• Nenhum resultado encontrado

A categoria juventude interpretada pelos próprios jovens pesquisados

No documento Download/Open (páginas 82-84)

CAPÍTULO III OS JOVENS URBANOS DE UMA PERIFERIA DE APARECIDA DE GOIÂNIA

3.3. A categoria juventude interpretada pelos próprios jovens pesquisados

A partir das narrativas dos jovens, é possível aferir acentuada distinção entre a categoria juventudes e a categoria adulto, a partir do que Roure (2011) critica como “o ideal da autonomia e da independência” (p. 157). Isso se personifica, segundo a autora, na noção de que “um sujeito só será reconhecido como adulto e responsável na medida em que possa se afirmar como independente e autônomo como os adultos dizem que são” (Ibidem). Dessa forma, as expectativas dos jovens se repousam sobre o imaginário do que venha a ser adulto.

A partir dos relatos dos jovens, também é possível arguir que a juventude enquanto tempo de “moratória social”, conforme defende Abramo (2014, p. 14) é questionável, pois, como afirma Camacho (2007), as classes populares não dispõem de tempo nem dinheiro para viver “um período mais ou menos longo com relativa despreocupação e isenção de responsabilidades” (p. 146). Para a autora, os jovens pobres têm muito tempo disponível, e este tempo livre, que deveria ser legítimo, produz “um tempo vazio, sem rumos”, então, “torna-se o não-lugar social” (Idem, p. 148). Para a autora, a moratória social, nas classes populares, se restringe a infância. Contudo, há que se duvidar, inclusive, se na infância marcada pelo pauperismo seria possível vivenciar tal estado de moratória.

Abaixo será descrita parte das entrevistas dos jovens acerca da concepção que eles próprios têm do que vem a ser jovem na atualidade. Para tanto, eles levam em consideração suas próprias trajetórias de vida, suas percepções da própria

condição sociocultural e margeiam impressões expostas pela mídia. Conforme se segue:

Para mim ser jovem é a pessoa ser alegre, ser extrovertida. Para mim ser jovem não tem idade, para mim qualquer um é jovem independente da idade, é isto ai, amar a todos, ser muito feliz, de bem com a vida, para mim ser jovem é isto. Eu me considero jovem porque eu ainda sou novinha, mas apesar de que eu acho que idade não importa, mas pra mim, eu sou jovem. Sou uma pessoa muito espontânea, muito divertida. (Entrevista, Júlia). Eu sou jovem sim (pausa). Ser jovem é... (pausa) muita zueira, bagunça, festa, drogas. Ser jovem hoje é não querer nada com nada, só divertir. Bagunça! (Entrevista, Gilney).

Na percepção da Júlia e Gilney a categoria juventude não tem associação fixa com faixa etária, mas, sim, com a forma de viver e com o trato com as relações sociais. Isto reforça os pressupostos apresentados por Martins (2004) e reitera a categoria juventude como construção social, conforme defende Bourdieu (2003). Entretanto, é válido ponderar que o conceito de juventude apresentado pela jovem é regado de um perceptível romantismo acerca da condição juvenil.

O romantismo presente no discurso de Júlia é, por vezes, endossado pelas produções hollywoodianas que adubam o imaginário juvenil como fase essencialmente de curtição da vida. O exemplo mais palpável disto é o clássico filme de sessão da tarde: “Curtindo a Vida Adoidado” (Ferris Bueller's Day Off, Estados Unidos, 1986, Paramount). Nessa película, pode-se apreender as potencialidades descritas como caraterísticas do ser jovem: rebeldia, diversão, curtição,

irresponsabilidade, namoro, liberdade, musicalidade, independência,

inconsequência, entre outros distintivos.

Neste viés, para Queiroz (2008b), a noção de juventude enquanto “momento preparatório para a vida adulta” (p. 69) traz consigo oportunidades de descomprometimento, tempo livre e despreocupações, como propõe o filme citado. Contudo, para a autora, esses distintivos são peculiares a classes abastadas, que têm condições de custear essa liberdade. Então, estes distintivos não são aplicáveis às classes populares, pois os jovens pobres ingressam prematuramente no mundo do trabalho. Há, ainda, que se ponderar que o tempo livre, nas classes populares, resgata pressupostos simbólicos de vagabundagem (CASTEL, 1998) e criminalidade (TELLES, 2001), forçando os membros dessas classes a estrangularem timidamente qualquer possibilidade de extravasamento juvenil. Isso fica mais claro nos relatos a seguir:

Ser jovem para mim é sair muito, não ter muita responsabilidade, não se preocupar muito, estudar bastante. Porque o jovem tem sempre que estudar. Eu me considero um pouco jovem, não muito porque agora eu tenho responsabilidade em casa, cuidar da minha família, trabalhar bastante. Acho que eu me considero mais adulto do que jovem, porque eu trabalho muito agora, já sustento a minha casa, já pago as minhas contas, então, eu não me considero muito jovem não, me considero mais adulto [...]. (Entrevista, Marcos).

Eu acho que sou jovem. Ser jovem é divertir muito, mas hoje tenho que trabalhar, porque ficar sem dinheiro não dá, mas ai não dá para divertir muito, só no fim de semana. Tenho que trabalhar. (Entrevista, Ricardo).

Conforme a transcrição acima, fica evidente que, para Marcos, a classificação juventude não se aplica por razão de faixa etária, mas, sim, a partir das representações sociais e dos habitus de descomprometimento. Nesse caso, na opinião dele, juventude está associada à liberdade e transitoriedade. Para Marcos e Ricardo o que distingue um jovem de um adulto é a capacidade de assumir responsabilidades, que se desnuda de forma objetiva na inserção deles no mercado de trabalho, ainda que informal, cuidar da família, e nas relações de consumo.

Na concepção desses jovens a condição juvenil se limita e se sufoca a partir da condição de trabalhador. Ao que parece, para esses jovens, a noção de juventude é cercilhada pela inserção deles no mercado de trabalho, furtando-lhes o divertimento, a casualidade, a alegria e o desprendimento. Nesse viés, o tempo de condição juvenil é reduzido por causa do trabalho, por causa das responsabilidades e por causa das expectativas sociais agora depositadas sobre esses jovens-adultos.

No documento Download/Open (páginas 82-84)