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Os jovens pesquisados e o território do Setor Buriti Sereno

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CAPÍTULO III OS JOVENS URBANOS DE UMA PERIFERIA DE APARECIDA DE GOIÂNIA

3.4. Os jovens pesquisados e o território do Setor Buriti Sereno

Na perspectiva de Williams (2011), o ser humano não deve ser analisado apenas a partir de uma noção histórica abstrata; pelo contrário, deve ser compreendido em consonância com a comunidade em que nasceu e em que vive. Nesse sentido, torna-se fundamental a análise do bairro enquanto produtor de cultura, pois é nesse ambiente que grande parte das integrações sociais se dá, desvelando práticas, cosmovisões e costumes.

O bairro, como expressão de territorialidade e de fator social se torna constitucional na condição de ser jovem. Segundo Duarte (2012), é no espaço geográfico do bairro que se dão as principais interações afetivas e simbólicas dos

jovens, sendo este o espaço que influencia as reais possibilidades e limitações dos jovens. Eis a razão de se analisar a categoria jovem a partir das condições objetivas existentes nas relações sociais no Setor Buriti Sereno, em Aparecida de Goiânia.

Reforçando tal postulado, é válido asseverar que é o lugar, enquanto construção social, que amolda o viver, construindo, assim, uma rede de significados que orientam os sujeitos. Para Bourdieu (1996), o espaço social é capaz de organizar as práticas e demostrar as representações sociais inseridas na realidade. No caso do Setor Buriti Sereno, julgamos ser necessário considerar o contexto de pauperismo como fator intrínseco à constituição das representações sociais de juventude.

Na tentativa de construir a relação existente entre os jovens investigados e as suas interações com o Setor Buriti Sereno, partindo-se do pressuposto de que este é um fator imprescindível na formação da categoria juventude, foi perguntado o que eles mais gostavam no bairro. As repostas, dadas no questionário, foram: da escolinha de futebol do Goiás; da Instituição Missão Tocando as Nações; das feiras próximas. Houve, ainda, respostas com a afirmativa de não se gostar de nada no Setor. Há de se destacar, que na fase das entrevistas, nas respostas sobre o que gostam do Setor, também foram citados os campos de futebol, fazendo-se referência especifica aos campos de terra batida em terrenos vazios no Setor.

Ao responderem o que mais gostam no Setor, as respostas centraram-se em duas instituições que atuam no bairro e que desenvolvem trabalhos sociais, o que reafirma a preocupação de Telles (2001) acerca da gestão filantrópica da pobreza. Foi citado apenas um espaço, aparentemente, público: feiras próximas, sendo que na região da 3ª etapa do Setor Buriti Sereno há apenas uma feira, que acontece aos sábados pela manhã, com pouco mais de seis barracas com gêneros alimentícios e vestuário. É válido destacar que, embora a feira seja um espaço de circulação e encontros do povo e, mesmo estando no espaço público da rua, o que a faz ser de acesso público, seu caráter é privado e não se constitui em espaço público, pois se constitui em espaço de mercado, de consumo e de comércio.

Para Lefèbvre (2008) a rua não é apenas lugar de passagem ou circulação de pessoas, a rua é “o lugar do encontro”, local do “teatro espontâneo” (p. 27); é onde há movimento e vida urbana. Entretanto, o autor constata que “o mundo da mercadoria desenvolveu-se na rua” (p. 28). Dessa forma, “a rua se converteu em

rede organizada pelo/para o consumo” (Ibidem). No caso do Setor Buriti Sereno isto se materializa e se comprova no espaço da citada feira.

A aparente dificuldade ou, ao menos, a perceptível limitação quanto à diversidade, no quesito o que mais gostam no Setor, justifica-se pelo ethos de não identificação simbólica que os jovens têm, enquanto categoria e cultura juvenil, com relação aos Setores de periferia. Esse processo Augé (1994) chamou de não-lugar, ou seja, os espaços do bairro, em sua precariedade não estão integrados aos fluxos de memórias dos sujeitos, ou como propõe Duarte (2012), “falta de reconhecimento com o seu lugar social” (p. 102).

As respostas dos jovens, quando indagados sobre o que menos gostavam no bairro, foram: dos bares; da falta de segurança; do policiamento; das ruas cheias de buracos; da falta de asfalto; do mato; da poeira; e da falta de iluminação. O que fica perceptível nas respostas é a reafirmação de que o referido bairro, à semelhança de Aparecida de Goiânia, não teve uma ocupação planejada, favorecendo agrupamentos populacionais em condições de moradia inadequadas e sem o mínimo de infraestrutura, conforme destacam Moysés (2004) e Simone (2014), conforme descrito no capítulo II desta dissertação. Tal precarização é intencional e coerente com o processo de urbanização capitalista, como endossa Villaça (1986). Esse processo ocasiona a escassez e a falta, forçando os jovens pobres a se constituírem enquanto categoria a partir da não pertença a um lugar. Conforme se observa no relato dos jovens:

Ser jovem aqui no meu bairro é triste, muito triste. Ser jovem aqui neste bairro é uma tarefa complicada, difícil [...] eu penso que meu bairro é um lixo, porque é verdade, eu não gosto, não tem nada que me agrade, não tem uma praça, não tem um parque, nem asfalto, só na linha do ônibus mesmo. Eu não gosto do meu bairro em nada, não tem polícia, não tem nada. Não tem nem o que eu menos goste, eu não gosto é de nada. (Entrevista, Júlia).

Ser jovem aqui no meu bairro é muito perigoso, porque tem muita festa, muitas drogas, muito mala, têm muitas brigas. Ser jovem no meu bairro agora, nestes dias tá difícil. Se não tomar cuidado desanda e acaba fazendo coisa errada [...] O que eu menos gosto do meu Setor é que não tem asfalto, não tem água tratada, não tem rede de esgoto, então, quando a gente sai na rua se suja tudo [...]. (Entrevista, Marcos).

Ser jovem aqui no Buriti é difícil... tem muita droga, bagunça e a polícia quase não vem aqui, quando vem fica querendo prender a gente. Teve uma vez que eu tava sentado aqui (apontou para o banco que estávamos sentado) e o policial disse para minha mãe para me colocar pra dentro, pois na próxima vez que me ver aqui fora, mesmo que eu não tenha nada, vai jogar na minha mão e me prender. (Entrevista, Gilney).

Eu não gosto daqui. É bom, é um Setor tranquilo, mas não pode sair na rua que a polícia para te confundindo com ladrão. Eles não podem ver uma rodinha de três jovens, aí eles querem bater. (Entrevista, Ricardo).

Os relatos dos jovens nos permitem considerar que, na perspectiva deles, ser jovem no Setor Buriti Sereno é ter a certeza de serem parte daqueles que são marginalizados, pois vivem uma perceptível criminalização da pobreza, em condições urbanas precárias, distantes de redes de suprimentos de necessidades básicas, não há espaços públicos para integração social e convivem com a insegurança social. Então, é preciso concordar com Duarte (2012) ao ponderar que ser jovem pobre residente nos bairros periféricos é muito diferente de ser jovem pertencente aos segmentos das classes médias e altas desta sociedade, pois os jovens de camadas populares são comumente violentados, ainda que simbolicamente, a partir de percepções etnocêntricas.

Para se compreender os jovens pobres de periferia, há que se partir da noção de distinção de se viver esse tempo de vida de acordo com as condições sociais e culturais específicas de cada comunidade local, ou seja, compreender que a condição juvenil não se dá da mesma forma em grupos sociais distintos, sendo fortemente marcada pelo território e pelos espaços sociais nos quais os agentes estão inseridos. Bourdieu (2003) exemplifica isto comparando um adolescente burguês a um jovem operário, para quem, além de viverem em territórios distintos ainda há uma notória diferença na distância das reais oportunidades sociais, das condições de vida e das oportunidades de emprego, que é discrepante entre os dois jovens.

O bairro, enquanto parte nuclear das relações sociais existentes na cidade, é, então, produtor de cultura, entendendo a categoria cultura20 como uma “totalidade em movimento, um corpo de práticas e expectativas em relação com a totalidade da vida” (DUARTE, 2012, p. 77). O espaço territorial desvela por meio do cotidiano quem são seus agentes sociais e de que forma estes dialogam com as condições objetivas da cultura local permeadas no bairro. Nesse sentido, a cultura perpassa o

habitus das pessoas, tornado legítimo ou ilegítimo determinadas práticas sociais

assimiladas e engrenadas nas relações sociais existentes no bairro.

20 Segundo Cevasco (2003) o termo “cultura” vem do latim colere que significava inicialmente habitar. O termo

cultura ao longo dos séculos vem sofrendo alterações semânticas e ressignificações quanto ao uso. Nesta dissertação, o termo se refere às diferentes identidades e representações sociais em conflito no cotidiano das pessoas.

O bairro, enquanto construto social da condição de juventude se integra no cotidiano cultural dos jovens do Setor Buriti Sereno por meio do processo de classificação, desclassificação e reclassificação, conforme pondera Bourdieu (1989; 2010). Para os jovens investigados a partir de suas conjecturas e noção de gosto ou desgosto em referência ao próprio Setor, reforçam-se suas concepções e expectativas em relação ao modo de vida existente no bairro de periferia, lembrando-se de que o bairro, enquanto parte embrionária das cidades relaciona-se com essas práticas sociais de forma a reproduzir, produzir, conflitar e ressignificar padrões estabelecidos.

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