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Quando o desamparo não restringe a ação

No documento Andre Luiz dos Santos Freitas (páginas 122-135)

CAPÍTULO 2 AS RELAÇÕES DE PODER NO IMPÉRIO DO BRASIL:

2.3. Quando o desamparo não restringe a ação

Presidia a Província do Pará, José Joaquim Machado de Oliveira, que havia tomado posse em 27 de fevereiro de 1832, indicado pela Regência. Em seu discurso de posse, em Belém, Machado de Oliveira intentava chamar os paraenses à ordem social intercalando parâmetros aliados a Lei. Chama a atenção em particular esta parte de seu discurso:

As instituições livres só podem existir e medrar no império da lei e no regime, que exclui o arbítrio; e é perdida a sociedade que deixa de firmar nesta sólida base a sua existência política. A lei é o único fanal, que pode guiar um povo livre e colocá-lo

na atitude mais propícia a que pode êle chegar: nela o único princípio de ação e movimento, que deve regular a conduta dos associados: sem o saudável jogo da lei, a liberdade não é senão um insano delírio, um frenesi que rompe em excessos, que torna oscilante e derriba o edifício social. Atos arbitrários, princípios emanados da prepotência e do espírito violento; agressões feitas ao sistema abraçado, à ordem provinda de origem legal, ao público sossego, à moral e aos costumes não se compadecem com o caráter, com a dignidade de um povo brioso que, desfazendo tão

nobremente as barreiras do despotismo, tem franqueado o passo na carreira da honra e da liberdade mensurada pelo padrão da razão e da justiça273. (grifos meus)

Guarnecer a lei, excluindo-se a arbitrariedade. Este era o cerne do discurso de Machado de Oliveira. Somente ao respeitá-la, e, portanto cumpri-la, a sociedade poderia seguir seu caminho rumo à prosperidade, e, por isso, solicitava à população o respeito e o seu cumprimento. O presidente era um representante do Governo Central, compreende-se que seu discurso alinhava-se às pretensões da Regência.

Observa-se que Machado de Oliveira invoca o respeito às leis, porém, os próprios representantes da lei, que deviam resguardá-la, feriam-na. Já os que objetivaram a autonomia do Rio Negro, como Ignácio Guilherme da Costa, Joaquim de Santa Luzia e José dos Santos Inocentes, João da Silva e Cunha, Gregório da Silva Craveiro, o Tte. Boaventura Ferreira Bentes, além do Ouvidor Manoel Bernardino de Souza Figueiredo, propugnavam o cumprimento das leis do Império, principalmente da Constituição, que garantia ao Rio Negro o direito a um presidente de província.

Em 12 de abril de 1832, ocorreu um levante das tropas do Rio Negro, no Lugar da Barra. Segundo consta dos documentos compulsados, a causa da revolta foi o atraso nos soldos da guarnição274, incentivada ainda pelos contatos que as tropas tiveram com

273

José Joaquim Machado de Oliveira IN: RAIOL, Domingos Antônio, Op. cit, 1970. p. 261.

274

REIS, Arthur Cezar Ferreira, 1965. Op. cit, p. 35; Jornal Correio do Amazonas de 26 de maio de 1832, n.º 60 In: RAIOL, Domingos Antônio, 1970 Op. cit, p. 240-256.

presos políticos oriundos de Belém que passaram pela região anteriormente por ocasião de seu recolhimento à fortificação de São João do Crato.

A região vivia em constante tensão. O cônego Batista Campos, um dos presos políticos que deveria ter seguido para o presídio do Crato, conseguiu escapar e fez diversas viagens pelo interior, arrebanhando adeptos e fazendo com que algumas localidades o reconhecessem como vice-presidente da Província do Pará275. Domingos Raiol afirma que o Alto Amazonas manteve um posicionamento neutro no reconhecimento do Cônego Batista Campos como vice-presidente, pois, segundo o autor: “Os povos desta parte da província estavam por demais cansados de sofrer o arbítrio tanto dos partidos como do governo, e julgaram mais prudente conservarem-se meros espectadores das ocorrências que se davam no Baixo-Amazonas276

”.

