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A Capitania do Rio Negro sob a Revolução do Porto

No documento Andre Luiz dos Santos Freitas (páginas 55-60)

CAPÍTULO 1 – O GUANTE SOBRE O RIO NEGRO

1.3. A Capitania do Rio Negro sob a Revolução do Porto

No dia 24 de agosto do ano de 1820, ocorreu, em Portugal, um movimento de caráter liberal, constituído majoritariamente por militares, magistrados e comerciantes. Conhecido como Vintismo ou Revolução do Porto, por ter sido esta a cidade de eclosão das tensões. O movimento defendia e propunha a regeneração política da Nação

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Códice 1.025 da Biblioteca e Arquivo Público do Pará. Manuscrito a lápis número 218, Cf. BARATA (Op. cit., p. 63-64).

ortuguesa95. Dentre outros princípios, constava o retorno de D. João VI à Europa e a elaboração de uma Constituição96.

Os ideais do movimento liberal português alcançaram proporções d’além mar e encontraram abrigo na América portuguesa cujas capitanias, com exceção de Sergipe e Mato Grosso97, enviaram deputados à Lisboa para as discussões e resoluções do novo sistema que se tentava estabelecer na Nação portuguesa, por meio de uma Constituição.

Com a adesão do Estado do Grão-Pará98 e Rio Negro a 1º de janeiro de 1821, os grupos político-econômicos dominantes ali estabelecidos, segundo seus interesses, mostraram-se favoráveis ou contrários ao Vintismo com seus possíveis desdobramentos. Não tardaram em querer implantar ou refutar os ideais liberais. Com isso, os antagonismos latentes submergiram como assinala o historiador André Machado.

[...] no exercício do comando das armas o brigadeiro José Maria de Moura foi um dos principais obstáculos à realização do projeto político dos constitucionais, pois

estava alinhado a uma facção da elite paraense, denominada por alguns historiadores como ‘partido absolutista’, que pretendia manter os laços com Lisboa, mas era contrária às novas idéias identificadas como a fonte de instabilidade social e política que tomava conta da província. Na verdade, a resistência à implementação do projeto vintista tinha muitas faces: para Moura a pretensão de estender à América certas liberdades políticas vigentes no Reino europeu era uma ameaça à manutenção da unidade da nação portuguesa99. (grifos meus)

Machado explica que José Alves de Souza Jr. dividiu as elites do Pará em três grupos principais: a dos ‘funcionários negociantes’ que era o grupo mais poderoso, composta em sua maioria por muitos portugueses do Reino, que conquistaram altos cargos no aparelho burocrático, sendo ao mesmo tempo negociantes muito poderosos e proprietários de fazendas. Conforme o historiador, essa concentração do poder

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A nação portuguesa era entendida, nesse momento, como um corpo político constituído entre as distintas possessões lusas em ambas as partes do globo terrestre. Vide JANCSÓ, Istvan e PIMENTA, Paulo G. Peças de um mosaico (ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade nacional

brasileira), onde os autores esclarecem com pormenores as diferenças existentes entre Pátria, País e

Nação. In: MOTA (2000, p. 130).

96

Com base nas informações contidas nos esclarecimentos de Pereira das Neves, cf. VAINFAS, Ronaldo e Lúcia Bastos Pereira das Neves. Dicionário do Brasil Joanino (1808-1821). Rio de Janeiro: Objetiva,

2008, p. 391.

97

Segundo NOGUEIRA, Octaciano, e FIRMO, João Sereno. Parlamentares do Império. (Obra

Comemorativa do Sesquicentenário da Instituição Parlamentar). Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1973 (p. 519 e 573).

98

RAIOL, Domingos Antonio. Motins Políticos ou História dos Principais Acontecimentos Políticos da

Província do Pará desde o ano de 1821 até 1835. Pará: s.n., 1970, p. 14-15. Vol. 1. Tomos I e II. Revolução do Porto. In: VAINFAS, Ronaldo; NEVES, Lúcia Bastos Pereira das (Orgs.). Dicionário do

Brasil Joanino (1808-1821). Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p. 392.

