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A Cauda Longa do luxo: expansão e proximidade

São os pensamentos de Anderson (2006), através de sua Teoria da Cauda Longa, que guiarão nossa discussão a partir de agora, buscando compreender a Internet como uma mídia

de comunicação individual, voltada para nichos específicos do mercado. Essa escolha se deu pelo fato de que o luxo é um segmento voltado a um nicho muito específico de consumidores, com limitações de produção, distribuição, acessibilidade e comunicação, como afirma reportagem da revista Fator sobre o luxo na Internet (MERCADOLIVRE..., 2008): “produtos de nicho têm espaço na Internet, tanto para anunciar quanto para quem os procura. A teoria da cauda longa funciona na rede e abrange o mercado de luxo”.

Embora o termo The Long Tail (Cauda Longa), seja comum em textos estatísticos, seu uso popular deve-se a Anderson. No ano de 2004, o autor utilizou o termo na revista Wired para se referir, sob uma perspectiva genérica, à economia da abundância: “o que acontece quando os gargalos que se interpõem entre a oferta e a demanda em nossa cultura começam a desaparecer e tudo se torna disponível para todos.” (ANDERSON, 2006, p.11).

Segundo o autor (IBID., p.15), “se a indústria do entretenimento do século XX baseava-se em hits, a do século XXI se concentrará com a mesma intensidade em nichos”. Um hit é tudo aquilo lançado no mercado tomado por grande popularidade, ou seja, um grande sucesso que todos conhecem, desejam e consomem. Por isso, a expressão hit é utilizada no sentido de grande popularidade e, conseqüentemente, grande número de vendas.

O que Anderson (2006, p.15) relata é que durante muito tempo padecemos sob a tirania do divisor comum, “sujeitos à estupidez dos sucessos de verão e dos produtos industrializados populares”. As preocupações de Anderson também têm eco na obra de Wolton (2007). Este pensador sustenta que os meios de comunicação de massa, ou como prefere o autor, as mídias generalistas, procuram aquilo que é “denominador comum” entre os gostos e desejos dos indivíduos para ser ofertado, e a partir daí passam a considerá-los como uma massa homogênea de receptores, sem distinção alguma de pensamento.

É partindo desse cenário que Anderson inicia sua teoria, alegando que esta condição de submissão àquilo que restritamente é oferecido no mercado, já não existe mais. E este cenário está sendo construído em grande parte pela Internet, que transformou o mercado de massa (hits) em milhões de mercados de nicho.

O ponto chave para compreender essa discussão é exatamente a restrição apresentada pelo mundo físico. Os hits, segundo Anderson, são produtos de uma era em que não havia espaço suficiente para oferecer tudo a todos: “esse é o mundo da escassez. Agora, com a distribuição e o varejo on-line, estamos ingressando no mundo da abundância. As diferenças são profundas” (ANDERSON, 2006, p. 17).

Portanto, até recentemente, tomar conhecimento de alguma informação neste mundo só era possível se estivéssemos próximos geograficamente desta fonte de informação: “Esta

realidade concreta impunha grandes limitações às nossas diversões” (IBID., p.16). E se de alguma forma soubéssemos da existência de algo que nos chamasse a atenção ou nos interessasse, não faria muita diferença, pois não teríamos mesmo como encontrá-lo (IBID.). Justamente por vivermos sob a “tirania da geografia”, o mercado tinha a necessidade de agregar grandes audiências em áreas geográficas limitadas, uma economia movida a hits, ofertada a uma massa homogênea, influenciada por uma mídia generalista (THOMPSON, 1998; WOLTON, 2007).

Assim, a Cauda Longa é a constatação, através de uma curva gráfica (denominada de curva de Pareto), que um conjunto pequeno de produtos tem uma procura bastante elevada (hits), enquanto um conjunto elevado de produtos tem uma procura mais reduzida (nichos). A grande questão passa a ser: poucos mercados de milhões ou milhões de mercados de poucos? Ao passo que os poucos mercados de milhões oferecem poucas opções com a garantia de grandes clientes (regulares e fiéis), os milhões de mercados de poucos oferecem uma imensa variedade de produtos a vários grupos menores de clientes (novos clientes, clientes potenciais), mas que juntos têm um valor comercial equivalente ao dos produtos mais desejados (Figura 2).

Nesse sentido, Anderson e vários empresários no mundo todo demonstram que apostar na Cauda Longa torna-se economicamente interessante, ao contrário do que acontecia antes. No limite, o conjunto dos produtos que existem na zona da Cauda Longa tem um valor comercial equivalente ao dos produtos populares, que estão na cabeça da curva.

Trata-se da teorização de um fenômeno já existente e em virtuosa ascensão na indústria do entretenimento, que tem gerado um movimento migratório da cultura de hits para a cultura de nichos, a partir de um novo modelo de distribuição de conteúdo e oferta de produtos. É este movimento migratório que faz surgir a Cauda Longa, pois quanto mais cresce a procura por produtos menos populares, mais a cauda aumenta.

Antes da Internet, a oferta de produtos era feita única e exclusivamente através de meios físicos, como discutimos exaustivamente através de Thompson, Primo e Wolton. Neste modelo, os custos de armazenagem, distribuição e exposição dos produtos são muito altos, o que torna economicamente viável apenas a oferta de produtos extremamente desejados, para o consumo de grandes grupos. Isto é, só são ofertados e expostos nas “prateleiras” das lojas, os produtos com garantia de grande volume de vendas, capaz de cobrir os custos de produção, distribuição, armazenagem etc. Essa é a cultura de hit.

