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3. O MASCULINO NA PUBLICIDADE

3.2 Os Estudos de Recepção da publicidade

As limitações teórico-metodológicas enfrentadas, ainda hoje, pelos estudos da publicidade, com perspectiva comunicacional, vêm a ser consequência de abordagens reducionistas que dominaram o campo na década de 90. Naquele período, segundo Jacks (2002), as pesquisas alocaram-se em dois eixos de análise: - a perspectiva econômica funcional, que buscava verificar a funcionalidade e eficácia econômica da publicidade como uma técnica de venda; e, - a crítica denuncista, que tinha como questionamento e crítica o poder de manipulação e alienação da publicidade. Com isso, nestes tipos de abordagens, “parece que o mundo social é unicamente determinado pelas condições criadas pelas atividades publicitárias, desconsiderando-se outros condicionantes macro e microssociais que fazem parte desta relação” (PIEDRAS, 2009, p.21).

Jacks (2002) aponta a baixa produtividade de trabalhos acadêmicos (dissertações e teses) sobre a publicidade nos anos 1990, em que, num total de 1.789 trabalhos encontrados, apenas 59 lançaram seus olhares sobre ela, o que produz e dissemina no campo, uma “pobreza do instrumental teórico-metodológico empregado nas investigações que abordavam o fenômeno publicitário” (MAZETTI, 2011, p.2), que decorre das problemáticas frágeis e sem aprofundamento e articulação teórica com outras áreas do conhecimento. Por isso, buscamos discutir a publicidade dentro da complexidade social contemporânea e a possibilidade de lançar perspectivas que superem ou, ao menos, contribuam para esta realidade a partir de uma visão cultural da publicidade.

Com o olhar voltado especificamente aos estudos empíricos de recepção realizados na década citada, detectamos a necessidade de maior desenvolvimento, visto que eles ainda são reduzidos se comparados com outras pesquisas com foco no processo de produção e na

mensagem. No caso da publicidade, este número é ainda menor, conforme revela Jacks (2002, 2010), apenas três pesquisas (uma tese e duas dissertações) foram realizadas em toda década de 1990, evidenciando a inexpressiva produção acadêmica no Brasil no que diz respeito à recepção da publicidade e ressalta a urgência de realização de análises que a abordem como objeto de investigação.

O uso da publicidade em estudos de recepção na comunicação manteve uma produtividade escassa também nos anos 2000 no Brasil, conforme aponta o levantamento: “entre 2000 e 2009 foram defendidas 5724 pesquisas nos 39 Programas de Pós-Graduação em Comunicação no Brasil (...) com 165 estudos empíricos de recepção, das quais dezesseis envolvendo recepção da publicidade” (JACKS; PIEDRAS, 2010). Esta situação demonstra que apenas 10% dos trabalhos empíricos de recepção possui a publicidade como objeto de investigação, sendo três teses e treze dissertações. Segundo as autoras, embora haja visivelmente um acréscimo quantitativo na produção, isso torna-se inexpressivo se levado em consideração o aumento também no número de Programas de Pós-Graduação em Comunicação no Brasil. O mapeamento denota ainda que os estudos sobre a publicidade dobraram em relação à década de 90, o que não aconteceu com os estudos de recepção que tiveram um decréscimo se comparados à quantidade de trabalhos realizados e o número de programas existentes na década anterior.

O panorama apresentado pelas autoras permite observar a incipiência no campo da recepção da publicidade, visto que o número total de toda a produção de duas décadas (1990- 2009) totaliza um número pouco expressivo, dezenove trabalhos, desenvolvidos nos Programas de Pós-Graduação em Comunicação em todo o Brasil. Outro dado importante no levantamento refere-se às abordagens das pesquisas que, conforme Jacks e Piedras (2010), orientam os trabalhos, são elas: comportamental, discursiva, sociodiscursiva e sociocultural.

As pesquisas com abordagem comportamental foram predominantes no período analisado, somando um total de sete trabalhos produzidos. Este tipo de abordagem busca entender os estímulos e as reações do público a partir do estímulo da mídia. Aqui, são consideradas as pesquisas sobre os efeitos, os usos e gratificações, a formação de opinião, e aqueles de caráter psicológico que analisam o produto midiático através da reação das audiências (ESCOSTEGUY, 2004).

Fazem parte desta abordagem os seguintes trabalhos: Quem tem medo da

propaganda? Estudo da reação à propaganda através da manifestação espontânea do consumidor em Jornal de Santos (AUGUSTO, 1993); A Propaganda Institucional como formadora de atitude (AZEVEDO, 2001); Ética na Propaganda sob o olhar do consumidor e

suas significações: um estudo a partir de denúncias encaminhadas ao CONAR (BRAGALIA,

2004); Marginal ou invisível? A representação de usuários de drogas injetáveis nas

publicidades do Ministério da Saúde (SIQUEIRA, 2004); A comunicação das campanhas sociais na televisão: a leitura do jovem sobre o referendo da comercialização de armas de fogo e munição no Brasil (PAIXÃO, 2007); O estímulo audiovisual na comunicação publicitária da marca Havaianas - um estudo da recepção a partir da diferenciação dos gêneros (VINIC, 2008); e, A recepção pelos paulistanos das mensagens midiáticas de divulgação do turismo na Bahia (CARVALHO, 2009).

A abordagem discursiva foi adotada em três dos estudos realizados entre 1990 e 2009. Estas pesquisas caracterizam-se pela análise dos “textos produzidos pelos receptores e enviados aos meios através de cartas, emails, telefones, etc.” (JACKS; PIEDRAS, 2010). São eles: Comunicação publicitária criativa, um estudo da recepção sobre a peça “A Semana”

feita para a revista Época (PATARA, 2008); A estratégia publicitária influenciada pelas lógicas de consumo (SANTOR, 2009); e, Publicidade autorreferencial do Diário Gaúcho: encenações do produto midiático e do leitor (DEPEXE, 2009).

