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O adolescente com características de Altas Habilidades/Superdotação é dessemelhante

ADOLESCENTE COM CARACTERÍSTICAS DE ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO

SOBRE A CONSTRUÇÃO DA AUTOIMAGEM E A RELAÇÃO ESPELHAR DO

5.3 O adolescente com características de Altas Habilidades/Superdotação é dessemelhante

O adolescente com características de Altas Habilidades/Superdotação, por se sentir dessemelhante, vive e erige, muitas vezes, uma autoimagem distorcida, vindo a legitimar, no imaginário social, crenças, estereótipos e mitos, aqui entendido, pelo olhar de Russ (1994, p. 187), como: ―representação coletiva muito simplista e muito estereotipada, comum a um grupo de indivíduos”.

Entendo que esse adolescente, de maneira diferenciada, abarca, no encontro com o

Outro da cultura, a influência do ambiente social na configuração da sua natureza humana e,

(1902, p. 181), ao elucidar a construção da autoimagem, usa a expressão EU REFLETIDO NO

ESPELHO, pois, tal formação está eminentemente associada ao modo pelo qual o ser humano

imagina que aparece diante do outro, assim como este reage a ela e aos sentimentos daí decorrentes. O SELF SOCIAL deste tipo deve ser chamado de SELF REFLETIDO ou SELF-

ESPELHO – looking glass self:

Da mesma forma que ao vermos nossa face e roupas no espelho ficamos interessados neles porque são nossos, e satisfeitos ou não com eles se eles respondem ou não ao que nós gostaríamos que eles fossem; na imaginação nós percebemos na mente do outro algum pensamento de nossa aparência, maneiras, objetivos, ações, caráter, amigos e assim por diante [...]

Assim, também vem autenticar as palavras da Mãe do Adolescente X quando fala da relação do seu filho e o quanto esta o afeta de diversas maneiras:

A relação do meu filho com os colegas é boa, mas ele sempre está analisando os colegas, principalmente quanto à sinceridade deles e também do nível de visão que eles têm da vida.

Tal processo estabelece a construção da subjetividade ao (re)conhecer o seu espaço e as suas possibilidades de fazeres no universo social do qual faz parte. O outro, na adolescência, é um assunto fulcral, como adverte Alberti (2004), pois o trabalho do adolescente se inscreve na elaboração do binômio alienação/separação ante o outro, que coincide com a laboração da ausência no outro, ou seja, da condição de separação inevitável no processo de subjetivação humana.

Esse, ao interagir com o outro, como todas as demais pessoas, torna-se cônscio, seguindo os pensamentos de Durkheim (1974), das REPRESENTAÇÕES INDIVIDUAIS E

COLETIVAS e dos sentimentos que o outro nutre por ele, isto é, elas operam como um

espelho no qual ele se vê – o processo de individuação. O desenvolvimento da autoimagem incide no contexto das (inter/intra)relações com o outro e consigo mesmo: esse eu fruto da somatória de múltiplos eus do seu entorno significativo. O que vem corroborar o falar da Mãe do Adolescente X:

Na medida em que ele é consciente de que tem um diferencial na habilidade de perceber as coisas e, por assim dizer, uma agudez maior no raciocínio, essas relações (inter/inra)pessoais reforçam uma autoimagem de “superioridade”, que, na realidade se traduz por um destaque intelectual, um amontoado de conhecimentos que será nada sem a verdadeira interação pessoal, as trocas, as vivências. Aceitar as próprias limitações e as dos outros e estar aberto aos seus pensamentos e às suas opiniões, saber lidar com as frustrações. É isso que vai

ajudando a construir a real “sabedoria” do outro e não apenas o conhecimento em si mesmo.

Este encontro inovador com o outro, a quem dirigem questões sobre si e sobre o mundo, leva-o, inevitavelmente, à construção identitária. Como legitima o Adolescente X:

O que você acha de nós com características de Altas Habilidades/Superdotação?

Assim, retomo a acepção lacaniana da transferência dirigida ao suposto saber, como promissão do universo sêmico, transferência do sem sentido à busca de significação (MILLER, 1987). Definição esta que só pode ser dada pelo próprio sujeito que o demanda, seja individualmente, ou coletivamente. O que novamente os dizeres da Mãe do Adolescente X vem testemunhar:

Em busca de sempre querer saber mais, ampliou o circulo de amizades, melhorando a sua vida “social”. Sempre está, em forma de curiosidade e crítica, prestando muita atenção no que seus amigos pensam, sentem a respeito dele, beirando, às vezes, também ao sarcasmo.

Desde muito pequeno o adolescente com características de Altas Habilidades/Superdotação sabe como cultivar a atenção dos adultos e abalizar entre o bem e

o mal. Corrobora a fala de um dos adolescentes do PIT:

Saber que tenho características de Altas Habilidades/Superdotação confirma o que eu suspeitava desde pequeno: eu era diferente dos meus amigos e colegas. Isso fez com que eu me aceitasse melhor, sem achar que estava sendo excluído do ambiente.

