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A BUSCA E APREENSÃO DOMICILIAR NOS CRIMES PERMANENTES –

Constatada no tópico acima a possibilidade da prisão em flagrante quando da ocorrência de crimes permanentes, urge se averiguar a legalidade e possibilidade da entrada em residência alheia e realizar a busca e apreensão, sem mandado judicial e fora das situações autorizadoras constantes no art. 5º, XI da CRFB, quando a Autoridade Policial e seus agentes tiverem a notícia ou suspeitarem de que no interior de determinado domicílio esteja sendo praticado um delito permanente.

Conforme ensina Dutra (2007, p. 81-82), em todas as constituições brasileiras existiu, por parte do legislador, a preocupação de resguardar o domicílio do cidadão da invasão abusiva, desnecessária ou ilegal. Dessa forma, buscou-se resguardar a privacidade do indivíduo quando esse se encontrar no abrigo do lar. Porém, continua o autor, tal inviolabilidade não é absoluta, prevendo a própria Carta Magna vigente, em seu artigo 5º, XI34, as hipóteses que permitem a entrada em casa alheia sem o consentimento do morador.

Acerca das exceções à inviolabilidade do domicílio, especialmente nos casos de cometimento de crimes em seu interior, Luciano Dutra ensina que:

Dessa forma, quem emprega a própria casa para fazer dela instrumento para acobertar, praticar ou facilitar o cometimento de delitos não terá a tutela constitucional protetiva inerente ao domicílio, que por certo não está à disposição do crime. (DUTRA, 2007, p. 82).

Entendimento diverso extrai-se da decisão proferida em primeira instância pelo MM. Juiz Iolmar Alves Baltazar, com autos nº 006.12.002469-7, onde o magistrado 34Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; (BRASIL, 1988, grifo nosso).

considerou ilegal o ingresso em domicílio e a prisão em flagrante pelos crimes de posse ilegal de arma de fogo de uso restrito e tráfico de drogas. Em parte da referida decisão consta que:

Cuida-se de Auto de Prisão em Flagrante no qual Policiais Militares responsáveis pela prisão relataram à Autoridade Policial que em investigações preliminares feitas

por colegas de farda de Joinville e por meio de informações anônimas se averiguou

ser o conduzido um dos suspeitos pela morte (latrocínio) de um PM havida no dia 4 de agosto de 2012 em Joinville, além de outros roubos naquela Comarca. Segundo asseveram os militares, também obtiveram informações de que o conduzido estaria escondido nesta Comarca de Barra Velha, com a pistola do militar morto, pesando contra o conduzido, ainda, um mandado de prisão por tráfico de drogas. Por essas razões, uma equipe de Policiais Militares de Joinville se dirigiram até o local

indicado e lá efetuaram a prisão. Busca efetuada no interior da residência, localizaram a pistola dentro de uma mochila, além de 200 gramas de maconha. [...]

No entanto, não havia determinação judicial, não há prova de que o conduzido haja autorizado o ingresso da polícia na residência e tampouco a situação fática descrita nos autos configura flagrante próprio, mas sim flagrante em crime permanente. Destaco que, em que pese o tráfico de entorpecentes e posse de armas sejam delitos permanentes, o ingresso na residência sem mandado judicial não estava autorizado [...] (autos nº 006.12.002469-7, anexo) (SANTA CATARINA, 2012, grifo do autor). ANEXO A.

Assim, no entendimento, acima citado, do magistrado Iolmar Alves Baltazar, o crime permanente não implicaria em flagrante próprio, mas sim na espécie de flagrante em crime permanente o qual dependeria de ordem judicial para legitimar a entrada na residência, ou, nas palavras do magistrado “[...] a inviolabilidade do domicílio, garantia esta que somente é excepcionada nas hipóteses de flagrante próprio [...]” (SANTA CATARINA, 2012).

Entendimento similar é o de Lopes Jr. (2012, p. 710), o qual também defende que somente se enquadra no flagrante permanente a situação do art. 302, I do CPP, asseverando que nas demais hipóteses previstas no referido artigo, não é possível admitir que seja caso de flagrante permanente.

No mesmo sentido é o ensinado por Cleunice Bastos Pitombo, a qual apregoa que:

A permissão legal para a entrada, imediata e livre, em casa alheia, sem mandado judicial, fundada no flagrante delito é aplicável apenas aos casos de flagrante previstos nos incs. I e II do artigo 302 do Código de Processo Penal. Já nas outras duas hipóteses dos incs. III e IV, do referido dispositivo legal, emerge necessário o mandado judicial [...]. (PITOMBO, 2005, p. 138).

