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5. A IDENTIDADE DE GÊNERO EM CLASSES SOCIAIS

5.2 Beleza

Classe popular:

Quando perguntados sobre o entendimento acerca da masculinidade, os pesquisados parecem ter uma visão limitada sobre o assunto, o que se explica, de modo geral, pelo baixo capital educacional (três possuem Ensino Médio, um Ensino Fundamental Completo, enquanto apenas um possui Ensino Superior Incompleto) e capital cultural (tem pouco ou não

tem o hábito de ler, por exemplo) oriundo do habitus de classe dos informantes. Além de apresentarem abordagens relativamente superficiais e de pouca reflexão sobre a masculinidade, alguns demostram dificuldades no uso da linguagem e na argumentação quanto a este assunto.

Para eles, a masculinidade está associada quase que exclusivamente com as questões referentes ao exercício da sexualidade (heterossexual), isto é, “gostar de pega mulher” (André), complementado por Pedro “(...) é a coisa do macho (...) acho que não tem muito mais do que isso” e Antônio “(...) é ser homem. Homem é homem e gosta de mulher”. Cláudio também se restringe às questões físicas e biológicas: “(...) é ser homem. E aí tem um monte de coisa que é comum nos homens, que identifica: força, comportamento (...) não sei explicar”. A posição adotada pelos pesquisados é consequência, entre outros fatores, da formação familiar e das origens que restringia os papéis de gênero e reproduzia um modelo patriarcal e machista em que submetia a mulher à figura masculina.

Ainda que apresente uma ideia restrita, André é a exceção. Entre todos, ele dá indícios gerais de que há outros aspectos que envolvem a discussão (“[...] é a forma de ser, assim, né (...) eu acho que é a forma de agir, também”). Talvez, por ser o único que ingressou no Ensino Superior, possui maior proximidade com a leitura e convive com outras formas de socialidade que não somente o ambiente familiar de origem. Se comparado com os demais, é quem possui maior capital educacional e cultural.

A partir da concepção dos pesquisados sobre a beleza, buscamos compreender as suas proposições sobre a importância dada ao cuidado com a aparência. Mesmo que não reconheçam a beleza estando vinculada diretamente com a masculinidade, em graus distintos, os entrevistados relatam a importância do cuidado consigo. Entretanto, alegam que isso ocorre em grande medida como consequência da exigência da mulher com quem se relacionam e/ou da profissão que exercem. O que querem dizer é que o interesse não parte naturalmente deles próprios, ou seja, entendem o cuidado com a aparência quase como uma exigência de terceiros, acatada por eles, mais do que vontade própria ou um hábito intrínseco ao seu comportamento. Este fato é decorrente da socialidade dos indivíduos que propicia certa resistência em admitir o desejo por beleza ao tensionar as suas visões acerca do cuidado com a aparência física, uma vez que isso esteve historicamente associado ao feminino.

Embora acreditem que o cuidado pessoal não interfere na masculinidade, os entrevistados apresentam restrições. Oscilam entre o possível aceite da incorporação dos assuntos de beleza pelo homem e a manutenção do ideal masculino que o afasta de tudo que eventualmente possa aproximá-los do universo das mulheres (“Não tem nada a ver, mas o

cara tem que se garantir”, diz Pedro; “Acho que não, só que o cara também não pode querer ser cheio de frescura”, acrescenta Cláudio). Antônio é mais enfático: “olha, se cuidar é normal. Mas se começa só pensar nisso, querer usar creminho e coisa daí não sei, hein?! Homem não pode ter muita frescura”.

O ponto central da discussão e da grande preocupação está em manter distanciamento das questões de beleza comuns ao universo feminino (“[...] tudo tem um limite, se começa a se cuidar mais que a mulher, é complicado”, Elton), uma vez que essa aproximação poderia afetar a masculinidade do sujeito: “tem um pessoal aí trocando de lado. Eles, geralmente, se cuidam mais que o hetero (...) ou pelo menos entendem mais de beleza” (André); “Tu não vai andar sujo e mal arrumado, mas querer se depilar, creminho, isso e aquilo, eu já não concordo. Já não é pra homem” (Antônio).

Sobre quais os cuidados que o homem não deve ter, André é objetivo: “Essa história de tá pintando o cabelo, se maquiando, usando esses cremes (...), isso já tem um limite” e Cláudio completa “(...) indo toda hora no instituto [de beleza]. É coisa de mulher”. Do mesmo modo, Pedro afirma: “(...) não dá também pra querer fazer tudo que as mulher fazem. Daí já não sei o cara é tão macho assim”.