99

MACHADO, André R. de Arruda. As Esquadras Imaginárias. No extremo norte, episódios do

longo processo de independência do Brasil. In: JANCSÓ, Istvan (Org.). Independência: História e Historiografia. São Paulo: Editora HUCITEC, 2005, p. 325-6.

econômico e político, tinha suas bases no período pombalino e na laicização das fortunas dos jesuítas, após a exclusão da Ordem da capitania. A seguir vinham aqueles com menos poder econômico e político, mas que também constituíam a elite econômica como outros proprietários de terra que se dedicavam à agricultura de exportação, subsistência e à pecuária. Descendiam de antigos colonos, que dependiam do grupo de ‘funcionários-negociantes’, que viabilizavam seus empreendimentos por meio do financiamento e da comercialização da produção. Por fim, nos inícios do século XIX, havia ainda aqueles com fortunas mais recentes, algumas delas multiplicadas pelos negócios que se abriam com a invasão de Caiena100.

As divergências internas revelam as complexas relações desses grupos da elite colonial paraense. Revelam também que as relações entre o Estado do Grão-Pará e Rio Negro e a metrópole eram muito mais estreitas do que com o Estado do Brasil. Entretanto, para o Rio Negro101, desse novo contexto do Vintismo, poderia surgir a possibilidade de ser desvinculado politicamente do Pará.

Arthur Reis afirma que, por ter se negado a aderir a Constituição portuguesa, o então governador do Rio Negro, Joaquim do Paço, foi deposto pela tropa do Lugar da Barra em 1.º de março. Foi então eleita uma Junta de Governo102 para administrar a capitania.

Conhecedora dos acontecimentos ocorridos no Lugar da Barra (atual Manaus), a Junta Governativa de Belém se recusou a reconhecer a Junta de Governo do Rio Negro. Talvez pelos mesmos motivos que ampararam a negativa do Governador Vila Flor às pretenções autonomistas em 1819 e ainda, por manter uma postura política de superioridade administrativa. Diante dessa primeira negativa, o Rio Negro constituiu outra Junta Governativa, desta vez com a aquiescência da Junta do Pará.

Palma Muniz103 afirma que, no interior da Capitania Geral do Pará a morosidade se fez reinante, aliada ao desprezo para com as mudanças ocorridas na capital, Belém.

100

Segundo Machado, André Roberto de A. As Esquadras Imaginárias. No Extremo Norte, Episódios do Longo Processo de Independência do Brasil. In: JANCSÓ, Istvan (Org.). Independência: História e

Historiografia. São Paulo: Editora HUCITEC, 2005, p. 325.

101

Consta que no dia 4 de janeiro de 1821, a Junta Governativa da Capitania do Pará enviou ofício circular ao governador do Rio Negro e a todas as Câmaras do interior do Grão-Pará. Cf. MUNIZ, João de Palma. Adesão do Grão-Pará à Independência e outros ensaios. Conselho Estadual de Cultura: Coleção “História do Pará”, Série Barão de Guajará. Reedição da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Pará – Ano VI – Vol. IV. 1922, p. 54.

102

Cf. REIS (1967, p. 74).

103

Tal assertiva não levou em conta as distâncias amazônicas entre as localidades104 e a consequente morosidade nas comunicações que delongavam a tomada de decisões por conta da absoluta falta de informações sobre possíveis fatos e ocorrências políticas105. É bem provável que Muniz (Op. cit. p. 66) tenha se deixado envolver pelas palavras da Junta de Governo do Pará que, em correspondência à Câmara Municipal de Belém, em 31 de janeiro de 1821, se refere à falta de manifestação das Câmaras municipais, quanto ao novo sistema constitucional português106.

Conforme Reis, a deposição do então governador Joaquim do Paço, pela tropa do Lugar da Barra, a 1.º de março de 1821, ocorreu por ter se negado a aderir à Constituição portuguesa ou por se mostrar indeciso (sic)107. A pressa parece ter sido mais companheira da Junta de Governo do Pará do que o reconhecimento de uma realidade conhecida: as distâncias que separavam Belém das demais localidades do vasto território amazônico. Ou, sob outra perspectiva, pode ter sido artimanha política das autoridades de Belém para revelar o Rio Negro como não aliado de Portugal.

Se as autoridades de Belém enviaram o coronel Joaquim José Gusmão para “por ordem” e desfazer a Junta do Rio Negro – organizando-se nova Junta composta pelo Ouvidor Domingos Nunes Ramos Ferreira, João da Silva e Cunha, e o próprio Gusmão108 – é porque obtiveram notícias da adesão do Rio Negro, em tempo relativamente hábil. Além do mais, Manoel Joaquim do Paço, não havia sido deposto por não ter aderido as Cortes? Há de se refletir sobre quais teriam sido as motivações da Junta de Governo do Pará em anular a primeira Junta de Governo do Rio Negro.

Há de se aventar a hipótese de que, apesar de já ter proclamado sua fidelidade ao sistema constitucional109, até esse momento, a Junta do Pará não tinha conhecimento das normas e balizas legais para a realização das eleições às Cortes. Vejamos o que disse Palma Muniz, sobre a proclamação do Grão-Pará à nova ordem, em Belém.

104

Dos municípios existentes à época, Santarém, mais próxima do Rio Negro, a 31 de janeiro de 1821 aderiu ao sistema constitucionalista, segundo MUNIZ (op. cit., p. 60).

105

A morosidade da comunicação na Amazônia, por sua extensão, dificuldades de acesso e parcos meios, sobrevivem aos dias atuais em várias áreas de seu território.

106

Cf. as palavras do autor: “Tendo esta Junta participado às diferentes autoridades desta Comarca, da de Marajó, e às da Capitania do Rio Negro o sucesso do dia memorável do corrente mês, não tendo recebido respostas que nos assegurem da sua adesão aos nossos sentimentos, [..]”.

107

REIS (1989, p. 153); REIS In: HOLANDA (1967, p. 74), O Processo de Emancipação do Amazonas.

Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 206, jan/mar 1950 (p. 159).

108 REIS (1989, p. 153). 109

MUNIZ, João de Palma. Adesão do Grão-Pará à Independência e outros ensaios. Conselho Estadual de Cultura: Coleção “História do Pará”, Série Barão de Guajará. Reedição da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Pará – Ano VI – Vol. IV, 1922, p. 41.

Consumados esses fatos, são convocados ao Palácio do Governo os membros do Senado da Câmara, o vigário capitular Romualdo Antônio Seixas e outras pessoas gradas, a fim de proceder à eleição de novo governo para a Província.

Correu tumultuariamente esse ato eleitoral, sem obediência a dispositivo algum que o regulasse, havendo sido mais uma aclamação de pessoas indicadas do

que uma eleição propriamente dita.

[...] Com todos os atropelos naturais em momentos de tal ordem, ficaram escolhidos para a Junta Governativa [...]110. (grifos meus)

Há também um revelador trecho da missiva de Felipe Alberto Patroni Martins Maciel Parente111, enviada a Câmara de Belém em 24 de janeiro de 1821, quanto à ausência de diretrizes legais para basear a escolha dos novos governantes. Assim, disse Patroni: “Por ora não se pode observar o que na Constituição de Espanha se acha prescrito sobre as eleições dos representantes [...]”112 O temor se justificava pelos ânimos ansiosos por liberdade. Portanto, a recusa da Junta de Belém em reconhecer a 1.ª Junta do Rio Negro parece não ter sido fundamentada em bases legais.

Arthur Reis não se posiciona sobre os possíveis motivos que levaram a Junta de Belém a aceitar a 2ª Junta Governativa nomeada para o Rio Negro. A hipótese que aqui se levanta é a de que o governo paraense soube tirar proveito da situação para se manter no controle da capitania, lançando mão de um subterfúgio “legal”, que teremos a oportunidade de verificar mais adiante.

Em Belém, Felipe Patroni mostrou-se inquieto quanto à representação de sua capitania em Lisboa. Considerou a Junta Governativa morosa em relação à eleição de um representante, por isso, enviou correspondência à Câmara Municipal de Belém com o intuito de lhes mostrar a urgência da causa113. Esta, por sua vez, contatou a Junta Governativa lhe enviando a carta de Patroni, a fim de que a mesma decidisse sobre o assunto. Mesmo ciosa de suas atribuições, aparentemente não sem apreensão, a Junta de Belém enviou a Lisboa o bacharel Felipe Patroni, como procurador pelo Pará, no dia 5

110

Idem, idem.

111

Nasceu em Belém no ano de 1794, vindo a falecer em Lisboa a 15 de julho de 1866. Filho do proprietário Manoel Joaquim da Silva Martins. Recebeu o sobrenome Patroni de origem italiana como homenagem a seu padrinho que era oficial da marinha. Concluiu seus estudos primários em Belém, terminando o secundário em Portugal onde ingressou na faculdade de Coimbra no ano de 1816. A divulgação da notícia da Revolução Constitucionalista em Portugal, no Pará, foi atribuída a Patroni, inclusive por Palma Muniz (op. cit., p. 95). Entretanto, antes da chegada deste a Belém, já se tinha notícia da Revolução do Porto. In: BARATA (1975, p. 67, 68, 73-5).

112

A Constituição portuguesa teve por base a da Espanha, Cf. PARENTE, Felipe Alberto Patroni Martins Maciel. In: MUNIZ, João de Palma. Adesão do Grão-Pará à Independência e outros ensaios. Conselho Estadual de Cultura: Coleção “História do Pará”, Série Barão de Guajará. Reedição da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Pará – Ano VI – Vol. IV, 1922, p. 64.

113

MUNIZ, João de Palma. Adesão do Grão-Pará à Independência e outros ensaios. Conselho Estadual de Cultura: Coleção “História do Pará”, Série Barão de Guajará. Reedição da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Pará – Ano VI – Vol. IV, 1922, p.63-5.

de fevereiro de 1821, conforme o documento de sua nomeação114. Neste mesmo documento, a Junta Governativa do Pará informava dos motivos de não ter realizado as eleições para deputado.

O Senado da Câmara desta cidade exigiu desta Junta Provisória do Governo, que fosse nomeado um deputado para unir-se às Cortes desse Reino, e representar nelas o que conviesse aos interesses desta Província; como porém esta Junta julgou que uma tal nomeação só podia ter lugar, guardadas as formas e instruções nesse Reino adotadas, para que o deputado pudesse obrar legalmente, e não sendo ainda possível proceder a uma eleição legítima, eis a razão por que não concordou com a opinião e

requisição do Senado.

Esta Junta desejando contudo adiantar o que for possível a benefício da causa da nossa regeneração política, julgou conveniente encarregar a Filipe Alberto Patroni Martins Maciel Parente, para que, passando à Corte, possa suplicar a V. Exas. Quanto for compatível com as circunstâncias desta Província, que por tantos

títulos deseja que se estreitem cada vez mais os laços, que sempre nos têm unido115.

E assim partiu Patroni, de Belém, apresentando-se às Cortes no dia 31 de março de 1821116, juntamente com Domingos Simões da Cunha, como representantes da Capitania do Pará. Observe-se a cronologia. Enquanto o Rio Negro ainda estava às voltas com a nomeação de uma 2ª Junta – visto que a 1ª não foi reconhecida pelo Pará – a Capitania Geral já se fazia representar em Portugal.

No documento Andre Luiz dos Santos Freitas (páginas 55-60)