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Vigotski e Wallon: um entrecruzamento possível na constituição da autoimagem

ADOLESCENTE COM CARACTERÍSTICAS DE ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO

SOBRE A CONSTRUÇÃO DA AUTOIMAGEM E A RELAÇÃO ESPELHAR DO

5.2 Vigotski e Wallon: um entrecruzamento possível na constituição da autoimagem

Na intenção de aprofundar os conhecimentos/saberes da autoimagem, debruço meu sensível olhar pensante sobre a abordagem histórico-cultural de Vigotski que enfatiza a gênese e desenvolvimento psicológico do ser humano em função do meio em que vive e suas

relações com o outro; e a teoria de Wallon que sopesa a ampliação da mesma como uma edificação progressiva em que emoção e afetividade se alternam com a cognição.

Busco compreender a autoimagem sob o olhar desses dois autores, embora estes nunca tivessem utilizado desse termo propriamente. Ambos afirmam, sim, que o ser humano se constitui nas suas relações sociais e, nesse sentido, intento alcançar um conceito de autoimagem a partir dessa ideia. Wallon (1979, p. 155) afirma que o sujeito se constrói nas suas interações com o meio:

Sem dúvida, poder-se-ia dizer que reside aí apenas a expressão da relação que pode, e deve instituir-se entre pessoas exteriores uma à outra, entre o indivíduo e o seu ambiente real: influências recíprocas de individualidades mais ou menos dotadas de pregnância ou de submissão mútuas. Mas esta mesma relação parece ter por intermediário o fantasma de outrem que cada um traz em si.

Seguindo os pensamentos desse autor, o outro é o caráter social do adolescente se

individuando, percepção distinta entre o eu e o outro se tornando opositiva em relação a tudo

que emana de outrem. Para ele (1973, p. 245), ―[...] a pessoa sabe dissociar-se do ambiente e distinguir-se nas suas impressões, entre aquilo que se refere a si mesma e aquilo que se refere ao mundo exterior‖.

Nesse processo de dissociação, é que descobre os elementos do outro e se apercebe dessemelhante desse, exigindo de si mesmo o que vê neste e, ao mesmo tempo, construindo uma visão de si próprio – a relação espelhar: o eu só se sente pleno consigo mesmo se tiver a impressão de que agrada ao outro, não aprecia a si mesmo se não se ajuizar admirado.

Na adolescência, segundo Mahoney e Almeida (2005, p. 23), também apoiadas na teoria de Wallon,

[...] vai aparecer a exploração de si mesmo, na busca de uma identidade autônoma, mediante atividades de confronto, auto-afirmação, questionamentos, e para isso se submete e apóia nos pares, contrapondo-se aos valores tal qual interpretados pelos adultos com quem convive.

Neste período, ele conhece e faz-se valer da sua necessidade de aprovação para que possa fazer parte ativa do seu meio. Caso sua participação não seja valorada, ele sentirá o vazio da insegurança, já que este é o momento das suas contestações como ser em formação. Legitima o Adolescente X ao dizer:

Em certo período da minha vida, senti-me muito triste, quase entrei em depressão (não a doença, e sim o estado mental) porque não conseguia fazer amigos e me incluir no meio deles.

A necessidade de reconhecimento é intensa, aspira à autonomia e ao domínio, tornando-se avesso aos costumeiros hábitos de vida. É neste momento que passa a explorar o mundo e suas relações, a escolha de seus amigos, do seu grupo, irá variar de acordo com as suas preferências e segundo a atividade em exercício. As conversas entre eles são assuntos dos seus interesses em comum e em seus agrupamentos vivenciam a cumplicidade e coesão que os unem e instigam a se autoavaliarem e avaliarem ao outro, na constituição da sua autoimagem.

Transversalmente à imagem refletida no espelho que o outro é, o adolescente com ou sem características de Altas Habilidades/Superdotação, pouco a pouco, apercebe traços (des)semelhantes entre si mesmo e o outro, e edifica sua própria autoimagem, e assim, finalmente sente-se como um entre os outros, como um ser entre os seres.

Nesse movimento de ver a si mesmo e ver o outro, na imagem reflexa, vai tomando consciência das suas diferenças externas e internas, individuando-se, personificando-se como conhecimento translúcido de si: construção da sua autoimagem.

Na adolescência, a oposição se apresenta como extraordinário recurso para a diferenciação do eu. Para Wallon (1979, p. 156) ―o outro é um parceiro perpétuo do eu na vida psíquica‖. Mesmo na vida adulta, os seres humanos se veem às voltas com a definição do seu eu e da relação com o outro subjetivado.

O mundo da cultura revela-se ao homem pelo outro. Esse é referência externa que permite ao ser humano estabelecer-se como indivíduo. Na falta do outro, esse não se constrói como pessoa. É no meio social que acontece o processo ininterrupto e dinâmico que o influencia em suas interações e que permite a edificação de suas ações e participação no grupo peculiar ao qual pertence (VIGOTSKI, 2001).