Contudo, Greco (2011, p. 24) ratifica a possibilidade da prisão em flagrante nos crimes permanentes e afirma que, em virtude de que nos delitos permanentes, enquanto durar a permanência, se considera que a infração está sendo praticada a cada instante, a espécie de flagrante em questão é a de flagrante próprio.

Portanto, sendo o crime permanente considerado flagrante próprio, não há como negar a legalidade da entrada em residência sem a ordem judicial quando dos delitos permanentes. Ressaltando-se também que o art. 303 do CPP ao prever que nos crimes permanentes o agente encontra-se em flagrante delito, enquanto não cessar a permanência, não fez diferenciação entre as espécies de flagrante constantes no art. 302 do mesmo diploma legal.

Também defendendo a desnecessidade da ordem judicial nos crimes permanentes, Guilherme de Souza Nucci ensina que:

É indiscutível que a ocorrência de um delito no interior do domicílio autoriza sua invasão, a qualquer hora do dia e da noite, mesmo sem o mandado, o que, aliás, não teria mesmo sentido exigir fosse expedido. Assim, a polícia pode ingressar em casa alheia para intervir num flagrante delito, prendendo o agente e buscando salvar, quando for o caso, a vítima. Em caso de crimes permanentes (aqueles cuja consumação se prolonga no tempo), como é o caso do tráfico de entorpecentes, na modalidade “ter em depósito” ou “trazer consigo”, pode o policial penetrar no domicílio efetuando a prisão cabível. (NUCCI, 2007, p. 486).

Sobre a pluralidade de interpretações, Nucci (2007, p. 486-487), admite que os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais divergem sobre a validade da descoberta da prática de crime permanente no interior de residência, quando da entrada sem ordem judicial, e até mesmo sem denúncia de flagrante, a exemplo do crime de guarda ou venda de entorpecentes. Contudo, ensina que se deve analisar o caso concreto para então concluir pela legitimação ou não da entrada em casa alheia sem ordem judicial, tendo afirmado que:

Se a polícia tem algum tipo de denúncia, suspeita fundada ou razão para ingressar no domicílio, preferindo fazê-lo por sua conta e risco, sem mandado – porque às vezes a situação requer urgência – pode ingressar no domicílio, mas a legitimidade da sua ação depende da efetiva descoberta do crime. Do contrário, pode-se caracterizar o crime de abuso de autoridade ou mesmo infração funcional. (NUCCI, 2007, p. 486, grifo nosso).

Quanto à situação de urgência acima mencionada por Guilherme de Souza Nucci, cita-se como exemplo, quão fácil seria para um traficante de drogas dispensar o entorpecente no vaso sanitário ao suspeitar de que a casa esteja cercada ou vigiada e que os policiais apenas aguardam o deferimento pelo magistrado da ordem judicial para entrar na residência. Ora, quando o referido mandado chegasse, certamente o conjunto probatório literalmente teria se esvaído pelo ralo, tornando inútil a diligência.

Ainda usando o exemplo acima, convém lembrar que, conforme já ventilado, visto a natureza cautelar do procedimento de busca e apreensão, se o periculum in mora é

justificado pelo risco do perecimento da materialidade, também não se pode descurar do fumus boni juris, que no caso em tela são as fundadas razões para suspeitar de que no interior de determinada residência esteja ocorrendo um crime, sendo imprescindíveis assim os dois requisitos mencionados para garantir a legalidade da entrada na residência.

Decidindo pela dispensabilidade da ordem judicial para entrada em residência no caso de crime permanente, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina proferiu a seguinte decisão:

CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA - TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES - COCAÍNA E MACONHA - CRIME PERMANENTE - PRISÃO EM FLAGRANTE - VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO - INOCORRÊNCIA - DESNECESSIDADE DE MANDADO JUDICIAL. A garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar "não se estende a locais ou pontos de comércio clandestino de drogas; a casa é o asilo inviolável do cidadão enquanto respeitada sua finalidade precípua de recesso do lar" (Habeas Corpus n. 11.231, de Itajaí). TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES - INSUFICIÊNCIA DE PROVAS DA MERCÂNCIA - DENÚNCIA ANÔNIMA - AGENTE DEPENDENTE - DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DO ART. 16, DA LEI 6.368/76 (USO PRÓPRIO) - MANTIDA. Denúncias anônimas são aptas ao início de investigação, mas não servem para fundamentar condenação se não estiverem comprovadas por prova colhida com garantia do contraditório. PORTE ILEGAL DE ARMA - APREENSÃO NA RESIDÊNCIA DO ACUSADO - AUSÊNCIA DE PERÍCIA QUANTO À POTENCIALIDADE OFENSIVA DO INSTRUMENTO - ARMA RECENTE E CARREGADA - OCORRÊNCIA DO DELITO DISPOSTO NO ART. 10 DA LEI N. 9.437/97. Se o agente admite que guarda arma para sua defesa, sem colocar em dúvida sua eficácia, resta caraterizado o crime previsto no art. 10, da Lei n. 9.437/97, ainda mais porque realizada verificação de mecanismo de disparo que atestou boas condições para uso. (TJSC, Apelação Criminal n. 2000.000763-3, de Imbituba, rel. Des. Nilton Macedo Machado , j. 20-12-2001) (SANTA CATARINA, 2001, grifo nosso).

