• Nenhum resultado encontrado

A burocracia no governo Kubitschek: o papel desenvolvimentista

DESENVOLVIMENTISTA

Não se pretende traçar um perfil burocrático e administrativo do Governo Kubitschek. A intenção é revelar alguns pontos dessa administração que, na mesma linha da Era Vargas, se ajusta aos padrões de modernização, ao mesmo tempo em que estabelece uma relação com os setores tradicionais da sociedade brasileira, mantendo, dessa forma, um traço marcante tanto da Administração Pública quanto da política brasileira.

A necessidade de desenvolvimento, simbolizada pelo Governo de Juscelino Kubitscheck, e seu ambicioso plano de metas, ressaltaram ainda mais, após todas as transformações da Era Vargas, a necessidade de uma reforma administrativa que respaldasse a ação centralizadora do Estado brasileiro e, paradoxalmente, exigisse maior “descentralização administrativa”.

Em 1956, o Poder Executivo, além de redistribuir órgãos públicos, através da Comissão de Simplificação Burocrática – COSB, iniciou um esforço de reforma global, propondo-se, entre outros objetivos, a estudar os meios de descentralização dos serviços, mediante delegação de

competência, fixação de responsabilidades e prestação de contas às autoridades. Cada Ministério criou uma Subcomissão que, dentre outras atribuições, descentralizaria a execução.

Ainda em 1956, foi criada a Comissão de Estudos e Projetos Administrativos – CEPA, pelo Decreto-Lei n.º 39.855, para assessorar a Presidência da República nas questões relacionadas aos projetos de reforma administrativa, propondo iniciativas para a criação de uma burocracia organizada pelo mérito, repensando o antigo DASP. Naturalmente, foi torpedeada pelos setores burocráticos que conseguiu atingir, conforme nos esclarece Rezende (2004):

[...] Esse modelo expandiu sensivelmente o papel do Estado em questões sociais e econômicas. Para desempenhar essas funções, o governo optou pela criação de um amplo conjunto de unidades descentralizadas, criando um aparato burocrático altamente especializado. Essa expansão representou uma radical mudança no modo como o governo brasileiro estava organizado e, ao mesmo tempo, elevou a complexidade para coordenar e controlar o funcionamento da burocracia. Novos sistemas internos de gerenciamento e controle, bem como novos modelos de relacionamento entre o governo central e as agências administrativas se fizeram necessárias. Uma nova reforma era fundamental para lidar com esse novo papel e funções do governo [...] (REZENDE, 2004:52).

Tal projeto não ficava, entretanto, apenas nas mudanças de estrutura, mas, principalmente, nos processos administrativos. Ao concluir seu trabalho, a CEPA publicou quatro volumes com reflexões profundas sobre a Reforma Administrativa, muito embora apenas duas de suas medidas tivessem sido realmente implementadas: a criação do Ministério das Minas e Energia e a do Ministério da Indústria e Comércio.

Outra tentativa empreendida consistiu na Comissão de Simplificação Burocrática, instituída pelo Decreto-Lei n.º 39.510, de 1956, que, associada ao DASP, tencionava desenvolver modelos e projetos de delegação de autoridade, estruturas e rotinas burocráticas, competências administrativas, reorganização de papéis e funções de agências administrativas e sancionar normas para a extinção de unidades administrativas (REZENDE, 2004: 52).

Na realidade, os novos modelos de descentralização burocrática não aperfeiçoavam os mecanismos internos de controle nem incentivavam uma eficiente forma de relacionamento

entre os formuladores de políticas públicas, tendo em vista o forte grau de centralização ainda presente no DASP, que acabou por erodir o modelo mais racional de organização burocrática (REZENDE, 2004:53).