Segundo o mesmo autor (2000, p. 75): ―A internalização de formas culturais de comportamento envolve a reconstrução da atividade psicológica tendo como base as operações com signos‖. Para ele, a relação que o ser humano estabelece consigo mesmo, com a natureza e o outro é uma afinidade mediada por instrumento, signos e alegorias. Como reitera as palavras desse mesmo autor (2000, p. 72-73):

A função do instrumento é servir como um condutor da influência humana sobre o objeto da atividade; ele é orientado externamente; deve necessariamente levar a mudanças nos objetos. Constitui um meio pelo qual a atividade humana externa é dirigida para o controle e domínio da natureza. O signo, por outro lado, não modifica em nada o objeto da operação psicológica. Constitui um meio da atividade interna dirigido para o controle do próprio indivíduo; o signo é orientado internamente.

Os signos têm o papel mediador e são norteados internamente, são representações de outras conjunturas, dirigidas ao controle do próprio ser humano.

O adolescente com ou sem características de Altas Habilidades/Superdotação interatua diretamente em seu meio e constitui novas relações com os do seu entorno; tornando-se indispensável que ele (re)conheça os valores, as normas, as regras morais, as preferências estéticas do outro com quem ele se relaciona, para que possa realizar sua constituição e construção do seu eu e da sua autoimagem.

È na fase da adolescência que o ser humano, nas suas (inter/intra)relações com o

outro, é acometido pelas emoções experienciadas intensamente, de forma tempestuosa, com

oposições e imposições de suas ideias e desejos (VIGOTSKI, 2001).

Acreditando que na adolescência as (trans)formações ocorrem de maneira intensa e que a subjetivação da sua própria imagem acontece nas suas interações diárias, no espaço educacional onde as trocas e diálogos se concretizam, que o processo identitário ante seus arquétipos reflete-se na sua compleição como um ser em eterna mutação. Portanto, é neste transcurso que o ser humano volta-se para si mesmo, para suas vivências, seus problemas, suas trocas de juízos de valores com o outro (VIGOTSKI, 2001). Ratifica esse mesmo autor (2001, p. 118) ao afirmar que:

Por último, caracteriza o período da adolescência um elevado interesse por si mesmo... Agora as vivências próprias, os problemas do seu eu prendem toda a atenção do adolescente para, na juventude, tornar a ser substituído por um interesse elevado e ampliado pelo mundo e pelas questões mais radicais da existência, que nessa fase lhe torturam a consciência. Os olhos do jovem estão sempre amplamente abertos para o mundo, e isto significa a suprema maturidade do seu ser para a vida.

O adolescente, neste tempo de desenvolvimento, principia novas relações consigo mesmo e originais inquirições, comparando-se com o outro: o que vê de si próprio que lhe agrada ou não, cria mecanismos (des)favoráveis para sua aceitação: autoimagem em construção.

As (inter/intra)relações que o adolescente com ou sem características de Altas

Habilidades/Superdotação estabelece com o meio não ocorre de maneira calma e linear, pois

são relações ativas e mútuas entre esse e os que estão em seu entorno, originando alterações intensas em seu comportamento social, principalmente em consequência dessa etapa do seu crescimento. Essas mudanças podem ser apreendidas como um artifício permanente e dinâmico no seu desenvolvimento e na sua socialização (VIGOTSKI, 2001).

Nesse processo de constituição do seu eu e no seu espelhamento com o outro, o adolescente realiza caminhos desenhantes rumo à sua próxima etapa, alternando sempre entre sua emoção e sua razão. A tarefa, agora, é tomar decisões, tal como sua preferência profissional, e nesta fase, estando com suas emoções em alta, torna-se mais ou menos predisposto ao desequilíbrio em seus procedimentos, especialmente, nas ocasiões em que sente a si próprio vitorioso ou não em seu entorno. Como legitima a fala do Adolescente X:

O que esta superdotação fará ou trará para minha vida? Qual o curso superior que vou escolher? Como será meu futuro profissional como um sujeito com altas habilidades/superdotação? Será que conseguirei vencer, ser um vitorioso?

O adolescente, em contato com o seu entorno e nesse processo contínuo de ampliação e constituição, vê a si próprio e os que o rodeiam e vai subjetivando suas vivências em relação ao outro; e nesse processo vai edificando díspares olhares sobre si mesmo. Nesse mosaico de si, é a sua história de vida presentificada em sua memória, atravessada em suas experiências positivas e negativas, boas e ruins, fortes e fracas, vividas por este sujeito em formação, que aos poucos vai introjetando uma autoimagem que alcança desde o mundo externo, até aquela parte interna, mais íntima do seu ser, que é difícil de ser compartilhada com o outro.

A grande transposição desta conceituação é que, para Wallon, a compleição do eu inicia-se com o eu corporal para depois o eu psíquico e, para Vigotski a autoimagem tem a ver com a significação, o autoconceito e a subjetivação significativa.

Enfim, os conceitos proporcionados pelos teóricos me induziram a uma conceituação de autoimagem como sendo as representações que o ser humano tem de si próprio. E, diante da complexidade desta acepção, destaca-se a importante participação do outro neste processo de construção do eu.