Mesmo com restrições, André e Cláudio mostram-se mais receptivos ao cuidado pessoal, pois afirmam, respectivamente: “Todo mundo gosta de se sentir atraído, atrair a mulher (...), o pessoal cuida mais da estética até por causa do serviço, que exige que o cara se cuide, teja bem apresentado”; “(...) se tu tiver te sentindo bem, te deixa mais seguro. Isso é bom. Até tua mulher vai gostar”. Já Pedro parece ser mais reticente (“O cara tem que ser como ele é”), usufruindo do cuidado apenas como um artifício facilitador na conquista “(...) porque a mulher gosta, pelo menos a minha gosta (...) e outra, se tu quer pegar mulher tu tem que tá ajeitado”. Em suas palavras, Antônio reitera a ideia dizendo que o homem deve prezar a naturalidade, enquanto a mulher já possui propensão ao cuidado. Além disso, talvez por conta de ser casado e de sua faixa etária, afirma que: “A mulher tem que gostar do cara como é, sem essas frescuras de moda e produtos do Avon”.

Pedro reforça o seu posicionamento (e afastamento) dizendo que “(...) não tenho muito tempo e também porque acho frescura demais”, o que nos remete as noções de classe, tendo em vista que a “frescura” mencionada pelo entrevistado refere-se é ao cuidado excessivo com a imagem e o comportamento como algo distintivo, especialmente, das mulheres de classe alta (BOURDIEU, 2008). Antônio acrescenta questões relacionadas com a geração e ao trabalho como empecilhos para o cuidado: “(...) o cara mais velho sabe que aquilo não dá pra ele. (...) não tem como andar todo arrumadinho, eu trabalho na moto”. Assim, a postura dos

entrevistados é transpassada por condições econômicas, o desejo de aproximação com as classes superiores e a consciência da própria posição. O posicionamento deles pode ser visto também como uma tentativa de distanciamento do universo feminino, uma das máximas da afirmação da masculinidade (BADINTER, 1993) e que reforça o modelo masculino tradicional a partir do qual foram socializados.

No entanto, há pontos de instabilidade no discurso dos pesquisados. Por mais que afirmem, num primeiro momento, que o interesse maior está centrado em atender exigências externas, também, mostram certa preocupação pessoal. Fato que ilustra a atual instabilidade masculina em relação aos novos paradigmas da beleza sugeridos ao comportamento do homem contemporâneo. É o caso de buscarem estar com a barba e o cabelo sempre aparados (Antônio), a preocupação com o peso (Pedro), a queda de cabelo (André), estar bem vestido (Cláudio) e “limpo e cheiroso” (Elton). Contudo, a preocupação ainda é bastante limitada se comparada a outros homens, sobretudo, aos dos segmentos de classes média e alta, porque o

habitus primário ainda sustenta e demarca claramente a postura dos pesquisados quanto ao

cuidado pessoal restrito e o afastamento do que remete ao comportamento feminino.

Perguntados sobre o padrão de beleza masculina promovida pela publicidade, os homens lá representados são definidos como: “(...) um cara bonitão, um cara alto, meio fortinho (...) ele tem uma boa aparência”, André; “um cara branco, novo e bem arrumado”, Pedro; e, “(...) são um modelo de beleza. São sempre bem apresentáveis. (...) é aquela coisa sempre branco, sarado, jeito de modelo”, Cláudio. Percebe-se, inclusive, que os entrevistados apontam semelhanças na descrição deste padrão com os modelos apresentados nos anúncios discutidos. Elton e Antônio também compartilham das características apresentadas pelos demais entrevistados (“Os caras das propagandas são tudo ajeitados. Tu não vê um feio ou gordo, são malhado, uns caras boa pinta”, Elton).

Tratando-se de beleza e com base nas respostas dos informantes, observamos traços de um padrão hegemônico que circula comumente nos anúncios publicitários, como relata André: “(...) em todas as propagandas os caras são tudo meio parecido”, referindo-se às características anteriormente anunciadas. Além disso, Cláudio acredita que o fator beleza também pode remeter a estilos de vida que não correspondem aos dos seus habitus, sendo a classe um aspecto que transpassa a mediação da socialidade no que concerne à não identificação com este ideal de beleza (“[...] os cara da propaganda, eles são tudo ajeitado, eles tem outra vida, outra realidade”).