No mesmo sentido decidiu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios:

HABEAS CORPUS - PACIENTE PRONUNCIADO POR HOMICÍDIO QUALIFICADO - ALEGAÇÃO DE CONDUTA IRREGULAR DE POLICIAIS QUANDO DA BUSCA E APREENSÃO DE OBJETO DE CRIME - TESE DE NULIDADE PROCESSUAL - CRIME PERMANENTE - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO - DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1 -TER EM DEPÓSITO ARMA DE FOGO É CRIME PERMANENTE, SENDO DESNECESSÁRIA A EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO PARA SEU RECOLHIMENTO. 2 -DENEGA-SE A ORDEM DE HABEAS CORPUS EM QUE SE BUSCA A NULIDADE DO PROCESSO POR SUPOSTA ILEGALIDADE NO CUMPRIMENTO DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. (Distrito Federal, Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, 1ª Turma Criminal, Acórdão nº 306825 do Processo nº20080020026966hbc, 08/05/2008). (BRASÍLIA, 2008, grifo nosso).

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. OPERAÇÃO POLICIAL. APREENSÃO DE ENTORPECENTE EM RESIDÊNCIA. INVASÃO DE DOMICÍLIO. INOCORRÊNCIA.

CRIME PERMANENTE. ESTADO DE FLAGRÂNCIA QUE SE PROTRAI NO TEMPO.

INCIDÊNCIA DE EXCEPCIONALIDADE CONSTITUCIONAL. NULIDADE AFASTADA.

INGRESSO CONSENTIDO. ORDEM DENEGADA.

1. Este Tribunal Superior prega que, por ser permanente o crime de tráfico de drogas, a sua consumação se protrai no tempo, de sorte que a situação de flagrância configura-se enquanto o entorpecente estiver sob o poder do infrator, sendo possível, portanto, em tal hipótese, o ingresso da polícia na residência, ainda que não haja mandado de prisão ou de busca e apreensão, já que incide a excepcionalidade inscrita no art. 5º, inciso XI, da CF, a afastar a inviolabilidade do domicílio.

2. Outrossim, não há falar em vício na operação policial, se houver a permissão de entrada dos policiais na residência do investigado, a descaracterizar a inviolabilidade de domicílio, que pressupõe, justamente, o não consentimento do morador.

3. Ordem denegada.

(HC 208.957/SP, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), SEXTA TURMA, julgado em 06/12/2011, DJe 19/12/2011) (BRASIL, 2011, grifo nosso).

O autor Luciano Dutra, apesar de defender a necessidade da ordem judicial, é claro ao afirmar que o procedimento da busca domiciliar realizado sem mandado judicial, nos casos de crimes permanentes, tem encontrado respaldo na exceção constitucional do flagrante delito. (DUTRA, 2007, p. 157-158).

Contudo, é importante observar que na realização de busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial, sob a justificativa do cometimento de crime permanente, os agentes do Estado deverão proceder com extrema prudência, visto o risco de caso não configurado o delito, responderem por abuso de autoridade, conforme previsto na Lei nº 4.898/95, a qual regula o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, nos casos de abuso de autoridade. Assim, não se pode deixar de considerar a possibilidade de que nada ilícito seja encontrado na casa, cujos moradores podem até mesmo serem pessoas inocentes, pois os agentes do Estado não estão livres de cometerem equívocos.

Dirimidas as dúvidas acerca da desnecessidade de ordem judicial para entrar em casa alheia nos delitos permanentes, no tópico subsequente verificar-se-á eventuais consequências que a falta do mandado de busca e apreensão poderá acarretar à materialidade encontrada, bem como prisões realizadas, quando tratar-se de crime permanente.

4.6 EVENTUAIS CONSEQUÊNCIAS DA INEXISTÊNCIA DE MANDADO DE BUSCA

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