• Nenhum resultado encontrado

Potências Intermediárias e Médias: A Região e o Mundo

2.1. A Distribuição de Capacidades entre os Estados: as potências médias do S

Conforme se abordou na seção anterior o poder é crucial para o estudo da política internacional. É a partir da distribuição dele que se pode definir a estrutura do sistema internacional e definir os efeitos sobre os atores. Para analisar o poder dos estados na política internacional remete-se novamente ao neorrealismo para definir quais os critérios utilizados para diferenciar entre as grandes, as médias e as pequenas potências. Atualmente, alguns estudos evitam o uso destas categorias clássicas e optam por novas, como por exemplo, a de potência regional ou potência emergente; porém, elas não excluem as tradicionais, pois uma potência regional tanto pode ser uma potência média, como grande potência. De mesma forma potências emergentes podem já ser grandes potências, como a China, ou potências médias e regionais que almejam ser grandes potências, como o Brasil e a Índia.

Este debate, bem como o sobre a racionalidade dos estados, não é pacífico busca-se, assim, incluir algumas proposições que permitam definir o conceito de potência média a ser operacionalizado nesta tese. Deste modo, segundo Wight (2002: 47): “dois tipos de potência menor atingem uma eminência que as distinguem das demais: as grandes potências regionais e as potências médias”. Argentina e Brasil, segundo ele se apresentam como potências regionais pelo papel que desempenhavam na região.

Com mais precisão, pode ser argumentado que uma potência média é uma potência com poderio militar, recursos e posição estratégica de tal ordem que em tempos de paz as grandes potências desejam ter seu apoio. Em tempos de guerra, contudo, mesmo não tendo chance de sair vitoriosa, ela pode esperar infligir a uma grande potência danos bem maiores do que esta

61

última pode esperar causar caso ataque a potência média. (…) As potências médias surgem quando estão sendo revistas as qualificações necessárias para que se atinja o status de grande potência (Wight, 2002: 49).

A “disputa” que se coloca está entre potências médias e regionais, pois a separação entre as grandes potências e as médias é mais nítida, seja por critérios militares, sejam econômicos e/ou políticos. De mesma forma que a divisão entre potências médias e potências menores, pois as médias apresentam algum poderio militar e econômico que lhes oferece algum grau de autonomia frente aos desafios internacionais; enquanto, as menores têm atuação ao nível global limitada e tendem a estarem associadas a alguma grande potência (Palou, 1993: 28).

As potências médias não são grandes potências, nem pequenas potências. Por outro lado, são potências regionais (Gratius, 2007: 6). É necessário definir os critérios que permitem a separação das potências entre médias e regionais. Segundo Jordaan (2003: 165):

Middle powers are states that are neither great nor small in terms of international power, capacity and influence, and demonstrate a propensity to promote cohesion and stability in the world system. Despite problems of classification, a consensus has developed that states such as Australia, Canada, Norway and Sweden are middle powers. However, that consensus on middle-power identification is being undermined by the recent inclusion of such states as, among others, Argentina, Brazil, Nigeria, Malaysia, South Africa and Turkey in the middle-power category.

As definições de quais são as potências podem ser inseridas nesta categoria remetem- se as vinculações teóricas dos autores que as definem. No entanto, demonstrou-se que para teoria neorrealista da política internacional os aspectos materiais detêm maior relevância. Deste modo, as capacidades materiais das grandes potências são maiores que as das médias, por seu turno elas detêm capacidades maiores que os menores. Porém, deve-se definir quais as capacidades que nos referimos. Conforme previamente estabelecido os realistas estruturais consideram capacidades materiais como sendo o: “tamanho da população e do território, dotação de recursos, capacidade econômica, força militar, estabilidade política e competência” (Waltz 2002: 182). Em acordo com estes critérios nota-se que há muitas diferenças entre as grandes potências e as potências médias. Por exemplo, pode-se citar a diferença entre o poder militar dos EUA em relação às outras potências. Segundo os critérios acima elencados fica evidente o protagonismo dos Estados Unidos no sistema internacional e a inserção de atores como China e Rússia como grandes potências. Por outro lado estes critérios também confundem e produzem percepções equivocadas que derivam da imprecisão de Waltz em definir critérios para mensurar este poder.

