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CAPÍTULO I – O SENSÍVEL OLHAR PENSANTE : A BUSCA DE SI MESMO

1.1 A busca de um sentido ontológico do olhar

[...] acredita-se que as duas estruturas (afetividade e cognição) funcionem psicologicamente de maneira dinâmica e construtiva, como peças conjuntas de um processo único no funcionamento psicológico, sendo assim de pouco valor dividi-las em fragmentos dissociados entre si. Em cada experiência, o ser humano é cognitivo afetivo ao mesmo tempo, estando em proporções variáveis ―mais‖ afetivo ou ―mais‖ cognitivo, ou quem sabe ambas as duas somadas. Ou seja, sendo inseparáveis.

As experiências vividas pelo ser humano na (Pós)Modernidade, assim como o sentido do olhar que elas geraram, legaram a esse uma imagem do conhecimento sensível e intelectivo cujo caráter paradoxal continua não-resolvido até os dias atuais. Contudo, o sensível olhar pensante traz ao homem um juízo do estado mental em harmonia/equilíbrio com o, ao mesmo tempo, expressamente (intra/extra)mundo, objetivo/subjetivamente humano.

Posso, portanto, inferir, a partir de Libâneo (1985) e Gadotti (2006), que para a Pedagogia Liberal, o entendimento sobre o vivido não evidencia a existência de uma racionalidade sensível em nome de um conceito integral de verdade e de conhecimento, revelados por uma hermenêutica, onde a razão deve ser recuperada/valorizada na historicidade do sentido. Já a compreensão da Pedagogia Progressista não vai ao encontro da racionalidade intelectual em nome de um conceito exclusivo da reflexão sensível ou da intensidade inefável na qual a percepção do vivido se liberta das significações e dos conceitos de uma compreensão racional do mundo.

A despeito das nuances que esta classificação permite, ambos os olhares do pensamento pedagógico brasileiro coincidem em considerar a experiência do mundo como cognoscível e, como tal, indicador de outra coisa que não ela mesma: para o sensível olhar pensante, a realidade do mundo é um meio para o aparecimento da verdade: essa travessia a que se dá o nome de vida.

Entendo que a maneira como o adolescente com características de Altas

Habilidade/Superdotação olha a vida, acarreta três implicações 1º – a adoção de princípios

que, como uma resposta prática, guiam o seu comportamento (orientação volitiva); 2º – a hipótese de razões que conduzem a sua forma de agir (orientação cognitiva); e 3º – uma disposição emotiva perante os estados de fato a que a sua atitude se refere (orientação afetiva). Como consequência das suas experiências, a postura de vida desse está carregada de um conhecimento que é pessoal e mítico, inconscientemente, que só pode ser alcançado a partir de situações concretas que problematizam o seu jeito habitual de agir.

Ainda que o suporte inicial do experienciado seja o indivíduo, ele possui uma grandeza que é social, mítica e psicológica. Portanto, é através das atitudes – que possuem uma função organizadora do sentido do seu olhar: diante de situações experimentadas concretamente, e que pertencem tanto àquelas regras e convicções que o governam imediata e intuitivamente, quanto à significação que concede aos novos fenômenos vividos – que posso buscar uma compreensão do sensível olhar pensante que caracteriza as Altas

Distinto de outros tipos de olhares – teórico, instrumental, moral e preferencial –, o sensível olhar pensante é guiado pelo interesse concedido à presentificação de conteúdos vividos que, na subjetividade humana, tornam perceptíveis a atualidade e a disposição afetiva da própria experiência. Ou seja, entende um modo de acesso a uma situação feito de maneira alusiva, não direta e necessariamente, dependente do contexto. Os conteúdos de experiência conhecidos por meio da percepção do sensível olhar pensante, embora possam ser transmitidos ao outro, não são apreendidos por meio de um conhecimento somente intelectivo.

