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A caixa de “ferramentas”: a entrevista e a amostra

4. RECEPÇÃO PUBLICITÁRIA E O MASCULINO: CAMINHOS

4.2 Passos metodológicos: compreendendo a relação entre receptor e

4.2.2 A caixa de “ferramentas”: a entrevista e a amostra

Para analisar como as mediações atuam no processo da recepção publicitária de representações sobre a masculinidade foi necessário conhecer profundamente o receptor, o seu contexto e as suas subjetividades. Para isso, utilizamos a técnica de entrevista em profundidade, pois o seu uso “supõe captar a experiência do entrevistado em seus próprios termos, aceder as significações que para ele têm os acontecimentos aos que se refere na entrevista” (VILELA, 2006, p.48). A adoção desta entrevista possibilita, segundo May (2004, p. 145), uma investigação com “compreensões ricas das biografias, experiências, opiniões, valores, aspirações, atitudes e sentimentos das pessoas”.

A entrevista, neste estudo, foi elaborada de forma híbrida. Uma parte dela caracteriza- se como uma entrevista fechada com perguntas estruturadas, construídas objetivamente com a intenção de compreender de modo preciso aspectos referentes ao perfil e ao interesse do pesquisado quanto ao consumo midiático e a publicidade. A outra parte configura-se como uma entrevista semiaberta composta por questões semi-estruturadas, isto é, perguntas-chave que norteiam os assuntos explorados na pesquisa de campo (DUARTE, 2009). Este tipo de entrevista possui caráter em profundidade, uma vez que permite o entendimento da cotidianidade dos receptores, a partir da compreensão de seu habitus (RONSINI; SILVA; WOTRICH, 2009, p.12).

A entrevista semiaberta é passível de ser complementada por outras perguntas ainda mais específicas durante a sua aplicação e que não constam no roteiro inicial, visto que “esse tipo de entrevista procura intensidade nas respostas, não-quantificação ou representação estatística” (DUARTE, 2006, p.62). Assim sendo, este tipo de entrevista permite ao entrevistador maior liberdade na forma de abordar o entrevistado, da mesma maneira que possibilita ampliar a profundidade das respostas, proporcionando ao pesquisador registrar informações qualitativas através da sondagem das respostas (MAY, 2004, p. 198). É por isso que, de acordo com Bauer e Gaskell (2002), a aplicação desenvolve-se de maneira mais informal e em tom de conversa, ou seja, há flexibilidade tanto na realização de outras perguntas não contidas no instrumento quanto nas respostas.

O instrumento foi estruturado subdivido em seis blocos com cerca de 120 questões ao todo (Apêndice 5). O primeiro bloco (quantitativo) trata-se de uma espécie de formulário com perguntas de caráter objetivo e fechado, relacionadas às condições pessoais, econômicas e culturais, o qual, conforme Duarte (2006), “é utilizado para dar subsídio inicial ou para aprofundar resultados obtidos em entrevistas em profundidade” (p 67). Teve como principal

intenção definir o perfil e a classificação dos entrevistados. O segundo bloco é formado predominantemente por perguntas abertas que exploram a relação do pesquisado com a televisão e, especificamente, com a publicidade, ou seja, ela parte de um roteiro de perguntas, “suficientemente amplas para serem discutidas em profundidade sem que haja interferências entre elas ou redundâncias” (DUARTE, 2006, p. 66).

Os quatros demais blocos foram estruturados a partir da temática das categorias anteriormente definidas (beleza, sexualidade, trabalho e família), com perguntas exclusivamente abertas, dando aos entrevistados liberdade para a resposta, bem como ao entrevistador a possibilidade de aprofundar as questões levantadas pelo informante. Esclarecemos que as perguntas foram elaboradas de modo a responder um tripé informacional que atende os dados empíricos necessários ao estudo de recepção e que dizem respeito: ao modo como os homens entendem e autodefinem-se em relação à masculinidade; como eles observam a representação masculina na publicidade; e os usos das representações na composição identitária dos entrevistados.