62

É com base nestas imprecisões que a categoria “emergente” passa a figurar na área das relações internacionais. O caso do Brasil é singular neste aspecto, pois o crescimento econômico dos últimos anos conduz os analistas a incluí-lo dentre as possíveis potências emergentes que no futuro irão constituir o grupo das grandes potências; entretanto, estas análises estão voltadas a dar peso demasiado aos recursos naturais e aos aspectos econômicos. Assim, o tamanho do território, dos recursos estratégicos (petróleo e minérios), da população, a estabilidade política e alguma força militar e econômica permitem incluí-lo como aspirante à grande potência. Todavia, uma análise que leve em estima critérios econômicos e militares qualitativos irão demonstrar a distância enorme que existe com relação os outros emergentes. Isto será demonstrado com evidência empírica no decorrer da tese, na qual serão feitas comparações entre as capacidades do Brasil e dos demais tipos de potências (grandes, médias, regionais e menores).

Jordaan (2003) propõe uma análise das potências médias a partir da divisão entre tradicionais e emergentes, com o propósito de identificar as diferenças nas políticas externas destes atores internacionais. Ele destaca que as potências médias emergentes relacionam-se com sua região a fim de assumir sua liderança, em oposição as tradicionais. Neste caso as potências regionais emergentes coincidem com as potências regionais que analisam Nolte (2010), Flemes (2007), Buzan e Weaver (2003), dentre outros. Jordaan (2003) considera o Brasil como uma potência média emergente, principalmente por seu comportamento regional, pois assume uma vinculação regional relevante, com ênfase no caso do MERCOSUL. Contudo, estas análises dão demasiado peso à política externa, pois analisam o seu “status” de poder em função desta política e não com base nas capacidades materiais que dispõe para instrumentalizá-la. Gratius (2007), assim como Malamud (2011) destacam que o Brasil, figura como emergente e potência regional; porém, tem uma baixa relação regional, nomeadamente uma baixa interdependência econômica com a região.

Como forma de aprimorar o argumento sobre as potências médias insere-se a definição de grande potência, que permitirá identificar quais são os países que fazem parte deste grupo. Mearsheimer (2007) afirma que o poder das grandes potências deriva de sua economia, mas principalmente, de seu poder militar.

A política das grandes potências é determinada essencialmente com base na sua capacidade militar relativa. Para se qualificar como grande potência, um estado deve possuir meios militares capazes de oferecer resistência séria numa guerra convencional total contra o estado mais poderoso do mundo. O candidato não precisa de ter capacidade para derrotar o estado

63

dominante, mas deve possuir uma expectativa razoável de transformar o conflito numa guerra de desgaste que deixe o estado dominante seriamente enfraquecido, mesmo que este acabe por vencer (Mearsheimer, 2007: 23).

Mas, para os neorrealistas tradicionais uma medida da economia, como o PIB e o tamanho dos arsenais nucleares podem identificar nitidamente quais países fazem parte do grupo das grandes potências e quais não. De mesma forma, pode-se inferir que os outros critérios utilizados por Waltz para definir permitem a identificação de quais os países são grandes, médias e pequenas potências. O tamanho da economia, poder militar, tamanho da população, volume de recursos e ainda a estabilidade e competência política permitem, por exemplo, identificar a diferença entre atores como Brasil e Bolívia, entre México e Nicarágua, entre África do Sul e Moçambique. Mas os critérios militares e econômicos permitem diferenciar entre Brasil e Índia, Brasil e China ou ainda Brasil e Rússia. Entretanto, as diferenças de poder de Brasil e México ou Brasil e África do Sul são menores dos que as entre Brasil e China ou Brasil e Bolívia. Assim, pode-se dizer que conquanto o conceito de potência média não seja suficientemente claro ele permite definir quais países fazem parte dela e quais não fazem.