Ainda sobre este padrão, Pedro destaca o fato de que “(...) o cara é sempre branco né, tu nunca vê um mais moreno”. Crítica que aponta a divergência e ganha sentido quando

observada a definição da cor de pele feita pela grande maioria dos entrevistados (André, Antônio, Elton e Pedro) que é a parda/negra. Assim, reconhece-se a resistência do pesquisado quanto ao padrão étnico insistentemente representado pelos anúncios publicitários, uma vez que não ocorre identificação por conta da mediação da socialidade, relacionada às questões físicas.

Na relação dos pesquisados com o ideal mostrado na publicidade, ocorre um afastamento instantâneo, uma crítica. Comparativamente, eles questionam: “(...) olha para mim e olha para eles” (Pedro); “Ah, não tem como não se comparar, mas, claro, tu sempre vai

tá longe daqueles que estão lá” (André); “Eu nem penso nisso, não tem nada a ver comigo. É

coisa de propaganda mesmo” (Elton). Pedro percebe também um distanciamento econômico que não lhe permite ter significativo cuidado como o homem presente na publicidade, “Eles são ricos, pode fazer tudo aquilo e comprar as coisas que a propaganda mostra. Eu nem sempre posso”. Situação que também é levantada por Elton e Antônio: “Se cuidar custa caro. Não é pra quem quer é pra quem pode. Por isso, que já colocam uns caras com jeito de rico, carrão, roupas finas nas propagandas desses produtos de beleza”; “(...) quem ganha pouco não tem esses luxos. Tu acha que para ficar daquele jeito, eles não gastam um monte de dinheiro? São uns bundinhas”. Tais pronunciamentos revelam certa consciência da posição de classe (BOURDIEU, 2008) dos entrevistados, também, inscrita na socialidade. Ressaltamos que esta crítica não diz respeito apenas a uma resistência em relação ao padrão de beleza observado na publicidade, mas, ao mesmo tempo, ao conformismo sobre o modelo de beleza vigente e a própria posição de classe.

Neste sentido, os pesquisados reconhecem a distância entre a beleza masculina apresentada em boa parte dos anúncios publicitários que circulam no fluxo televisivo e a realidade em que vivem. Além de não haver convergência no que se refere a eles próprios, também consideram que não há em relação a grande maioria de outros homens com quem convivem (“Vou ser bem sincero contigo, eu nem vejo tanta gente assim. Só se for lá pra cima [referindo-se aos Estados do sudeste do País]. Aqui, a gurizada não é tão arrumadinha daquele jeito”, Elton). Discrepância causada pela mediação da socialidade, pois todo indivíduo carrega uma trajetória de vida e subjetividades específicas, além das próprias condições físicas que limitam tamanha aproximação.

Esta relação de certo desconforto fica evidente quando Pedro contesta e resiste ao fato de que: “Eles [a publicidade] deviam se ligar que isso não é normal, quase ninguém é daquele jeito” ou quando Cláudio reitera “(...) eu acho que [os anúncios] generalizam isso. Eles usam um ideal, uma coisa que é bem distante. Eu nem que quisesse não ficaria daquele jeito”. De

modo mais elaborado, André explica que “(...) não é possível encontrar muito, a gente vê mais [este padrão] nos modelos, nesses caras mais ajeitados. Porque, normalmente, o pessoal tem estatura mais baixa, nem todo mundo malha, até porque nem todo mundo tem tempo. Não é comum”. Antônio complementa a discussão a partir do viés econômico: “Aquilo é lá na propaganda. Eles devem fazer isso para vender pros ricos (...). Por isso, que colocam aqueles caras bonitão e cheio de marra”. Portanto, os entrevistados reconhecem uma estrutura econômica que favorece o cuidado e a preocupação com a aparência aos homens vistos na publicidade e que vem de encontro as reais possibilidades da classe popular em relação ao cuidado com o corpo (academia, cosméticos, etc.) e o uso de roupas de qualidade e da moda.

No entanto, por mais que identifiquem um descompasso entre o real e os anúncios publicitários, nenhum dos entrevistados desconsidera por inteiro o padrão verificado no discurso publicitário, Antônio, inclusive, mostra-se mais crítico. De modo geral, os informantes sugerem uma negociação. Com devidas ponderações, eles afirmam que gostariam de ser, ao menos, parecidos com os sujeitos representados na publicidade (“Eu não sou burro também de dizer que eu não queria ser parecido. Bonitos e com dinheiro é outra coisa. Mulherada cai em cima”, Antônio). Portanto, há uma adaptação do padrão veiculado como seus interesses pessoais, especialmente, no sentido de não haver aproximações com a feminilidade, o que lhes foi transmitido pelos espaços sociais em que fazem (ou fizeram) parte para a socialização.