O terceiro tipo de abordagem é a sociodiscursiva, adotada em seis das pesquisas executadas no período. Lembramos que, inicialmente, as análises sociodiscursivas foram classificadas como de abordagem sociocultural, entretanto, Jacks e Piedras (2010) propõem novo desmembramento por conta do emprego das técnicas de coletas de dados, uma vez que a abordagem sociodiscursiva analisa “universo sociocultural do receptor capturando-o através de técnicas discursivas de coletas de dados, sem observação de suas práticas, ao contrário da abordagem sociocultural” (idem, p. 43).

Os trabalhos de abordagem sociodiscursiva são: Os jovens e a recepção da

publicidade televisiva (MALDANER, 2000); Mulher e publicidade: estudo da produção e da recepção da identidade da Mulher-Mãe na mídia televisiva (SILVA, 2002); Mídia e identidade regional: negociações da gauchidade na recepção das propagandas políticas no RS (GUTBIER, 2003); As representações sociais do receptor infantil de duas escolas da cidade de São Paulo, a partir de comercias de TV (YANAZE, 2005); Publicidade, imaginário e consumo: anúncios no cotidiano feminino (PIEDRAS, 2007); e, Discurso publicitário como dispositivo disciplinar: os impactos da campanha “Real Universitário” na recepção do público jovem (VAZ, 2008).

A abordagem sociocultural foi foco de três das dezenove pesquisas mapeadas nas duas últimas décadas. Esta abordagem possui uma “visão ampla e complexa do processo de recepção dos produtos midiáticos, levando em consideração múltiplas relações sociais e

culturais” (ESCOSTEGUY, 2004, p.135), para isso, costuma realizar observações mais densas por meio da realização de etnografia. Os estudos são: A orgia dos objetos: Estudo

sobre recepção, publicidade e “excluídos” (MATOS, 1995); Mais do que feijão com arroz: Consumo, publicidade e cultura no meio rural (KESSLER, 1997); e, Publicidade na “Terra do Nunca”: as relações entre consumo, juventude e escolha do curso de Publicidade e Propaganda (GOELLNER, 2007).

A partir da exposição do atual cenário das pesquisas empíricas de recepção da publicidade no Brasil, no campo da comunicação, faremos algumas considerações pontuais que entendemos ser pertinentes ao nosso interesse de investigação. Além disso, elas servem como justificativa para a realização do presente estudo.

De início, salientamos que os estudos de gênero foram introduzidos nas pesquisas de recepção da publicidade apenas recentemente. Além disso, apresentam-se centrados basicamente nas representações do feminino na publicidade, através da sua recepção e do seu consumo (SILVA, 2002; PIEDRAS, 2007; VINIC, 2008). O único estudo que apresenta o homem como agente social pesquisado (VINIC, 2008) não o tem como foco, mas de forma comparativa ao gênero feminino. Cabe ressaltar que não houve relatos de trabalhos no Brasil, no levantamento realizado, que possuam o gênero masculino no centro da investigação empírica na recepção da publicidade, indicando certo ineditismo em nossa proposta de pesquisa.

Com base neste panorama, verificamos o uso inexpressivo da categoria classe social como mediadora das relações na análise da recepção da publicidade. De todos os trabalhos encontrados, nos últimos vinte anos, apenas um (MATOS, 1995) utiliza as noções de classe social à compreensão das leituras dos agentes sociais, especificamente, os “excluídos”, demonstrando que este tipo de abordagem carece de aprofundamentos, principalmente, pelas evidências empíricas de que a diferença nas condições econômicas interfere no modo como a mensagem publicitária é recebida pelos sujeitos.

E, por último, evidenciamos a ideia do uso do fluxo televisivo aplicado à publicidade (PIEDRAS, 2007, 2009). Aqui, concordamos com a autora sobre a pertinência da noção de fluxo também em análises da recepção da publicidade, especialmente, por não se debruçar ao estudo de uma única peça ou campanha publicitária e pelo fato de observar a recepção em uma variedade de meios. Deste modo, há uma contribuição aos estudos da publicidade, pois consideramos que a análise de sua recepção deve contemplá-la como um fenômeno e não em anúncios ou campanhas isoladas. Assim sendo, acreditamos que a sua significação e o seu entendimento são dados no interior de um contexto de um fluxo que é contínuo e ininterrupto,

sobremaneira, quando o objetivo é analisar a aceitação (ou não) das representações promovidas pela publicidade, como é o caso deste estudo, como também a efetividade do consumo e a fidelização à marca.

Ademais, a ressalva sobre “a necessidade urgente de explorar, mais e melhor esta área de estudos para melhor entendermos a relação entre receptores e a publicidade, visto que ainda são muito escassos no Brasil” (JACKS; MENEZES; PIEDRAS, 2008, p.234) parece ainda ser válida para os trabalhos da última década. Ainda que haja alguns avanços, a realidade não se difere tanto, como comprova o levantamento feito por Jacks e Piedras (2010). Portanto, analisamos ser um momento oportuno para dar sequência na reflexão sobre a complexidade que envolve a relação entre as práticas publicitárias e a cotidianidade/subjetividade dos sujeitos na contemporaneidade, de modo a contribuir para a discussão da publicidade como um fenômeno cultural responsável em grande medida pela produção de representações que servem de referência aos sujeitos na formação das identidades contemporâneas.