Portanto, ao afirmar que as potências médias não são nem grandes nem pequenas e que podem atuar no sistema internacional em alguns âmbitos, permite-se inferir que países como Brasil, Argentina, México, África do Sul, Turquia, Canadá, Malásia e Irã, podem estar nas mesmas categorias. Todavia, o que varia neste caso é a região em que se inserem e o peso de sua atuação internacional, ou seja, como participam e que associações efetivam (Nolte e Flemes, 2010; Lemke, 2010). Assim sendo, é mister abordarem-se os critérios para definir as potências regionais com o fim de verificar a complementaridade entre os conceitos de potência média e potência regional.

Contudo, destaca-se que para se analisarem os efeitos estruturais sobre a atuação dos estados as categorias tradicionais oferecem mais possibilidades de abordagem, pois a categoria de potência regional inclui, por exemplo, China, Brasil e México no mesmo grupo.

The concept of ‘regional power’ has been developed even less than that of ‘middle power’. Two examples may show that it is a confusing (or vague) category: first, a superpower like the US is also considered a regional power in the Americas. Second, China is a global power, while at the same time being Asia’s regional power. Hence, the concept has been used most often within the regional integration context, rather than with respect to the framework of the international hierarchy of states (Gratius, 2007: 6).

64

Apesar de estarem na mesma categoria os efeitos estruturais sobre a China são distintos e maiores do que os efeitos sobre Brasil e México. Isto se deve ao fato de que as capacidades materiais são importantes para conferir as alternativas dos estados na política internacional. Por exemplo, atualmente há muitos trabalhos que abordam a forma de emergência chinesa e qual a implicação desta para o sistema internacional; porém, os estudos sobre a emergência brasileira se voltam para as possibilidades de política externa num sistema internacional em mudança. De forma mais direta destacam que o sistema internacional pode modificar-se pela atuação de uma grande potência, mas dificilmente irá modificar-se pela atuação de uma média potência. Em vista disto, Keohane (1969) define que há quatro tipos de estados no sistema internacional e dentre eles estão aqueles que têm capacidade de modificar ou determinar o sistema, de influenciar o sistema individualmente, de afetar sistema por meio de alianças e os que não exercem influência no sistema internacional.

Medidas variadas de poder são utilizadas para definir o “status” de um estado no sistema internacional. A auto percepção de que poder concentra e o reconhecimento dos outros estados é relevante em tal definição, pois também dependem de algum grau de socialização (Hurrell, 2006). Não obstante, poder militar e econômico, ou ainda o «hard power», continuam a ser os critérios para medir o peso internacional de um estado (Gratius, 2007, Mearsheimer, 2007, Waltz, 2002). Por conseguinte, a definição de potências médias que será utilizada nesta tese se baseia nos critérios neorrealistas de poder, assim o poder que reúnem é menor do que das grandes e maior do que das menores. Isto as coloca em posição mediana na distribuição de capacidades do sistema internacional. É este posicionamento estrutural mediano que alia o conceito de potência media ao de ator intermediário.

No gráfico abaixo posicionam-se como grandes potências EUA e China, pois detêm segundo dados do CINC (COW) capacidades materiais muito superiores às de Brasil, África do Sul e Argentina. O poder de China e Estados Unidos estão próximos ao valor 2, na escala de poder do índice; enquanto o dos demais estão próximos ao 0,2. Os efeitos estruturais sobre atores médios são distintos dos que atuam sobre grandes potências, o gráfico demonstra nitidamente o posicionamento destes dois tipos. Parte-se depois para o debate sobre o conceito de potência regional e seus usos.

65

Gráfico 1. Distribuição de Capacidades no Sistema Internacional – dados CINC(COW)

Elaboração do autor.