Pedro diz que “(...) até gostaria [de ser parecido com o ideal de beleza observado nos anúncios], mas não ia ser cheio de frescura como eles parecem ser (...) eu queria ser mais bonito, ter o dinheiro que eles têm pra comprar mais roupa e tal. E tu vê né, naquela propaganda do desodorante16 ali, olha o mulherão que ele vai pega”. André também ilustra o seu posicionamento a partir de uma publicidade apresentada: “Bah, o Cristiano Ronaldo17

eu queria ser (...). É que é um cara bonitão, tem mais facilidade de ficar com mulher”. Cláudio comenta a questão com base nos anúncios: “Seria bom eu ser mais magro, ter um corpo em dia, até por conta da saúde. Até a Ana [esposa] ia gostar mais. Não é a toa que a mulherada fica caída pelos caras na propaganda”.

Cabe salientar que o desejo em alcançar o padrão proposto pela publicidade está intimamente relacionado à finalidade representada pelo fator beleza: - a conquista feminina (“Quem não queria pegar as mulher que pegam na propaganda? Se o homem é ajeitado ele só vai pegar gostosa”, Elton). O que pode ser explicado, talvez, pela classe popular emergir de

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Link de acesso ao vídeo no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=Ky8bA6duGu4

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um espaço social que ainda não permite expressiva flexibilidade no padrão masculino tradicional, calcado na sexualidade (BOURDIEU, 2010). Esta conclusão deriva do relato de André sobre o caso de um amigo ter adquirido um cosmético, influenciado pela publicidade, passando a ser motivo de piada entre os demais membros do grupo de convivência.

Sendo assim, percebemos a mediação da socialidade, principalmente, através das relações sociais cotidianas, familiares e amigos, que são responsáveis por balizar outras relações, por exemplo, com os anúncios publicitários. A formação familiar e a rede de amigos explicam e justificam a propensão por determinadas ações dos entrevistados no que tange à forma que se relacionam com as transformações no modelo tradicional de masculinidade, sobretudo, questões relacionadas com a aparência física. Tal noção é perpassada também pelo contexto econômico em que se inserem, uma vez que os sujeitos carregam consigo um habitus

de classe que determina os gostos e os estilos de vida (BOURDIEU, 2008), que pouco ou

nada incluem grande preocupação com a beleza.

Ilustramos a situação através de falas dos entrevistados, que demonstram explicitamente o contexto social, entendido também como a socialidade, interferindo no modo com se relacionam com o discurso publicitário: “Eu sou um cara mais das antigas, até por causa de onde eu me criei e nasci (...) eu não sou muito desse negócio de me cuidar” (André), “Meu pai conta que antigamente não tinha tudo essas coisas de roupa e frescuras que tem hoje em dia. Acho que homem é sempre homem, não tem disso” (Pedro), “Eu nunca fui de me ligar muito nisso. Achava que é coisa de mulher. Até porque não tinha muito isso, né?!”(Cláudio), e, “Essa frescurada não existia antes, não tinha homem que ficasse querendo se arrumar, na frente do espelho. Isso era mulher só. E eu ainda acho que é mesmo. Se a gente ficasse falando nisso capaz do meu pai me dar uma tunda de laço” (Antônio).

O posicionamento rígido dos entrevistados, acentuado em Pedro e Antônio, sobretudo, quanto ao excesso de cuidado estético, pode ter origem nas suas bases de formação, mais perceptível no contexto familiar. Entretanto, parece estar ganhando contornos mais flexíveis atualmente. No caso de Pedro, seria pela exigência da esposa e da profissão que exerce que, segundo ele, é preciso ser educado, cortês e estar bem apresentado. De modo semelhante, Elton relata a partir da mediação do trabalho: “Quem trabalha fora tem que tá no mínimo apresentável. Tu não vai andar mal arrumado e sujo. Até se tu for pedir um emprego, isso conta muito”. Já André, por ter saído de uma cidade pequena e com hábitos bastante tradicionais e ter se inserido em um ambiente universitário que, para ele, é um espaço onde se convive com pessoas cultas, educadas e inteligentes, fez com que ele incluísse novos hábitos e interesses, muito mais flexíveis, no seu comportamento.

