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O Sistema Internacional e os Estados

1.2. A Distribuição de Capacidades Materiais e seus Efeitos

1.2.2. A Configuração Estrutural Multipolar

A configuração estrutural multipolar remete a existência de várias grandes potências que constituem os diversos polos de poder. Identifica-se que hoje há um desequilíbrio no sistema internacional, com a existência de um potencial «hegemon» que concentra a maioria das capacidades materiais de estrutura. No entanto, a emergência de novas potências com crescente concentração de poder faz com que a perspectiva de uma transição da unipolaridade para a multipolaridade seja o cenário provável da configuração estrutural em formação. Não obstante, deve-se identificar que as capacidades são distribuídas de forma desigual e com grande concentração em um dos polos. Assim, a multipolaridade desequilibrada seria a configuração mais provável. Destarte, o analista deve estar ciente das implicações deste desequilíbrio num ambiente anárquico e de competição por poder e/ou segurança.

Os sistemas multipolares desequilibrados são particularmente propensos à guerra por duas razões. Os estados hegemônicos potenciais, que constituem a característica definidora deste tipo de sistema, têm consideravelmente mais poder que as outras grandes potências, o que

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significa que têm boas perspectivas de vencer guerras contra os seus rivais mais fracos. (…) Os estados hegemónicos potenciais também convidam à guerra ao aumentarem o nível de medo entre as grandes potências (Mearsheimer, 2007: 322-323).

O pessimismo deste autor com relação ao comportamento dos estados em uma multipolaridade baseia-se em exemplos históricos de formações de multipolaridades desequilibradas. No entanto, alguns autores questionam esta perspectiva e afirmam que a configuração em formação não necessariamente deve seguir os padrões históricos anteriores. Contudo, isto depende, principalmente, de como os atores revisionistas do poder mundial irão se comportar. Schweller e Pu (2011), por exemplo, concentram-se no relacionamento entre os EUA e a China para perceber como será o fim da unipolaridade. Para ele o principal concorrente atua de duas formas principais, ou seja, por meio da acomodação e da contestação. Desta forma, o conflito central entre China e EUA ocorrerá relacionado à legitimação como única potência dominante. O que vai contra as proposições de Gilpin e Mearsheimer, por exemplo. Deve-se considerar adicionalmente que o conflito entre potências nucleares tende a ter baixa probabilidade por critérios de coerência teórica, pois estes armamentos atuam em favor da estabilidade internacional. Entretanto, não devem ser subestimados, pois a busca por primazia nuclear é objetivo das grandes potências, em especial, da potência unipolar (Lieber e Press, 2006).

Por outro lado a argumentação de Buzan (2011) também sinaliza para a formação de uma multipolaridade desequilibrada, que chama de «Decentred Globalism», a qual é caracterizada por uma ordem internacional regionalizada ou «Third Way»:

In this ´third way´, there are no superpowers only great powers and regional powers, capitalism in various versions is the accepted form of political economy, regional orders are stronger than the global one, and at the global level there is a well-grounded pluralist international society mainly motivated by coexistence, but with significant elements of cooperation around collective problems (e.g. arms control, environmental management) and projects (e.g. trade, big Science) (Buzan, 2011: 21).

Ainda podemos inserir a seguinte análise sobre as perspectivas de uma multipolaridade em formação, na qual

os Estados Unidos ocupam o lugar mais alto do sistema emergente, mas são também o país mais contestado pela nova ordem. A maioria das outras grandes potências verá seu papel no mundo se expandir. Esse processo já está em andamento. China e Índia estão se transformando em atores maiores em suas vizinhanças e para além delas. A Rússia acabou sua acomodação pós-soviética e está se tornando mais enérgica, até agressiva. O Japão, embora não seja uma potência emergente, está mais disposto agora a manifestar suas opiniões e posições aos seus vizinhos. A Europa

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atua em questões de comércio e economia com imensa força e determinação. Brasil e México estão se tornando mais ativos nas questões latino-americanas (Zakaria, 2008: 54).