Ao que tudo indica, a movimentação no Rio Negro, possuía características próprias. O movimento encabeçado pelo soldado Joaquim Pedro da Silva não encontrou nenhuma resistência por parte da população da Barra do Rio Negro. Apoderaram-se dos armamentos e tomaram o Lugar da Barra. Como desdobramento do movimento, o comandante militar, coronel Joaquim Felipe dos Reis, foi morto277. Segundo informação do jornal Correio do Amazonas278, a rebelião foi realizada pelas tropas de 1.ª e 2.ª linhas. Portanto, se a estrutura vigente das forças militares vinha se mantendo tal qual a apresentada por Palma Muniz “na Província do Grão-Pará”, para o ano de 1821, a rebelião não contou com a participação de índios, ou até mesmo de mestiços. A participação de índios nas tropas era permitida somente na terceira classe279. Isso pode ser um indício de que o interesse nessas articulações autonomistas, possivelmente, não contava com a credibilidade desses sujeitos para que dele participassem.

Ainda segundo o texto do Jornal Correio do Amazonas, no dia seguinte ao da eclosão, 13 de abril, os amotinados, afirmaram tratar-se de um movimento causado pela falta de pagamento de seus soldos. O Cel. Francisco Ricardo Zani, com o auxílio do tenente Boaventura Ferreira Bentes, conseguiu manter o diálogo com a tropa, encontrando no cofre da Provedoria da Fazenda a quantia de 1:040$000 réis, que a tropa dividiu entre si.

275

Idem, idem.

276 RAIOL, Domingos Antônio, 1970 Op. cit, p. 249-250. 277

Idem, p. 256.

278

Ibidem, ibidem

279

Contudo, isso não bastou para que a tropa retornasse às suas respectivas hierarquias e a “ordem” voltasse ao Lugar da Barra. Não fosse a intervenção de Ferreira Bentes, o coronel Zany teria sido mais uma vítima fatal da ira de um soldado.

Mesmo que os soldados tenham buscado mantimentos nos armazéns, o texto jornalístico não os acusa de facínoras, chegando mesmo a dizer: “não nos consta porém, que tenham roubado ou saqueado os moradores280”. Afirmavam que o Ouvidor, Manuel Bernardino de Sousa Figueiredo e o juiz de paz não conseguiram por termo a situação revoltosa por coação dos amotinados e cerceamento à liberdade dos moradores281.

O ato de insubordinação das tropas, ao que parece, realmente estava ligado às suas demandas mais imediatas, talvez, sem a conotação política relacionada diretamente a autonomia do Rio Negro, no que se correlaciona a sua então situação de subalternidade. A motivação principal era econômica. Mesmo que não houvesse rendas suficientes para o pagamento total dos soldos das tropas, ao menos para suas necessidades imediatas, parecia ter. E se não havia, ao que tudo indica, é que não lhes era de forma alguma dada satisfação acerca das pendências de seus pagamentos.

Arthur Reis (1965:61) afirma que algumas mentes pensaram ser propícia aquela realidade para reaver e sustentar a condição de província, perdida em anos anteriores, ainda que não embasada em nenhuma Lei, buscando assim, uma possível negociação para a concretização desse objetivo. Foram seus articuladores, o maranhense Ignácio Guilherme da Costa, e os carmelitas paraenses, Joaquim de Santa Luzia e José dos Santos Inocentes. Em aliança a esses três, uniram-se João da Silva e Cunha, Gregório da Silva Craveiro e o Tte. Boaventura Ferreira Bentes282.

Mesmo assim, foram necessários mais de dois meses para por em prática tal projeto. No dia 22 de junho se reuniram em Conselho, presidido por João da Silva e Cunha e secretariado por Gregório da Silva Craveiro, e deliberaram sobre as providências a serem acordadas. Na reunião decidiu-se proclamar a Província do Rio Negro, tendo por presidente o então ouvidor Manuel Bernardino, a contragosto – o que é explicitado no próprio documento –, como comandante das armas, o Tte. Boaventura Ferreira Bentes, e, como procurador do Conselho, o frei carmelita José dos Inocentes283.

280

RAIOL, Domingos Antônio, 1970. Op. cit, p. 257.

281 Idem, idem 282

REIS, Arthur Cezar Ferreira, 1965. Op. cit, p. 51.

283

O Conselho esboçou em Ata do mesmo dia suas considerações sobre as motivações que os encaminharam a agir de tal forma. Em um tom severo de críticas ao governo da Província do Pará, seus signatários demonstravam o quanto as relações entre o Rio Negro e as autoridades daquela província não se coadunavam.

Expunham de contundente (tomando partido dos autonomistas) o que consideravam ser abandono por parte daquelas autoridades para com a população do Rio Negro, bem como a negligência com que eram administrados. Atos despóticos também foram invocados como resultado das resoluções ali promovidas. Assim, denominaram procurador pelo Rio Negro, frei José dos Inocentes a entregá-la à Corte.