Cláudio afirma que a sua mudança comportamental começou depois do início do relacionamento com sua esposa, pois, o fato dela estar no ensino superior, frequentando lugares e conversando com pessoas de maior capital cultural, acredita que acabou exercendo influência sobre ele, inclusive, no modo de apresentar-se visualmente diante dos outros. Antônio é quem parece manter uma postura mais tradicional, embora diga que tenha bastante diferença em relação à posição extremamente conservadora do seu pai (“Como te disse, eu não me preocupo muito comigo, isso de se cuidar. Mas, sempre me preocupei com meus piás [dois filhos]. Nunca deixei andar sujo e mal vestido pra sair, nem a minha mulher. [...] eles que são mais novos tem que se cuidar mesmo”).

Esta situação é vista na relação entre o reconhecimento das mudanças sofridas na masculinidade, e retratadas pela publicidade, e os indícios (ainda tímidos) de flexibilidade no comportamento dos pesquisados em relação à beleza. O único ponto na discussão que parece continuar incontestável, mesmo com os cuidados com a aparência, é a ideia de que esta ação não pode (ou não deve) atingir a orientação sexual do homem ou ter algum tipo de aproximação com o universo feminino. “Hoje em dia o homem tá menos grosso, eu vejo pelo meu pai. Eu não sou tanto como ele (...) mas, tirando isso, o homem continua o mesmo, gostando de mulher” (Pedro), “(...) parece que o homem tá mais educado, o homem tá mais sensível (...) foi mais esta rusticidade, o que, no interior, ainda tem muito isso” (André), “Um pouco é por causa do trabalho, da mulher, sei lá. É diferente, te cobram mais isso e no final das contas tu te sente melhor” (Cláudio).

Mesmo com uma série de questionamentos levantados pelos informantes, ainda assim, a publicidade serve-lhes de referência na trama da vida social. Ora são mais resistentes, ora apropriam-se das representações sobre a beleza masculina. Embora haja críticas ao padrão de beleza recorrente na publicidade (“[...] é forçado bastante, por tudo se resolve rápido ali”, Pedro; “Eu tô longe daquilo. Não tem como comparar”, Antônio), não o desconsideram, pois a comparação sempre parte do ideal promovido pela mídia. André reitera a ideia afirmando que o padrão “é aceitável”, já Elton diz que é algo “(...) que as pessoas buscam se aproximar”. De forma mais crítica, assim como Antônio, Pedro complementa: “Acho difícil. Mas, é claro que o cara melhora, fica até mais bonito quando se ajeita mais e tal. Só que cada um tem seu jeito, é de um jeito. Então, não tem como mudar muito, tu pode até usar, mas nunca vai ficar igual. É só mesmo para se sentir melhor”, indagando os aparentes resultados (imediatos) alcançados pelos homens presentes nos anúncios. Na verdade, o que se observa é a existência do desejo em seguir o modelo representado, entretanto, balizado pela socialidade. Assim, interferindo diretamente nos modos de ler os anúncios (ritualidade), especialmente,

através das questões relativas à classe dos entrevistados. O discurso publicitário sobre a beleza masculina, ainda que com todo o recurso de persuasão, tem atuação limitada entre as classes populares.

Sobre o processo de espelhamento, alguns dos informantes acreditam que há possibilidades de serem parecidos com o ideal de beleza: “(...) até nem digo que não pode ser ou que os homem não querem ser assim, mas é que não é tão simples assim” (Pedro), “Não é comum, mas pode conseguir” (André), ou ainda, “Não vou dizer que é impossível. É complicado, cada um é de um tipo”, diz Cláudio. Ao mesmo tempo, também, reconhecem que existem outras variáveis em jogo que os condicionam, por exemplo, as questões física e econômica, isto é, ocorre uma negociação com o discurso publicitário mediado pela socialidade (“Todo mundo queria, né. Nem ser eles, ser eu mesmo, mas com mais condições de me cuidar [...] todo mundo quer ter um corpo legal, ser bonito, mas tem que ter tempo e dinheiro”, Pedro). Neste sentido, Antônio fala que esta aproximação é quase sempre inviável para muitos homens devido a fatores físicos, financeiros e de idade. É o que acrescenta Elton: “(...) ser tu for feio, não adianta tu usar a melhor roupa ou passar um creme. Tu pode até ficar