Também vem legitimar a fala de uma das mães, do Grupo de Pais do PIT:

Todos sentem profunda admiração, carinho e orgulho por ele. Ele cresceu ciente de que era “diferente”, e essa “diferença” em alguns momentos fazia com que ele se mantivesse um tanto quanto mais “fechado” em si, mas, atualmente, tem pouco a pouco tomado iniciativa de abertura, de proximidade. Um canal que foi aberto para uma proximidade maior, foi através de um dos seus “talentos”, que é a música.

E, por fim, a fala da Mãe do Adolescente X confirma também a questão:

Desde pequenino, ele era sempre o assunto do momento. Ele cativava a todos com sua inteligência. Chamava a atenção, tanto dos adultos como das crianças. Brincava com todos e muitos se sentiam incomodados, pois era como se ele ofuscasse o brilho das outras crianças. Notava-se claramente que era ciúmes. Mas sempre tinha uns dois ou três que ficavam admirados.

Em geral, esse adolescente tem alta capacidade intelectual e de comunicação, ampla criatividade e originalidade. Possui sensível olhar pensante, competitividade e independência, assim como muita determinação para suplantar limitações. Confirma um dos relatos que ouvi de um dos adolescentes do PIT:

Diria que sou uma pessoa descontraída, madura e que sempre busca adquirir conhecimento sobre os assuntos que me interessam.

Convalida também o Adolescente Z:

Admiro a inteligência e a camaradagem dele, até mesmo a preocupação em excesso com certas coisas.

O Adolescente Y, do ciclo de convivência que exprime um espelhamento de ordem positiva e proximidade também atesta:

Eu o vejo como uma pessoa inteligente, culta, com um senso de humor peculiar (às vezes tão peculiar quanto o meu), embora, às vezes, ele tenha um pensamento crítico um pouco diferenciado, e pense em algumas coisas de um jeito mais calculista, por assim dizer.

Enfim, a própria concepção do Adolescente X ratifica o assunto:

Vejo-me como uma pessoa carismática, inteligente e com conhecimentos sobre várias áreas, coisas que fazem com que eu me diferencie das demais pessoas da minha idade.

No entanto, quando o adolescente com características de Altas Habilidades/Superdotação não é (re)conhecido como tal, não consideram as suas

necessidades especiais, tanto educativas como psicológicas, e não se acha em espaços que lhe comporte desenvolver todo a sua potencialidade, pode exibir inadequações, problemas de fracasso escolar ou a busca do insulamento social e intelectual, ou até mesmo, posicionar-se de modo subserviente ante o outro, para ser/ter amigos, como possibilidade de fugir da depressiva sozinhez. Testemunha outro relato dos tantos que ouvi dos adolescentes do PIT:

Sinto-me pessimista, tímido e, ao mesmo tempo, arrogante. Muitas vezes, tenho tendência a achar que minha vida está ruim, é toda errada, a não gostar de frequentar espaços sociais onde haja pessoas que não conheço e não respeitam a minha maneira de ser, a ter medo de arriscar, e a achar que sempre sou melhor que os outros, devido às minhas habilidades e conhecimentos sobre várias coisas. Aí,

procuro não ser notado, segurando, ao máximo, meu sofrimento interior por não ser aceito. Busco uma postura humilde diante da vida. Assim não me hostilizam.

Corrobora também o Adolescente Z:

Em algumas ocasiões ele se mostra relutante em fazer novas amizades, mas não estou ciente de nenhuma “inimizade” ou desafeto que ele venha a ter.

A própria narrativa do Adolescente X comprova a temática:

Nas poucas vezes que fazia coisas pra ser aceito, eu normalmente não era bem aceito, então passei a não dar mais atenção a quem não o fazia por mim; o que me deixou mais retraído socialmente, comparado ao que eu era antes, porém a minha paranoia ajudou a selecionar as minhas companhias.

E, por fim, o Adolescente Y vem ratificar as palavras do Adolescente X:

O colega prefere não chamar a atenção, não age com nenhuma diferenciação, muito pelo contrário, costuma não se importar com o que os outros pensam.

Como o fenômeno está cheio de mitos errôneos e estereótipos, os pais e profissionais significativos do seu entorno têm muitas dúvidas em como lidar com esse adolescente. Autentica a fala de uma das mães, do Grupo de Pais do PIT:

É algo desafiador, amedrontante e ainda assim, maravilhoso. Temos muita preocupação com a emocionalidade dele. Esses rasgos de autossuficiência, de prepotência que presenciamos em determinadas circunstâncias. É algo que nos inquieta. Principalmente nessa fase da adolescência, em que tudo é tão conflitante, tão intenso. Esse cabedal de conhecimentos, essa avalanche de ideias, de anseios... Não queremos que sufoque, engesse, embote os sentimentos, a pessoa dele.

E as palavras da Mãe do Adolescente X, também ratifica esta compreensão:

Ficar sabendo que nosso filho tinha características de altas habilidades/superdotação, no início, trouxe felicidade, mas sem saber como lidar. Após a notícia começamos a entender porque ele era tão diferente em tudo e em qualquer coisa que fazia. Porém, a preocupação com o quanto ele

vai sofrer por isso é constante.

Dessa conjuntura emana a importância das instituições educacionais – família e escola – no desenvolvimento desse. Valida outro depoimento de uma das mães, do Grupo de Pais do PIT: