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A Revolução Industrial e a ressignificação do pobre

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CAPÍTULO I A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA NATURALIZAÇÃO DO ESTADO DE POBREZA

1.4. A Revolução Industrial e a ressignificação do pobre

A figura do pobre deixa de ser estigma religioso teocêntrico, como era dado na Idade Média, e igualmente supera os limítrofes geográficos impostos pelas Poor

Laws. Desse modo, tanto a igreja quanto o Estado não foram suficientes para

reverter a naturalização da pobreza e suas desigualdades. Pelo contrário, há sinal de que esses dois grupos foram os principais agentes de manutenção e aceitação da naturalização do estado de pobreza, conforme denuncia Rizzini (1997) e Barros (2004). Surge, em seguida, a Revolução Industrial como próximo processo histórico a ressignificar o pobre na sociedade.

A passagem do período pré-Revolução Industrial para a, então, Revolução Industrial (1760-1914), foi um período marcado por mudanças culturais na sociedade, como observa Williams (2011). Dessa forma, as relações sociais foram alteradas e reconfiguradas para os novos padrões de consumo e de trabalho. O pobre, enquanto sujeito social também sofreu alteração simbólica e estrutural. Assim, o cenário sociocultural mudaria drasticamente com a consolidação da Revolução Industrial, que tornou o pobre um ser desconexo com a sociedade local, desprovido de legitimação social e desmoralizado culturalmente.

A forma de interagir com o pobre, de percebê-lo em seus espaços sociais e a figuração destes, faz-se preceder de uma desconstrução intencional. As consequências dessa Revolução vieram a agravar a questão social; oportunizaram, porém, acúmulo de capital aos donos das indústrias. Houve, nesse período histórico uma precarização das condições de vida, do intelecto e do trabalho, o que facilitou a exploração da classe operária. Fora assim denominada por serem os operários que trabalhavam, vendendo sua força de trabalho manual, para outrem.

A concepção de pobreza, nesse período histórico, perpassa inicialmente a lógica do trabalho industrial, sua escassez planejada e as novas configurações sociais em torno do emprego urbano. Castel (1998.) aponta que o trabalho

assalariado funcionava como elemento de coesão e fragmentação social. Nesse sentido, o autor denuncia que com as metamorfoses do trabalho, agora majoritariamente industrial, várias profissões liberais se tornaram profissões assalariadas. Ele afirma que “alguém caía na condição de assalariado quando a situação se degradava” (p. 21).

O trabalho, a partir do século XIX, constituiu-se na ideologia que atesta as virtudes e condições básicas de aprovação e aceitação em sociedade, pressuposto este que evoca a lógica moderna do processo antivagabundagem, que já vinha sendo praticado há séculos. Nesse sentido, falaciosamente, o trabalho ocupa uma posição redentorista, pois como critica Rizzini (1997), “no trabalho estava a ‘salvação’” (p. 100). Tal prerrogativa marginaliza e criminaliza, mais uma vez, aqueles que insistem em não se aculturar aos padrões societários propostos e impostos.

Dessa forma, o trabalho se tornou instrumento de regulamentação econômica e social, delimitando, então, o estado de pobreza, pois “para ser um homem de bem não havia outro caminho senão o do trabalho” (RIZZINI, 1997, p. 179 – [grifo no original]). Entretanto, Castel (1998) afirma que é exatamente a condição de assalariado que desnudava a degradação do pauperismo, pois “alguém era um assalariado quando não era nada e nada tinha para trocar, exceto a força de seus braços” (p. 21).

O sistema de produção que imperou na Revolução Industrial permitiu a identificação dos pobres com a figura do trabalhador, o que tornou possível o processo de reificação (LUCKÁS, 1923) ou coisificação, quando o próprio trabalhador se transforma em mercadoria. Então, “não basta mais saber trabalhar, é preciso saber, tanto quanto, vender e se vender” (CASTEL, op. cit., p. 601). Então, o trabalho, para se manter na sociedade moderna, precisava transfigurar-se em mercadoria cambiável por meio do seu detentor, o próprio trabalhador, gerando mais pobreza, conforme observa Castel (Idem, p. 277): “o processo de industrialização engendra um monstro – o pauperismo”.

A classe operária surge na Europa, segundo Giannotti (2007), entre os anos de 1760 e 1780, quando houve necessidade de contratação de grande quantidade de pessoas para trabalhar nos galpões das indústrias. No Brasil, a classe operária origina-se entre 1850 e 1900, sendo as primeiras fábricas do setor têxtil. A classe

operária se estabelece enquanto classe, efetivamente, por volta de 1900 e 1920, reconfigurando a questão social do trabalhador-pobre, como se descreve abaixo:

[...] recebiam, em troca, salários de fome. A generalização do trabalho assalariado trouxe novas formas de exploração e concentrou, mais ainda, o lucro nas mãos dos patrões. Esta época marcou a implantação, consolidação e expansão do capitalismo. (pp. 25-26).

O surgimento da classe operária fez com que a figuração do salário aparecesse e se estabelecesse de forma relacional com o trabalhador, trazendo novas implicações sociais e culturais para a sociedade. Dessa maneira, Giannotti (Idem) considera que os salários, na época, eram baixíssimos; havia inchaço populacional e baixa qualificação profissional especializada, o que oportunizou o acúmulo de riqueza pelos donos das indústrias e condicionou socialmente os operários a uma forma de relação social individualizada, dissociada de suas próprias histórias. Castel (op. cit.) denomina essa mudança “uma sociedade de indivíduos” (p. 595) ou, como descreve Marcel Jauchet apud Castel (Ibidem), “um individualismo de massa”.

