limitação delas conduze a menores opções na política externa.

Para realizar esta tarefa serão utilizadas as entrevistas realizadas com setores envolvidos na elaboração desta política. Buscou-se uma amostra representativa dos setores identificados por Amorim Neto (2011: 81) como relevantes no processo decisório. Além disso, utiliza-se fontes secundárias (dados) para complementar as informações provenientes das primárias (entrevistas). Os dados utilizados serão os sugeridos por Wohlforth (1999), pois adiciona às componentes econômicas (PIB nominal, Crescimento do PIB, PIB paridade poder de compra) e militares (Gastos com Defesa, Tamanho dos Exércitos e Equipamentos) os dados relativos à Pesquisa e Desenvolvimento, que influenciam as duas áreas na atual “era da informação”.

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