O Governo procurou mitigar tal deficiência com a alocação de recursos públicos por intermédio da criação de fundos específicos e agências especializadas, mas as forças políticas reiniciaram a promoção de políticas clientelísticas, rompendo os procedimentos meritocráticos e a capacidade de manobra e delegação entre os ministérios. Em resposta a tais impasses, o presidente Kubitschek optou por uma solução que lembrava os idos de Vargas, como observa Rezende:

[...] Em resposta a tal problema, o presidente Kubitscheck, de modo semelhante a Vargas, optou por uma estratégia dual, insulando um pequeno número de agências na burocracia, destinadas a promover as principais políticas públicas no Plano de Metas. Essas agências insuladas, conhecidas como “as ilhas de excelência” na burocracia federal, deveriam ser controladas mais de perto pelo governo central e organizadas dentro de bases meritocráticas. Os demais setores burocráticos deveriam ser organizados de forma mais aberta à política e ao clientelismo. Essa estratégia dual foi considerada a forma viável de lidar com a vulnerabilidade da administração pública à política, ao mesmo tempo em que foi possível desenvolver aquelas políticas mais diretamente articuladas à estratégia nacional de desenvolvimento [...] (REZENDE, 2004:53).

Rezende aduz, de maneira bastante interessante, fatos estatísticos que comprovam o desejo de encontrar uma solução que se ajustasse aos objetivos do Governo, ao mesmo tempo em que não rompia com o patrimonialismo:

[...] a implementação das “ilhas de excelência”, dando ensejo às políticas de descentralização foram uma tentativa de superar as influências políticas e o clientelismo que sempre vulneraram a burocracia brasileira. As políticas de mérito, difíceis de ser regulamentadas desde 1950, dependiam da negociação com a classe média emergente e com a ação e expansão da iniciativa privada. O problema fundamental é que, ao aumentar a própria complexidade, o Estado via-se obrigado a reformar a administração pública em busca de novas performances de modernização (REZENDE, 2004:54).

Nesse sentido, nasceu no Brasil uma dupla burocracia. A tarefa de desenvolvimento era dada às agências autônomas burocráticas, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

– BNDE, a Superintendência da Moeda e do Crédito – SUMOC e os grupos executivos da chamada administração paralela. Tais agências deveriam funcionar pela lógica da eficiência na alocação de recursos e recrutar pessoal pelo critério meritocrático da competência técnica. Tiveram, então, de se isolar do sistema tradicional até então dominante, que funcionava mediante a troca clientelista de cargos públicos e outros benefícios por apoio político.

Efetivamente, esse insulamento não significava que as agências agissem de forma autônoma, adotando diretrizes de atuação próprias. Ao saírem do jugo da patronagem política empreguista, acabaram por funcionar integradas aos interesses de grupos econômicos aos quais estão vinculadas (LOUREIRO, 1997: 11). A manutenção da tradicional relação entre Estado, política e burocracia marcou, no entanto, esse tipo de estrutura. Ao se vincular uma parte da burocracia aos padrões clientelistas e às nomeações extranumerárias, reforçou-se o próprio patrimonialismo.

A partir desse conjunto de reflexões, pode-se afirmar que a burocracia brasileira, ante os interesses sociais e políticos, deve ser considerada como resultante de relações concretas estabelecidas entre o Estado, grupos políticos e a sociedade, construída em cada momento histórico, por meio de luta política. Nesse processo, encontram-se fatores determinantes que podem facilitar o direcionamento da burocracia, como a natureza autoritária do governo, crises econômicas, ameaças externas e a própria organização de setores da burocracia para atendimento de seus interesses e da própria sociedade. Percebe-se, pelo que foi exposto, a tensão existente entre as forças de caráter modernizante e aquelas que tentam a manutenção do status quo. As relações primárias estabelecidas parecem, entretanto, ser uma base concreta, construída historicamente, que se torna preponderante na manutenção de um Estado patrimonialista.

4.7 BUROCRACIA: VOCAÇÃO DE TODOS OU ESTAMENTO BUROCRÁTICO?