A Revolução Industrial extinguiu o trabalho artesanal, outrora desempenhado no contexto rural; logo, o trabalhador não mais detinha o conhecimento generalizado sobre o processo produtivo, limitando-se apenas a uma fração da etapa, perdendo, assim, a noção de identificação com o que se produz. Outro problema desse período histórico, segundo Duarte (2012) foi o aglomerado de citadinos que se amontoaram nos centros urbanos à procura de emprego, submetendo-se a condições de vida precárias e desumanas, assim sendo, “incharam as cidades e desabitaram o campo” (p. 34). Comprovando os agravantes sociais, Giannotti (2007) afirma que, por volta de 1820, a média de vida do operário era de vinte um anos de idade. O autor afirma que muitos se tornavam operários a partir dos cinco anos de idade.

A partir da Revolução Industrial, segundo Castel (2008), o trabalhador vai perdendo, gradativamente, a noção de coletividade social existente de forma mais evidente no contexto pré-industrial, de caráter essencialmente rural. Nesse viés, Enguita (1989) e Villaça (1986) consideram que é a partir da Revolução Industrial que o trabalho se fragmenta e o trabalhador perde a condição de controle global sobre os processos e relações socioprodutivas. Portanto, é com o advento da Revolução Industrial que o trabalhador não mais se estabelece como sujeito do conhecimento no processo produtivo, pois é tirado dele a noção de continuidade e

representatividade das ações desenvolvidas. Simultaneamente, o trabalhador não se firma numa carreira/profissão, na medida em que perde também as condições objetivas de se manter no trabalho.

Na época da Revolução Industrial havia dois sistemas que imperavam e regiam as indústrias, a saber: o taylorismo e o fordismo. O termo taylorismo deriva de Frederick Winslow Taylor (1856-1915), considerado o primeiro teórico da Administração. Sua teoria foi denominada Administração Científica, pois atribuía, supostamente, a métodos científicos os processos administrativos com fins de aumentar a eficiência produtiva das indústrias norte-americanas. Os principais postulados foram: estudo dos tempos e movimentos, organização racional do trabalho, estudo da fadiga humana e estudo da vadiagem sistemática. Já o termo fordismo deriva de Henry Ford (1863-1947), que criou a Ford Motor Company. Henry Ford, valendo-se dos princípios administrativos de Taylor, implementou um sistema de produção em massa e linhas de produção no mercado automobilístico norte-americano. Os principais postulados foram: superespecialização do operário, divisão do trabalho, redução de custos na linha de produção e uso de máquinas no processo produtivo.

O taylorismo e o fordismo favoreceram o processo de exploração dos trabalhadores por ocasião da iminente precarização da situação econômica e social dos operários. Por essa razão, Schwartzman (2004a) afirma que, no período da Revolução Industrial, os pobres eram os proletários, por causa da precária condição social, econômica e laboral em que estavam inseridos. Dessa forma, reforça o conceito de que o pobre, nesse período histórico, era o trabalhador.

Para Frigotto (1996), a venda da força de trabalho expressava-se no caráter excludente nas relações sociais, pois, nesse viés, o trabalhador torna-se mercadoria. Então, o trabalho “torna-se uma força abstrata, sem conteúdo concreto, que interessa ao capital como produtora de valores de troca, de mais-valia” (p. 63). Isso permite afirmar que os salários do operário não seguiam a taxa de lucratividade, causando acúmulo de capital para os donos das indústrias e, do outro lado, havia a manutenção do pauperismo dos operários. Reforçando tais premissas, Neto e Santana (2010) afirmam:

As indústrias se expandem, mas simultaneamente ocorre um processo de pauperização da população, com aumento descontrolado da mendicância e dos trabalhadores empobrecidos e socialmente desprotegidos [...] com a dissolução dos feudos, da vassalagem, imensos contingentes são expulsos das terras, sem direitos [...] A pauperização do trabalhador empurra, para o

mercado produtivo, mulheres e crianças em terna idade, cujo envolvimento na luta pela sobrevivência não é suficiente para a reprodução digna da vida humana. [...] O processo de organização do trabalho do capital tem por finalidade última a expansão e a concentração do próprio capital [...]. (pp. 40, 41, 45 e 47).

A Revolução Industrial, então, traz consigo a consolidação do capitalismo, que promove o estado parasitário de desespero social e a sensação de autoculpabilidade por parte do trabalhador. Há de se destacar que o capitalismo tem sua forma embrionária entre os séculos XIII e XIV, especificamente com o surgimento da burguesia, a qual se constituía gradativamente em uma nova classe social, que almejava lucro por meio das relações comerciais, passando a constituir-se como a possuidora dos meios de produção.

Na lógica do capitalismo, o pobre é ressignificado, personificando uma desestabilização social, econômica, agrária, educacional e produtiva, características inerentes ao processo de acúmulo de capital, o que fez surgir, então, a figura do pobre como se concebe modernamente, ignorando toda a abrangência coletiva que a temática pobreza circunscreve. O pobre, ou seja, o próprio operário, no período da Revolução Industrial, de acordo com Martins (1997), é incluído precariamente na sociedade e tem que se adequar aos interesses do capital, mesmo que estes não o percebam e/ou não o queiram. Contudo, isto não quer dizer que a classe operária se aburguesava passivamente, pois havia movimentos de enfrentamento à cultura capitalista.

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