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A abrangência do conceito de juventudes

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CAPÍTULO III OS JOVENS URBANOS DE UMA PERIFERIA DE APARECIDA DE GOIÂNIA

3.1. A abrangência do conceito de juventudes

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), vigente segundo a Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990, define como criança aqueles que têm idade de doze anos incompletos até dezoito anos incompletos, conforme disposto no Artigo 2°. Contudo, em seguida, pelo parágrafo único dispõe que a abrangência desta lei aplica-se, também, a pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade. A referida lei não cita, em qualquer momento, o termo jovem. Entretanto, no ECA é utilizada inúmeras vezes a expressão juventude, no singular, referindo-se ao grupo beneficiário dessa lei.

O Estatuto da Juventude (BRASIL, 2013), instituído pela Lei n° 12.852, de 05 de agosto de 2013 no Artigo 1°, Parágrafo 1°, considera jovem a pessoa com idade entre quinze e vinte nove anos. No Parágrafo 2°, designa o termo adolescente para aqueles que tenham idade entre quinze e dezoito anos aos quais se aplica o Estatuto da Criança e Adolescente.

A ONU celebrou, em 1985, o Ano Mundial da Juventude (International Youth

Year - IYY). Ao longo daquele ano, foram realizadas atividades em torno da temática

da juventude. O principal evento foi o Congresso Mundial Sobre La Juventud, realizado na Barcelona, Espanha, de 8 a 15 de julho. Nesse ano, por força da resolução n° 40/14 e reafirmado pela resolução n° 50/81 de 1995, a ONU estabeleceu que jovens são aqueles que têm faixa etária entre quinze e vinte e quatro anos.

Segundo Hermann (2011), essa faixa etária é a mesma utilizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE). Pierre Bourdieu (2007a) também se vale dessa mesma classificação etária (15-24 anos) na obra A Distinção. Entretanto, ele critica os sistemas de classificações vigentes, inclusive o etário. Isso fica notório numa entrevista que ele concedeu em 1978 que, posteriormente, em 1983, foi adaptada para a forma de livro, especificamente no capítulo intitulado A “juventude” é só uma

palavra. Aí, o autor pondera que:

Os cortes em classes de idades, ou em gerações, são tão variáveis e são uma parada em jogo de manipulações [...] O que quero lembrar é muito simplesmente que a juventude e a velhice não são dadas mas construídas socialmente, na luta entre jovens e velhos. (BOURDIEU, 2003, p. 152).

Para Bourdieu (Idem), a noção de adolescência, juventude e velhice é uma construção social que delimita limites sociais invisíveis entre si. Para o autor, o propósito final dessa categorização etária é desenhar uma divisão de poder e controle social. Portanto, a definição de juventude traz consigo efetivas implicações simbólicas, variando de acordo com as representações sociais, exceptivas e intentos de uma determinada sociedade. Posto isso, o conceito de juventude não pode ser atrelado apenas a faixa etária, pois extrapola tal delimitação.

Segundo Cassab (2001), Pais (2003), Martins (2004), Dayrell (2005), Garcia (2009) e Duarte (2012), não há um consenso acerca da definição e delimitação da categoria juventude, pois o termo evoca tanto uma condição quanto uma representação social, além de margear fatores cronológicos de faixa etária. Então, em cada momento histórico, em cada cultura, em cada sociedade, se reinterpreta a o que vem a ser jovem.

Para Pais (2003), a “juventude é uma categoria socialmente construída, formulada no contexto de particulares circunstâncias econômicas, sociais ou políticas; uma categoria sujeita, pois, a modificar-se ao longo do tempo” (p. 37). Para Abramo (2014), os jovens são os sujeitos que conseguem acompanhar “o ritmo dos tempos” (p. 17), ressignificando-se socialmente. Para Duarte (2012), os jovens se constituem a partir dos espaços socais e culturais em que estão inseridos. Por essa razão, compreende-se que a formação da cultura juvenil se dá por meio de significações construídas social e historicamente.

Para Pais (2003), Dayrell (2005) e Abramo (2014), a juventude não pode ser entendida como mero tempo de transitoriedade da fase infantil para a fase adulta, pois juventude se constitui em um momento determinado de formação dos sujeitos. Para Pais (2003), na juventude tem-se um conjunto de sinais que simbolizam a pertença destes a um determinado grupo e tempo histórico, com linguagem e rituais próprios que dão sentido à vida. A juventude não é, então, uma etapa com fim predeterminado nem um momento de mera preparação para a vida adulta.

Compreende-se que, no Brasil, a juventude como forma de representação social veio a existir somente no final do século XX, pois na fase de adolescência, ou até mesmo na infância propriamente dita, havia uma obrigatoriedade da inserção no trabalho. Trabalho este, que devido às especificações da época histórica e ao estado de evolução das políticas públicas e educacionais, não ofereceria perspectivas de futuro, mas tornavam esses indivíduos úteis para o modelo produtivo urbano-capitalista, conforme detalhado no capítulo I desta dissertação. O que ocorria, então, era uma adultização precoce, que ignorava e sufocava o estágio de juventude como forma representativa do ser social.

Para Duarte (2012), a juventude é representada historicamente como um Período de Latência, ou seja, é imprescindível a internalização da diferença de tempo entre o início da juventude e o momento em que seus efeitos tornam-se perceptíveis na sociedade. Ao terem que dar conta precocemente dos aspectos produtivos que compõem a própria existência, os jovens são impedidos de viver integralmente esse tempo de preparação para a vida adulta e, de forma paradoxal, são excluídos da formação exigida pelas novas demandas do mundo urbano.

Devido à multiplicidade de percepções, tão distintas entre si, e em razão das condições objetivas de ser jovem, o apropriado seria usar o termo juventudes, no plural, segundo Carrano (2002), Pais (2003), Dayrell (2005) e Mendes (2011). Essa forma plural possibilita as variáveis de contradições, limitações e percepções existentes entre os jovens. Sendo assim, as juventudes, numa concepção moderna, não são entendidas como um bloco homogêneo, mas, sim, como um mosaico, que desvela a heterogeneidade e a mutabilidade da sociedade atual.

Para Williams (2011), “vivemos em uma sociedade transicional” (p. 343), ou seja, estamos em constante oscilação entre práticas herdadas e assimilação de práticas novas. Para as juventudes, essa condição está posta de forma visível, havendo, porém, a partir do que Williams apresenta, de se reavaliar que não são

apenas os grupos que se enquadram na categoria juventudes que vivenciam esta condição transicional, mas sim a sociedade moderna como um todo. Dessa maneira, há que se considerar que o tempo presente é marcado por uma cultura juvenil, noção que reforça o pressuposto de que juventude não é um fator cronológico, mas, sim, uma condição social, cultural e histórica.

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