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2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2.3. O design das cidades

2.3.3. A calçada à portuguesa em Portugal

Além do dimensionamento do passeio pedonal, há outras questões a serem consideradas quanto a qualidade do passeio e o favorecimento à mobilidade do peão, como por exemplo a preocupação com os materiais empregados nesses ambientes. A escolha errada ou a má aplicação de um determinado tipo de material, pode agravar situações de risco para o peão e impedir o livre acesso de todos, ou então desincentivar a permanência e a utilização de uma determinada zona como livre escolha de um percurso para se caminhar.

30 A pavimentação tem papel importante no conforto do pedestre e ao convite à caminhada. Tendo em vista a sua influência na qualidade do passeio, é importante atentar-se aos materiais escolhidos para serem utilizados nos percursos pedonais. Em um mundo onde há o crescente aumento de transeuntes idosos e com mobilidade reduzida pelas cidades, a necessidade contemporânea exige que os materiais escolhidos tenham superfícies niveladas, regulares, firmes, antiderrapantes e que não provoquem trepidação (GEHL, 2014 e Brasil Acessível, 2006).

Determinados materiais são versáteis para a produção exclusiva, possuem diversas combinações de desenhos que podem ser visualmente interessantes e atrativos, como é o caso da calçada à portuguesa. Paralelepípedos tradicionais e cacos de pedra de ardósia natural tem muita personalidade (GEHL,2014), porém exigem que a mão de obra seja qualificada e especializada nessa tipologia de piso, caso contrário, o pavimento pode se tornar irregular e provocar a trepidação durante a circulação de equipamentos de auxílio à mobilidade, ou ainda provocar o tropeçar de uma pessoa idosa. Muitos materiais, como as pedras, devem ser evitados na escolha para a pavimentação de uma via, não somente pela sua superfície individual, como também pela dificuldade de assentamento e probabilidade de irregularidade.

Em diversos espaços públicos que necessitam de remodelação urbana, é possível encontrar valores estéticos e históricos que são pertinentes de serem preservados. Um desses valores encontrados comumente nas cidades portuguesas, especialmente em Lisboa, Porto, Coimbra e em Ponta Delgada, é a calçada à portuguesa, geradora de polêmica quanto a sua aplicação, porém é também motivo de orgulho e admiração entre os portugueses (PESSEGUEIRO, 2014). A questão viva e pertinente a presente dissertação, é a polêmica envolvida e gerada entre valor histórico versus a funcionalidade da permanência dessa tipologia de piso. Em quais situações de remodelação urbana ela deve ser mantida, e em quais situações deve ser substituída por um piso que atenda às necessidades atuais? Existe conflito entre optar pelas tipologias históricas ou a acessibilidade e conforto em zonas pedonais?

A calçada à portuguesa consiste em basicamente em cubos de calcário e basalto assentes em camadas de areia e cimento, talhados para encaixarem-se entre si, a partir de um rigor de execução. Esse pavimento, que tem como característica a versatilidade de desenhos e a inegável qualidade artesanal, era inicialmente feito por calceteiros especializados na arte do assento, que com o passar dos anos foram desaparecendo ou emigrando. Ao longo do tempo e com o aumento da demanda, esses profissionais foram sendo substituídos por outros com inferior conhecimento técnico sobre o procedimento (PESSEGUEIRO, 2014).

31 Segundo uma pesquisa realizada para o Plano de Acessibilidade de Lisboa (2013), sobre as vias públicas, o revestimento de cubos de vidraço nos passeios como calçada generalizou-se ao longo do século XX em Lisboa. Inicialmente esse tipo de calçamento, que era limitado a espaços de referência como a Praça de Dom Pedro IV, Rossio, e a Avenida da Liberdade, espalhou-se por toda a capital e tornou-se uma imagem de referência da cidade. Porém, segundo os técnicos responsáveis pelo Plano, essa padronagem dos passeios é enganadora e tem efeitos perversos. A manutenção desse tipo de calçamento é dispendiosa no ponto de vista econômico e temporal, portanto é importante lembrar que é indispensável circunscrever intervenções de manutenção apenas ao que realmente deve ser mantido, zonas que apresentam significativo valor histórico e patrimonial, tendo em conta que tais zonas, assim como no patrimônio histórico edificado, o primeiro passo de salvaguarda é a identificação, a distinção e a delimitação da área.

Em pontos de salvaguarda deve-se ter em conta que esse tipo de piso, apesar de ser agradável visualmente, ainda não atingi as características esperadas e adequadas para a população mais vulnerável, portanto em sítios onde o carácter das velhas pedras irregulares deve ser mantido, pode- se acrescentar faixas de granito liso para permitir a circulação segura e confortável não só de idosos, como também de pessoas com mobilidade reduzida, carrinhos de bebê, crianças pequenas e mulheres de saltos altos, intervenção essa, compatível com as premissas do Desenho Universal. Essa combinação do pavimento antigo com o novo, é utilizado em várias cidades e pode ser uma solução elegante e funcional aos espaços públicos, ao mesmo tempo que preserva as características históricas (GEHL, 2014).

Não há dúvidas de que a verdadeira calçada à portuguesa tem imensa capacidade artística e qualidade, porém o pavimento que hoje se constrói, devido a generalização do tipo de piso, perdeu a qualidade e tornou-se caro quando aplicado da maneira correta. Nesses termos, deve-se defender que a calçada à portuguesa bem executada no âmbito de projetos de criação e reconstrução de pavimentos, é uma pretensão simpática em teoria, porém pouco viável na prática. Assim como descrito pelos técnicos responsáveis pelo Plano de Acessibilidade de Lisboa, “a progressiva degradação da Calçada Artística de Lisboa demonstra-o claramente: ao querer defender-se tudo acaba por não se defender nada” (CML, 2013). Portanto, salvaguardar o patrimônio histórico é essencial, porém se manter “preso” as atividades do passado tendo em conta a gama das possíveis soluções técnicas atuais, é uma posição sem justificativa plausível.

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