Eis o conteúdo da Ata do Conselho extraordinário do Rio Negro.

Aos vinte e dois dias do mês de junho do ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e trinta e dois, reunidos em conselho extraordinário tôdas as autoridades e homens bons, povo e tropa, aí se nomeou por aclamação para presidente do conselho extraordinário o Sr. João da Silva e Cunha, o secretário Gregório da Silva Craveiro, e sendo por estes perguntado o motivo que os obrigara a tal passo, responderam unânimemente que os acontecimentos que há longos anos têm sucedido nesta província com dano irreparável de sua população e comércio pelo modo arbitrário e despótico com que o governo do Pará sempre tratou esta considerável parte do solo brasileiro, e que contém em si um manancial de riquezas desprezadas pela incúria daquele mesmo governo que sempre trabalha por aniquilar esta outrora província, já arrancando seus filhos, já menoscabando suas requisições acerca de suas economias peculiares, parecendo que esta porção de súditos de S.M.I. está votada ao desprezo, tratando-se só de subjugar, tiranizar este povo humilde e obediente, enviando-se-lhe perversas e despóticas autoridades, que servindo-se da força armada tiranizavam o povo, sem se lembrarem porém da utilidade que poderia tirar de um país onde a natureza apresenta aos olhos do homem tudo quanto é grande e rico, e outros muitos fatos praticados por aquele governo em dano deste país,

resolveu portanto - 1.º) que a comarca do Rio Negro ficasse desligada da província do Pará e seu governo, estreitando porém seus laços na importação e exportação de seu comércio. - 2.º) que se elegesse um governo temporário, e secretário para dar direção aos negócios civis e políticos da comarca, prestando o juramento nas mãos da câmara municipal, de bem cumprir, guardar os seus cargos, recebendo por isso o ordenado da fazenda nacional. - 3.º) que se estabelecessem duas alfândegas ou uma em os pontos que melhor conviessem para impedir os extravios dos direitos nacionais, e arrecadação dos dízimos que de ora em diante deverão ser pagos à boca do cofre desta província. - 4.º) que se nomeasse temporariamente um comandante militar, o qual teria a seu cuidado o regime da força armada, vencendo o soldo da sua patente e gratificação do costume. - 5.º) que se submetesse este passo à decisão da assembléia geral legislativa, e sabedoria da regência do império, a cujas decisões se submetem o mesmo conselho a habitantes desta comarca. - 6.º) que quanto antes se enviasse um procurador com plenos poderes para na corte do império tratar destes negócios. Depois de se assentar todo o expendido foram eleitos por aclamação unânime para presidente temporário o Dr. Manuel Bernardino, que, expressando-se com muito clara e inteligível voz à assembléia, disse que julgava estar ilegal o que pretendiam fazer, e que ele não podia receber o cargo de presidente, por ser incompatível com as suas funções de ouvidor, e estar já mesmo despachado pela corte do império para ouvidor geral da cidade do Pará, ao que o povo apinhado, em altas e descompassadas vozes gritou que não admitia desculpas, e o que a uma voz tinham deliberado se devia cumprir, e respondendo-lhe o mesmo Dr. que ele protestava sobre tal deliberação, a que a segunda vez lhe torna o povo a responder, que ele em massa responderia por ele à corte do império pelo seu representante Frei José dos Inocentes, o que ouvido pelo mencionado ouvidor, aceitou o cargo de presidente, pedindo que se lavrasse isto

mesmo na ata. - E desta forma se deu por finda a sessão do conselho, que vai por todos assinada. E eu Gregório da Silva Craveiro - seguem-se 75 assinaturas e mais 53 que não sabem escrever; e assinou seu procurador Frei José dos Inocentes - e a rôgo da tropa de guarnição assinou o tenente comandante militar interino, Boaventura Ferreira Bentes. - Barra do Rio Negro, 22 de junho de 1832. - Está conforme. - O secretário do conselho, Gregório da Silva Craveiro284. (grifos meus)

Segundo o documento, assinado por 128 indivíduos, dos quais 53 não sabiam escrever285, apoiavam e ansiavam pela autonomia do Rio Negro, para poder geri-lo circunscritos às leis do país. Em nenhum momento, percebe-se o desejo contrário ao regime monárquico. O conteúdo da Ata sugere desentendimentos, rusgas com o governo regional ao qual o Rio Negro esteve subjugado, “liberto” e remetido à condição de subalternidade sem nenhuma compensação ou esclarecimento à sua população.