A aplicação das entrevistas foi realizada em três etapas distintas, exigindo, pelo menos, três encontros presenciais, fato que aumentou o convívio e a aproximação pessoal com os entrevistados, de modo que facilitou a abordagem nas etapas seguintes. Num primeiro momento, foram aplicados os dois primeiros blocos, enfatizando principalmente a relação dos homens com a publicidade. Além disso, novamente foram resgatados outros exemplos de publicidade que, de alguma maneira, marcaram ou eram do gosto pessoal dos entrevistados que estivessem diretamente relacionados com o tema das categorias definidas na fase anterior da pesquisa. Todavia, destacamos outra vez a baixa incidência de exemplos, como já ocorrida na aplicação dos questionários, inclusive, havendo repetição dos anúncios já citados ou de peças publicitárias12 que fugiam do âmbito da discussão sobre a masculinidade.

Na segunda etapa da entrevista, foram aplicados os dois blocos seguintes de perguntas referentes às duas primeiras categorias, específicas sobre beleza e sexualidade. Aqui, trouxemos exemplos atuais de publicidades e aquelas referenciadas pelo entrevistado na fase anterior da entrevista com o objetivo de ilustrar e estimular o debate. Já na terceira fase de aplicação da entrevista, realizamos o mesmo procedimento, agora, apenas direcionando a discussão para as duas outras categorias de análise trabalho e família, dois últimos blocos, com o debate estimulado por exemplos de publicidades selecionadas e/ou mencionadas pelos entrevistados. Nesses dois encontros, os vt’s foram transmitidos através de um notebook e

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Aqui, foram citados anúncios famosos, que marcam a história da publicidade brasileira, considerados cases de sucessos no campo da publicidade, por exemplo, “Mamíferos da Parmalat” e “Cobertores Fiateci”.

intercalados entre a discussão sobre as categorias. Lembramos que os anúncios apenas ilustravam a discussão, visto que estamos tratando da relação dos sujeitos com representações produzidas pelo fluxo publicitário, constituídas pela memória do entrevistado a partir do conjunto de publicidades em circulação, portanto, não limitadas aos exemplos mencionados.

No que tange ao universo dos telespectadores, fazem parte da amostra: sujeitos do sexomasculino, de classes distintas (populares e altas), que tenham assiduidade na assistência da televisão e que, consequentemente, estão expostos à recepção de anúncios televisivos veiculados no Brasil. Assim, a amostra é definida de forma não probabilística, sem sorteio a partir do universo e baseada tanto por conveniência (viabilidade) quanto pela intencionalidade, no caso pela escolha daqueles sujeitos mais interessados em debater os assuntos da pesquisa (DUARTE, 2006). A amostra caracteriza-se como um subconjunto representativo, com certo número de elementos, que são retirados do conjunto universal (RICHARDSON, 1999, p. 160). Assim, os sujeitos qualitativamente escolhidos foram aqueles que, além da assistência televisiva assídua, mostraram-se interessados em discutir os assuntos relacionados à masculinidade a partir do discurso midiático.

Devido à impossibilidade de abarcar o universo total de receptores, a amostragem é composta por um total de dez homens, cinco de classe popular e cinco de classes economicamente privilegiadas, residentes na cidade de Santa Maria/RS, de idades, estado civil e profissões variadas. A classificação dos sujeitos em popular e alta foi feita através de critérios definidos por Quadros e Antunes (2001), que categorizam os indivíduos a partir da ocupação do chefe ou do membro da família melhor situado economicamente.

Embora todo critério de classificação das classes sociais seja questionável, optamos por definição que, a nosso ver, amplia as condições sobre o pertencimento de classe, expandindo a noção para a ocupação social e não restringindo apenas aos aspectos de renda em si. Conforme aponta Bourdieu (2008), a ocupação ou posição social sugere um habitus de classe que inclui outros fatores que dizem respeito às condições econômicas do sujeito e que não são descritas, exclusivamente pelas remunerações recebidas pelos sujeitos, isto é, o desempenho de determinada função pressupõe um estilo de vida e gostos típicos de uma determinada classe social.

Ainda sobre a aplicação das entrevistas, ressaltamos que a divisão por blocos favoreceu, além de maior proximidade com o entrevistado, a não torná-la cansativa a ponto de comprometer o diálogo e o aprofundamento das respostas. Os locais para a realização das entrevistas foram diversificados, levando sempre em consideração a disponibilidade, o acesso e o interesse dos pesquisados. Na maioria dos casos, as etapas da entrevista, de um mesmo

pesquisado, foram feitas em locais diferentes, o que também possibilitou a observação de sua relação com diversos espaços de socialização. Os locais de encontro foram desde espaços públicos, como cafés e bibliotecas, até o ambiente de trabalho e a casa dos pesquisados.