Destarte, o que esse adolescente perpetra ao incorporar algo não é simplesmente filtrar os conteúdos de experiência presentificados pelos acontecimentos por meio da sua própria experiência – já constituída –, pois não pode ignorar a organização significante interna dos acontecimentos. A percepção do sensível olhar pensante, também presente nas pessoas que apresentam características de Altas Habilidades/Superdotação, faz com que o ser humano consiga alcançar o mundo subjetivo/mítico (des)velado nas suas próprias ações e nas do

outro, sem que ele mesmo esteja inserido no contexto de experiências determinado, através da

alteridade.

A percepção sensível/pensante, contudo, não a isola de outras regiões da experiência, pois não há uma cisão entre o conhecimento sensível e o intelectivo. Para esse olhar pensante, ter uma percepção sensível não significa nem simplesmente recorrer ao já sabido nem adotar, imediatamente, o que é desconhecido: a experiência procura unificar o estranho ao familiar – isto é, ao quadro de referências subjetivas –, mas ampliando e enriquecendo aquilo que até então compunha o limite de todo real plausível.

Como réplica a uma coerção acontecimental, o sensível olhar pensante é uma mobilização multidimensional – cognitiva, volitiva e emotiva –, produzida no embate com os acontecimentos em seu entorno que são vivenciados em uma situação, muitas vezes, não familiar: a comunicação presentificante. Esse modo de articulação do sentido que, vinculado a uma ocasião e baseado em um conjunto de (pré)suposições compartilhadas, permite alargar e corrigir uma (pré)compreensão dada ou ainda introduzir, de maneira provocadora, um ponto de vista dessemelhante. Propondo uma realidade teórico/prática que olhe o ser humano como produto dinâmico de processos intelectuais e afetivos indissociáveis.

Não tenho como expor, integralmente, os múltiplos e diferentes enfoques para a ontologia do olhar conduzidos pela lógica, semiótica, filosofia cognitiva, filosofia da linguagem, antropologia, sociologia, psicologia – dentre tantas outras disciplinas. Advirto, porém, que sua análise, sem ambicionar compreender a totalidade das distintas reflexões e

estudos dedicados a essa experiência, evidencia a conjunção de três princípios: 1º – a inquietação com a objetividade ou com a legitimidade da apreciação do sensível olhar pensante; 2º – a busca em acordar, para esse olhar, critérios ontológicos de valor; e 3º – o direcionamento da percepção sensível aos estudos das Altas Habilidades/Superdotação, já que essas trazem, em seu bojo, maior sensibilidade aos que possuem tais características.

Assim sendo, a força da percepção sensível convive com o fascínio psicológico exercido, pela minha segunda formação – a Psicologia –, e a ontologia que me propus descrever: a condição humana verdadeiramente vivida e o modo de ser do adolescente com características de Altas Habilidades/Superdotação que, de uma maneira ou de outra, ascende a uma condição subjetiva universalmente compartilhada, a uma plenitude do ser ou a uma veracidade apaixonante, capaz de evadir-se dessa condição.

Posso, enfim, propor, não obstante, a hipótese de que não é mais preciso esperar uma teoria/crítica para evidenciar o sensível olhar pensante como um sentido ontológico capaz de compreender a experiência do olhar sob um novo ponto de vista. É a narrativa histórica sobre o vivido, através das perspectivas e conceitos da construção da autoimagem do adolescente com características de Altas Habilidades/Superdotação, alvo fulcral desta Tese, em relação ao espelhamento positivo e/ou negativo dos Adolescentes Y e Z, colaboradores do ciclo de convivência interpessoal daquele que, sem esperar que sua experiência subjetiva/objetiva da vida pudesse ser compreendida/estudada e traduzida por uma inquirição que edifica a devida valoração da manifestação mítica: essa (re)presentificação, nas sociedades contemporâneas, da sedimentação inconsciente, aqui nesta investigação, do Mito de Narciso.