O documento indica os motivos da despovoação do lugar, devido ao desleixo do governo paraense “[...] pela incúria daquele mesmo governo que sempre trabalha por aniquilar esta outrora província, já arrancando seus filhos, já menoscabando suas requisições acerca de suas economias peculiares [...]”.

Araújo e Amazonas (1852:157) diz que, mesmo a contragosto, o Ouvidor do Rio Negro, aclamado presidente da província, a partir de sua proclamação a 22 de junho, “deu-se todavia ao espetáculo de percorrer as ruas mais públicas do Lugar da Barra debaixo de um paleo286”. Informação confirmada por Loureiro (1978:167)287

. O movimento não obteve, entretanto, a adesão por completo, de imediato. A Vila de Borba manteve-se fiel ao governo de Belém, segundo Loureiro288, para em seguida aderir ao movimento pela autonomia289.

No dia seguinte a proclamação da Província do Rio Negro por aqueles sujeitos sociais, portanto a 23 de junho de 1832, novamente reunido, o Conselho decidiu acautelar-se para as prováveis represálias do governo paraense e decidiu-se guarnecer o território posicionando no Lugar da Barra e suas imediações 30 canhões e 1.000 homens290.

Conhecedor dos acontecimentos na Barra do Rio Negro, Machado de Oliveira, a 5 de maio, enviava o Tte. Cel. Domingos Simões da Cunha Baiana a frente de uma

284

In: RAIOL, Domingos Antônio, 1970. Op. cit, p. 258.

285

Idem.

286

AMAZONAS, Lourenço da Silva Araújo e, 1852. Op. cit, p. 157.

287

LOUREIRO, Antonio José Souto, 1978. Op. cit, p. 167.

288

Idem, idem

289 Conforme o secretário de governo da Província do Mato Grosso, Antonio Luiz Patrício da Silva

Manso. In: REIS, Arthur Cezar Ferreira, 1965. Op. cit, p. 75.

290

AMAZONAS, Lourenço da Silva Araújo e, 1852. Op. cit, p. 157; LOUREIRO, Antonio José Souto, 1978. Op. cit, p. 167.

expedição formada por 50 homens do batalhão de caçadores de primeira linha, mais o corpo de artilharia com dois canhões, no paquete Patagônia, para de lá, seguirem na barca Independência, a fim de sufocar o movimento autonomista291.

Há uma controvérsia entre as informações de RAIOL (1970) e Antonio Loureiro (1978). Na fala de Raiol, entende-se que ao chegar em Cametá, localidade onde as forças do Pará encontrariam a barca Independência, seguindo instruções de Machado de Oliveira292, deveriam seguir na barca e não no paquete. Ou seja, iriam ao Lugar da Barra somente com uma embarcação.

Já em Loureiro (1978:167)293 consta que, além do paquete Patagônia e da canhoneira Independência, havia ainda a escuna Andorinha, que deveria ser incorporada em Santarém às duas anteriores para dirigirem-se até a Barra do Rio Negro.

Essas informações se tornam relevantes quando se confronta com o fato de as forças paraenses, com 50 homens, terem dominado as forças locais do Rio Negro, compostas por 1.000 homens e 30 canhões, se consideradas as informações de Araújo e Amazonas (Op. Cit.,1852).

Mesmo que pelas informações de Raiol (1970) se possa depreender que as forças de Belém contavam com mais homens e se for levada em conta algum exagero quanto às forças militares do Rio Negro informadas por Araújo e Amazonas (1852), existiu aí uma logística militar que não possibilitou uma resistência mais intensa das forças do Rio Negro ou a quantidade de sua tropa realmente não correspondia ao número indicado por Araújo e Amazonas.

Contudo, outros fatores podem ter causado o insucesso da resistência rio- negrense. Segundo Reis (1965), ainda que o Tte. Fernandes de Macedo294, comandante da barca Santa Cruz, oriunda de Santarém e composta por 30 praças, tenha aumentado o contingente do Rio Negro, não pôde ajudar-lhes em seus objetivos por ter percebido que não teriam condições de fazer frente às forças enviadas por Machado de Oliveira295. É provável que a causa da derrocada das tropas locais da Barra do Rio Negro tenha sido causada pela incapacidade de priorizar o ataque ao “inimigo” externo, segundo

291

RAIOL, Domingos Antônio, 1970. Op. cit, p. 264. ARAÚJO E AMAZONAS. Op. cit. p. 157.