Com o surgimento do mundo virtual, é justamente o rompimento das barreiras físicas que torna possível a criação de modelos de negócios de Cauda Longa, em que a oferta de produtos é praticamente ilimitada, uma vez que os custos de armazenagem e distribuição digitais são infinitamente inferiores. Produtos economicamente inviáveis no modelo de hit encontram no meio digital seus consumidores. Por sua vez, os consumidores que antes tinham acesso a um número reduzido de conteúdos, passaram a ter uma variedade quase que infinita de novas opções. E passaram a experimentar mais, e a consumir produtos que até então desconheciam. É essa variedade e essa nova experimentação que proporcionam as alterações no consumo tradicional. Não é à toa que a geração da Internet é menos fiel às marcas e mais predisposta a consumir novos produtos.

Segundo Anderson (2006, p.3), a Internet permitiu “acesso ilimitado e sem restrições a culturas e a conteúdos de todas as espécies, desde a tendência dominante até os meios mais remotos dos movimentos subterrâneos”. Por isso, o que antes era um mercado restrito, com poucas opções, não só passa a ter mais valor, como cresce a cada ano. Importante destacar também que o conceito de Cauda Longa se aplica praticamente a todo o mercado, inclusive ao

Figura 2 - Novo mercado e economia digital (Cauda Longa) Fonte: elaborado pela autora a partir de Anderson (2006)

mercado de luxo. Com a convergência digital, está havendo uma reorganização na distribuição desses bens, não apenas por conta de alterações nas características dos meios e na maneira como são consumidos, mas principalmente por alterações no próprio comportamento do consumidor, que está mais exigente, em busca de novos prazeres e novas experiências (conforme as reflexões de Lipovetsky já apresentadas).

Apesar de ainda existir demanda para a cultura de massa, Anderson (2006, p.5) é enfático ao dizer que esse já não é mais o único mercado: “Os hits hoje competem com inúmeros mercados de nicho, de qualquer tamanho. E os consumidores exigem cada vez mais opções. A Era do tamanho único está chegando ao fim e em seu lugar está surgindo algo novo, o mercado de variedades”.

Por isso, encontramos na Teoria da Cauda Longa, muito do cenário vivenciado pelo luxo hoje, uma vez que o luxo, criado para ser um segmento raro, destinado a poucos (escassez), já faz parte deste universo digital, e entrou no mundo da abundância. Mas é importante esclarecer que, quando falamos que o luxo entrou no mundo da abundância, é no sentido de que há alguns anos só era possível ter acesso a este universo através dos grandes centros da moda, viajando para a Europa, por exemplo.

Hoje, entretanto, é mais fácil encontrá-lo em diversos pontos de venda, em lojas físicas e virtuais, inclusive em lojas no Brasil. São inúmeras as alternativas para conhecer este universo, muitas delas possíveis somente com o surgimento da Internet. Portanto, além dos eventos, das lojas exclusivas, das revistas de moda, da divulgação na televisão por assinatura, o luxo está disponível também nos websites das grifes e em lojas virtuais, por exemplo.

Sem falar na oferta e variedade destes produtos, que também é bem maior, pois se antes tínhamos alguns poucos perfumes, por exemplo, hoje o mercado lança inúmeras novas fragrâncias e marcas ao mesmo tempo, atendendo aos mais variados gostos e estilos. Assim, partimos do pressuposto de que aquele luxo de “tamanho único”, disponível em poucas lojas, destinado a grupos pré-estabelecidos (padronizados e homogêneos), está se expandindo cada dia mais, e em seu lugar surge um “novo luxo”, um mercado de maior variedade, destinado a grupos heterogêneos com gostos e estilos diversos. É nesse sentido que: supomos ser possível identificar no conteúdo dos websites das grifes traços desta nova economia, que em grande parte relaciona-se aos novos comportamentos de consumo; e acreditamos que ao mesmo tempo em que este mercado se expande, mais ele se aproxima de grupos distintos de consumidores e que essa expansão permite um diálogo mais próximo com seu público.

Nunca antes um perfil tão variado de consumidores teve acesso a este universo tão restrito, que funcionava exatamente segundo as regras da escassez, a do mercado de hits

(somente aquilo que tinha um público garantido e fiel). Com o advento não apenas da Internet, mas a transformação dos cenários econômicos e culturais, fazendo surgir um perfil de consumidores ávidos por inovação, o luxo iniciou seu processo de inserção no mercado da abundância.

Todo esse movimento, segundo Thomas (2008), mostra que o intuito é democratizar o luxo, tornar o luxo acessível. Ao mesmo tempo em que permitem que a marca seja aproveitada ao máximo em seu potencial ao estampar produtos tão diversos quanto possíveis, acabam por retirar-lhe a aura e prestígio, tão essenciais (DUBOIS; PATERNAULT, 1995).

O grande receio é o de que com a Internet, o poder do luxo que, antes decorria do controle das ferramentas de distribuição, passe de repente a pertencer a qualquer pessoa com um computador e conexão à rede (CASTELLS, 1999; ANDERSON, 2006). Assim, para quem atua no negócio do luxo, a economia da abundância levanta algumas questões problemáticas sobre o futuro da área, uma vez que o acesso a este segmento não mais pertence exclusivamente a uma elite detentora de maior poder aquisitivo e tradições familiares. Por outro lado, como dizem Dubois e Paternault (1995), o caminho é o equilíbrio entre a exclusividade e a massa, entre o luxo-artístico e o luxo-marketing. Assim, no capítulo 5, através do confronto do conteúdo identificado nos sites das grifes com a teoria da cauda longa e os pensamentos lipovetskyanos, acreditamos ser possível encontrar muitas respostas para este novo cenário. Da mesma forma que algumas pesquisas sobre a inserção do luxo na Internet (expostas no capítulo seguinte) também serão enriquecedoras para a nossa reflexão.