Desta forma, a multipolaridade desequilibrada é a configuração mais provável do sistema internacional vindouro, pois a emergência de novos atores está em curso, porém com a permanência dos EUA como protagonista.

Não obstante, em acordo com critérios de medida de capacidades mais simples e que se relacionam com poder econômico, militar e estratégico outros autores (Cepik, 2011; Cepik e Schneider, 2010) definem que a configuração mais provável é de uma tripolaridade, ou seja, um critério econômico (PIBs) somado com militar estratégico (ICBMs) aponta que as três principais potências mundiais são EUA, Rússia e China.

A distribuição de poder vigente no sistema internacional desde o final da Guerra Fria pode ser caracterizada como sendo multipolar e desequilibrada (…). Vivemos, desde 1991, em um sistema tripolar com grandes assimetrias a favor dos Estados Unidos da América (EUA), em comparação com as outras duas grandes potências, uma decadente (Rússia) e a outra ascendente (China) (Cepik, 2011: 82).

Os dados utilizados para definir esta tripolaridade dentro da multipolaridade desequilibrada são o tamanho das economias, os efetivos militares e a quantidade de mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs) e de submarinos nucleares capazes de lançar mísseis balísticos intercontinentais (SLBMs). Com estes critérios de poder a tripolaridade é nítida. Nota-se que a perspectiva dos autores está em acordo com o realismo ofensivo (Cepik, 2011). Destarte, a distribuição estrutural de poder, sem as intenções dos atores, é que determina esta concepção.

O autor que conferiu tratamento teórico aos sistemas tripolares foi Schweller (1998). Ele define que para além das capacidades é necessário inserir os interesses dos estados. A partir disto esperam-se dois tipos de comportamentos dos atores: o revisionismo ou suporte ao «status quo». Ao tratar das diferenças entre a tripolaridade e as outras possibilidades de configuração do sistema internacional Schweller define que ela é a mais instável das configurações, assim a forma multipolar desequilibrada tem na tripolaridade a sua “pior” configuração em termos de conflitos, pois

Uni– and bipolar distributions are generally acknowledged to be the most stable systems because balancing is accomplished by internal rather than external means. By contrast, balancing in multipolar systems requires coalition formation. As a result, the stability of multipolar systems is low to moderately stable, depending on the number of poles: even–numbered systems are more stable than odd–numbered ones. Under multipolarity,

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however, stability increases as the number of poles grows because there will be more blocking coalitions, greater interaction opportunities, and greater alliance flexibility. In addition, as the number of poles increases, so too does the chance of maintaining a divisible peace, that is, local conflicts are less likely to explode into system–wide war (Scwheller, 1998: 41).

Destaca-se apenas que dentre os tipos de tripolaridades descritos por Schweller (1998) o quinto tipo pode representar a distribuição de poder atual e baseia-se na seguinte lógica A>B>C, A<B+C, na qual A seria os EUA, B seria a Rússia e C representaria a China. Deste último tipo de tripolaridade deriva que a aliança esperada seria entre os atores com menor poder para derrotar o ator com maior poder, assim o comportamento esperado seria a aliança entre China e Rússia, o que se demonstrou irreal (Wohlforth e Brooks, 2008). No entanto, não impede de demonstrar que a configuração unipolar estará em debate enquanto não houver sido definida a primazia dos EUA em termos estratégicos (Ávila, Cepik e Martins, 2009; Martins e Sebben, 2011). Ou ainda, se as práticas de incremento militar das potências rivais estiverem vinculadas à digitalização (Martins, 2008; Martins e Sebben, 2011).

É importante ressaltar que durante o período que antecedeu a Primeira Guerra Mundial a configuração era a de uma multipolaridade desequilibrada, durante o período do entre guerras figuravam como grandes potências três grandes atores – Estados Unidos, União Soviética e Alemanha. Esta tripolaridade se mostrou a mais instável e propensa ao conflito, por razões estruturais e das intenções revisionistas dos atores (Schweller, 1998). Assim, as respostas dos atores medianos aos períodos de multipolaridade relacionam-se tanto com a distribuição de poder quanto com as intenções dos atores.