292

Idem, p. 265.

293

LOUREIRO, Antonio José Souto, 1978. Op. cit, p. 167.

294 Originalmente aliado às forças do Pará, mas adepto das forças rio-negrenses. 295

Domingos Antonio Raiol, em obra citada, também informa deste episódio, com a diferença de afirmar terem sido 33 praças e não 30 sob o comando de Francisco Fernandes Macedo, como dito por Reis. p. 270-1.

depreende-se das palavras de Reis (1965:56), ao se referir às possíveis impressões de Fernandes Macedo.

Este passou-se para os rebeldes, a dar-lhes força, mas os encontrou incapazes de resistência séria. É que indispostos uns com os outros, em ciumadas, disputando-se postos, esquecendo que só unidos poderiam enfrentar o adversário, já lhes faltava ordem e o mesmo espírito patriótico das primeiras horas296. (grifo meu).

E o Rio Negro capitulou mais uma vez ante as forças legalistas. E no dia 10 de agosto de 1832, as forças do Pará tomaram o Lugar da Barra, quatro meses após a eclosão do movimento autonomista. Sobre o desfecho do conflito, Loureiro (1978:168) assim se referiu:

A flotilha bombardeou as posições rebeldes, que responderam ao fogo, quase afundando a canhoneira Independência. A 10 de agosto houve o desembarque e, dois dias depois, os rebeldes rendiam-se. A 14 do mesmo mês o Capitão Hilário Gurjao assumia, pela segunda vez, o Comando Militar da Comarca297.

No dia 14 do mesmo mês, o Tet. Cel. Domingos Simões da Cunha298, ao anunciar uma proclamação do Rio Negro, onde desqualificava os homens que tinham ousado enfrentar a “ordem e a justiça”, mais uma vez apelava para a necessidade do reconhecimento e respeito à legalidade, em cumprimento às leis do Império299. E enquanto aconteciam esses desdobramentos na região, frei José dos Santos Inocentes seguia viagem via rio Madeira, em direção à capital do Império, levando consigo os documentos que davam conta das ocorrências no Rio Negro.

Em mais uma tentativa de tomar a frente de suas deliberações, aqueles homens tentavam se utilizar dos meios disponíveis para a concretização da tão desejada autonomia política. De tal forma, que, não mais esperavam por intermediários de suas petições, mas indo diretamente à Corte a fim de conseguirem realizar a proeza de serem, enfim, ouvidos pelas autoridades do centro do poder político do país.

Keith Jenkins (2009:34), ao discorrer e ponderar sobre a história e o ofício do historiador, nos diz que “[...] graças à possibilidade de ver as coisas em retrospecto,

296

REIS, Arthur Cezar Ferreira, 1965. Op. cit, p. 56.

297

LOUREIRO, Antonio José Souto, 1978. Op. cit, p. 168.

298

Natural da Bahia foi fundador também da imprensa na Amazônia. Participou no ano de 1821 dos acontecimentos que visavam a incorporação da região à Revolução do Porto. Faleceu em 15 de julho de 1855. In: GEA. p. 581-2.

299

RAIOL, Domingos Antônio, 1970. Op. cit, p. 270.

299

nós de certa maneira sabemos mais sobre o passado do que as pessoas que viveram lá”.300

Mas também podemos saber outras coisas sobre este mesmo passado.

É provável que isso ocorra por haver, na atualidade, a possibilidade do contato diferenciado com as fontes produzidas por aqueles agentes históricos, podendo trazer a ideia de que, ao produzirem aqueles documentos, estavam preocupados em registrar e dar conta de suas demandas contemporâneas. Não se preocupavam acerca de seus registros para a posteridade.

A assertiva de Jenkins (2009) possibilitou o encaminhamento sobre a atitude daqueles homens do Rio Negro, naquele contexto histórico. De forma alguma diante do perigo iminente do esfacelamento do Império, as autoridades do Rio de Janeiro, interpretariam como um ato digno de nobreza, como julgou Arthur Reis (1965), mas sim como um ato de afronta, a ambos os governos: ao regional e ao central.

Em meio às ameaças de revoltas e a fragmentação iminente que pairava sobre o Império do Brasil, as autoridades rechaçaram qualquer ato que pudesse indicar

No documento Andre Luiz dos Santos Freitas (páginas 122-135)